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Queimar hidrogênio faz sentido para o Brasil? 

Propostas relacionadas ao tema rondam o Congresso

Parlamentares dialogam durante sessão no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados)
Sessão no Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados)

Gerar energia elétrica renovável para produzir hidrogênio verde e depois queimá-lo em uma termelétrica para produzir eletricidade faz sentido no Brasil?

Propostas relacionadas ao tema rondam o Congresso.

A injeção de frações de hidrogênio na malha de gasodutos já esteve presente em projetos de Lei do Hidrogênio na Câmara e Senado – mas acabou ficando de fora, por enquanto –, já a contratação obrigatória de eletricidade a partir do hidrogênio integra uma longa lista de emendas ao PL das eólicas offshore, agora no Senado.

Para o diretor de gás natural da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Adrianno Lorenzon, a resposta à pergunta inicial é não.

“Qual o sentido? Ter uma geração de energia elétrica mais flexível? Talvez em 2060 isso possa fazer sentido. Mas considerando nosso grid que é 90% renovável, me parece que não há razão para isso”, disse o diretor à coluna.

Em 2022, o país ultrapassou o marco de 92% de participação de usinas hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa no total gerado pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), de acordo com levantamento da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Inclusive essa é uma das características que garante que a produção de hidrogênio verde aqui no Brasil possa ser conectada ao grid e consequentemente seja mais competitiva nos preços.

Competitividade que será essencial para que o Brasil conquiste mercados em em países, onde não há possibilidade de expansão das renováveis, como na Europa, que dependerão da importação de hidrogênio de baixo carbono, seja ele verde ou de gás natural com captura de carbono (CCS), para o funcionamento das térmicas.

No caso brasileiro, diferente do europeu, fica cada vez mais claro que o hidrogênio verde vai cumprir, em um primeiro momento, um papel mais importante como matéria-prima na indústria, na produção de aço verde, combustíveis sintéticos de aviação e navios, cimento, e fertilizantes nitrogenados.

Contudo, no entendimento da Associação Brasileira de Geradores Termelétricos (Abraget), a utilização de hidrogênio verde nas térmicas pode contribuir para redução das emissões de gases do efeito estufa nas atividades.

Além disso, seria uma possibilidade de estender o papel das térmicas na garantia de energia despachável ao sistema, diante do crescimento de energias renováveis intermitentes.

“Máquinas térmicas poderão operar com hidrogênio verde, mantendo o sincronismo e controlabilidade do sistema elétrico”, defendeu a Abraget em contribuição ao Plano Trienal 2023-2025 do Programa Nacional do Hidrogênio.

“Isto já vem sendo utilizado em alguns países (Estados Unidos, Suécia, Holanda, China, por exemplo), começando-se com um “mix” de 10% de hidrogênio verde (H2V) e 90% de gás natural, subindo passo a passo a percentagem de H2V até chegar a 100% em cerca de 10 anos, a preços bem competitivos”, pontuou a associação.

Mistura nos gasodutos

Outro ponto de discussão é a mistura de hidrogênio de baixo carbono em gasodutos de transporte de gás natural, que também já foi tema de um projeto de lei do ex-senador Jean Paul Prates, e atual presidente da Petrobras.

Seria uma maneira de garantir a demanda e desenvolver a indústria do hidrogênio em um primeiro momento, o que já foi defendido por algumas associações como ABH2 (hidrogênio), Abeeólica (eólica), Absolar (solar) e ABiogás (biogás e biometano).

Para Lorenzon, ainda é necessário muita avaliação sobre a viabilidade da mistura. Além disso, ele considera que o consumidor final, a indústria, teria muita dificuldade em se beneficiar do atributo ambiental relacionado ao hidrogênio, ao queimá-lo indiscriminadamente.

Na semana passada, por exemplo, o Reino Unido decidiu apoiar a mistura de até 20% de hidrogênio de baixo carbono ao gás natural.

Mas reconheceu que a decisão final será feita somente após estudos a respeito dos impactos na infraestrutura e equipamentos, levando em conta fatores econômicos.

Casos no Brasil de geração termelétrica com hidrogênio

No Ceará, o projeto-piloto de hidrogênio verde do grupo EDP, no Pecém, já analisa a possibilidade de co-combustão do H2 com combustíveis primários e a substituição do hidrogênio cinza usado para resfriamento do alternador na usina termelétrica do Pecém – hoje movida a carvão.

Os estudos no Ceará são comandados pelo Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati), sediado em Recife, Pernambuco, onde também realizou estudos que comprovam a eficácia da mistura de hidrogênio verde ao diesel queimado na termelétrica de Suape II, aumentando a eficiência de queima e a redução das emissões de carbono.

Contudo, além da perpetuação das térmicas como um problema ambiental, outra preocupação seria o aumento no preço da energia, considerando que o hidrogênio de baixo carbono será mais caro que outros combustíveis fósseis, como o gás natural – já caro no Brasil.

Mas se tratando de Brasil, a racionalidade econômica nem sempre é o que rege as decisões do Congresso.

Recentemente, no projeto de lei que originalmente trataria da regulação das eólicas offshore, entraram alguns jabutis, entre eles a obrigatoriedade de contratação de hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste, com contratação até o 2° semestre de 2024 e entrega até o mês dezembro de 2029.

Em um exercício hipotético, a Abrace calculou que o impacto desta medida, considerando que as usinas dessa modalidade terão preço teto de R$ 1.510/MWh e fator de capacidade de 90%, seria de um custo anual de R$ 2,98 bilhões ao consumidor final de energia.

“A Abrace, por exemplo, entende que o projetos de hidrogênio no país ainda estão em muito incipiente, e que não faz sentido criar uma reserva de mercado para um fonte de geração que ainda não existe”, afirma Lorenzon.

O pesquisador do Iati, Robson Barreiro, diz que transformar o etanol em hidrogênio e depois liquefazê-lo causaria uma perda energética de cerca de 30%, mas que o aumento da escala poderia ser capaz de viabilizar o seu uso.

“Essa é uma estrutura cara. Mas quando a gente está falando em massificar o uso do hidrogênio, inclusive na mobilidade, ou numa termelétrica, aí a coisa muda de figura”, disse à coluna.

Ele defende a viabilidade econômica da queima do hidrogênio, e conta que a mistura foi testada com sucesso em motores de veículos a diesel, gasolina e gás natural.

“A eficiência é entre 9 % e 15 % no diesel, mas na gasolina nós obtivemos um número maior, 22%”.

Barreiro também pontua que a mistura do hidrogênio é viável e até mesmo no botijão de cozinha (GLP). E também ser possível termos, no futuro, a queima de 100% de hidrogênio diretamente no fogão. Leia a entrevista na íntegra