“A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.” (CNUDM, Artigo 76 (1)).
“A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito no Mar[1] (CNUDM) (DHN, 1985; UNITED NATIONS, 1983), também conhecida como “Convenção”, “Convenção do Mar” ou “Lei do Mar”, que entrou em vigor em 16 de Novembro de 1994, contém 320 artigos e nove anexos, que legislam sobre todos os aspectos relacionados aos domínios ou espaços oceânicos e estabelece critérios e condicionantes para o Estado[2] costeiro estabelecer o limite exterior da sua Plataforma Continental[3].
Em não havendo condições geográficas naturais de restrição de sua extensão, pelo posicionamento de Estados costeiros com costas adjacentes ou confrontantes (CNUDM, Artigo 83), a extensão mínima da Plataforma Continental é igual a 200 M[4] (370,400 km) e, neste caso, o seu limite coincide com o limite das 200 M da Zona Econômica Exclusiva.
E qual seria a extensão máxima possível para a Plataforma Continental de um Estado costeiro?
Tem sido observada uma tendência a afirmar que a extensão máxima seria de 350 milhas marítimas (350 M=648,200 km). Mas seria essa realmente a extensão máxima possível?
Domínios ou espaços oceânicos da Lei do Mar
A Lei do Mar estabelece diversos domínios ou espaços oceânicos, sobre os quais se aplicam jurisdições próprias.
E até onde vai a soberania do Brasil no mar (SOUZA, 1999 e 2017; SOUZA E ALBUQUERQUE, 1996)?
Segue um resumo dos tópicos mais relevantes de cada um desses domínios ou espaços oceânicos.
Mar territorial (MT) – estende-se das linhas de base[1] adotadas pelo Estado costeiro até a extensão máxima de 12 M (22,224 km). No mar territorial, o Estado costeiro exerce soberania plena sobre a massa líquida e o espaço aéreo sobrejacente ao mar territorial, bem como ao leito e subsolo deste mar (CNUDM, Artigos 2 a 4).
Zona econômica exclusiva (ZEE) – estende-se até a distância máxima de 200 M (370,400 km) medidas a partir das linhas de base adotadas pelo Estado costeiro. Na zona econômica exclusiva, o Estado costeiro tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da ZEE para fins econômicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos. Também tem jurisdição no que se refere à: 1) colocação e utilização de ilhas artificiais, instalações e estruturas; 2) investigação científica marinha; 3) proteção e preservação do meio marinho (CNUDM, Artigos 55 a 57).
Plataforma continental (PC) – a ser estabelecida conforme os critérios técnicos e condicionantes do Artigo 76 da Lei do Mar. Na plataforma continental, o Estado costeiro exerce direitos de soberania para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais, que são os recursos minerais e outros recursos vivos do leito do mar e subsolo bem como os organismos vivos pertencentes a espécies sedentárias, isto é, aquelas que no período de captura estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo ou só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo. Os direitos do Estado costeiro na plataforma continental são exclusivos no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas atividades sem o expresso consentimento desse Estado. Nos termos da Convenção, os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental são independentes da sua ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa (CNUDM, Artigos 76 e 77).
Na medida em que se afasta do Continente (terra firme), fica evidente que se reduzem os direitos de soberania que o Estado costeiro pode exercer sobre os espaços oceânicos objetos da Lei do Mar.
Na ZEE, o Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre os recursos naturais da massa líquida, do leito do mar e do seu subsolo, enquanto que na Plataforma Continental Estendida além das 200 M da ZEE o Estado costeiro deixa de exercer direitos de soberania sobre os recursos naturais da massa líquida sobrejacente ao leito do mar, restringindo-se esses direitos aos recursos naturais do leito do mar e seu subsolo.
O Estado costeiro exerce soberania plena apenas no espaço oceânico do seu mar territorial.
Critérios da Lei do Mar para a determinação do limite exterior da Plataforma Continental
A Figura 1 apresenta os critérios de delimitação da Plataforma Continental “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal” de um Estado costeiro (SOUZA, 2018).
O Artigo 76 da Lei do Mar apresenta dois critérios para o Estado costeiro estender o limite exterior de sua Plataforma Continental além do limite das 200 M (370,400 km) de sua ZEE: “critério da espessura sedimentar” e “critério da distância fixa de 60 M”, ambos tendo como ponto de origem (ou de referência) a posição do “pé do talude continental[2]” (PTC) (Figuras 1 e 2).
No “critério da espessura sedimentar” (Figura 1, item a), usa-se a sísmica de reflexão multicanal para determinar a espessura de sedimentos (Figura 3) entre o Fundo do Mar e o refletor interpretado (ou assumido) como sendo o Embasamento (cristalino, econômico ou o refletor mais profundo identificado nos dados sísmicos) ao largo da Margem Continental[3].
Neste critério, enquanto a relação entre a espessura de sedimentos (e) de um determinado ponto (Figura 3) e a distância (d) deste ponto ao PTC (Figura 1 ) for de pelo menos 1%[4], em princípio este ponto pode fazer parte da Plataforma Continental Estendida do Estado costeiro.
O critério da “distância fixa de 60 M” (PTC + 60 M) (Figura 1, item b) visa a facilitar a situação dos Estados costeiros que, por falta de recursos (financeiros, humanos e outros), não têm a opção ou a possibilidade de realizar ou contratar levantamentos sísmicos multicanais, normalmente custosos. Este critério consiste na adoção, pelo Estado costeiro, da distância fixa de 60 M (111,120 km) a partir da posição do PTC (PTC+100 M), para estender a sua Plataforma Continental além das 200 M de sua ZEE.
Por outro lado, para evitar extensões excessivas de Plataforma Continental Estendida por parte de alguns Estados costeiros, o Artigo 76 também apresenta dois critérios para restringir a extensão máxima da Plataforma Continental Estendida de um Estado costeiro (Figura 1, item c): “extensão máxima de 350 M” ou “extensão máxima de 100 M a partir da isóbata – linha que une pontos de iguais profundidades no fundo do mar – de 2500 m”.
Conforme a sua conveniência, na definição do limite exterior da sua Plataforma Continental Estendida, o Estado costeiro pode fazer o uso alternado dos dois critérios de extensão (ou de delimitação) e dos dois critérios de restrição, sendo padrão o critério de restrição de 350 M.
O uso consciente e articulado desses quatro critérios leva o Estado costeiro a estabelecer o limite exterior de sua Plataforma Continental “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal”, com a extensão máxima permitida pela Convenção.
O Brasil, por ter uma Margem Continental passiva[1], com expressivo aporte de sedimentos em boa parte dela, está fazendo uso, predominantemente, do “critério da espessura sedimentar” para estender a sua Plataforma Continental além do limite das 200 M da sua ZEE.
Conforme a configuração e aporte sedimentar na Margem Continental, a Plataforma Continental Estendida de um Estado costeiro pode ter a extensão máxima de até 350 M (648,200 km) medidas a partir das linhas de base adotadas pelo Estado costeiro ou, em circunstância muito especial, pode até ultrapassar o limite de 350 M e, neste caso particular, a extensão máxima poderá ser de até 100 M (185,200 km) medidas a partir da isóbata de 2500 m (2500 m + 100 M), que é uma linha que une pontos de 2500 m de profundidade do fundo do mar.
Resumindo o que foi exposto, em não havendo restrição geográfica para sua extensão, por adjacência ou oposição a Estados costeiros confrontantes, a extensão máxima da Plataforma Continental Estendida de um Estado costeiro poderá ultrapassar a extensão de 350 M (648,200 km), mas isso apenas em circunstância bem especial (2500 m + 100 M), como exemplificado na Figura 4.
Do mesmo autor:
- O bordo exterior da Margem Continental e o limite exterior da Plataforma Continental
- Revisitando a plataforma continental “estendida, externa, jurídica ou legal” do Brasil
- A Plataforma Continental “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal” do Brasil
Jairo Marcondes de Souza é Geofísico Sênior, trabalhou por 42 anos na Petrobras (1975-2017). Está envolvido nas atividades de delimitação da Plataforma Continental Estendida do Brasil desde 1989. Atualmente, é Profissional Independente de O&G. E-mail: [email protected]
As opiniões e interpretações expressas nos artigos do autor são de sua exclusiva responsabilidade e podem não expressar a posição institucional do Governo brasileiro ou de qualquer das instituições envolvidas no Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (Leplac).
Notas
[1] United Nations Convention on the Law of the Sea (UNCLOS), 1982. http://www.un.org/depts/los/convention_agreements/conventi on_overview_convention.htm.
[2] Na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o termo Estado refere-se a País. Tem conotação distinta daquela dos entes federados (Estados) que constituem a República Federativa do Brasil.
[3] Embora a Convenção registre apenas o termo plataforma continental, sem qualquer adjetivação, para distingui-lo do mesmo termo, na sua acepção geológica, costuma-se atribuir ao termo plataforma continental da Convenção as adjetivações “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal”.
[4] A Comissão de Limites da Plataforma Continental adotou, nas Scientific and Technical Guidelines (CLCS/11, 13 May 1999; http://www.un.org/depts/los/clcs_new/documents/Guidelines/CLCS_11.htm), a simbologia M para representar milha marítima ou milha náutica (1 M = 1.852 m).
[5] O Estado costeiro pode adotar linhas de base normal ou linhas de base reta. A linha de base normal é a linha de baixa-mar ao longo da costa, tal como indicada nas cartas marítimas de grande escala, reconhecidas oficialmente pelo Estado costeiro (CNUDM, Artigo 5). Nos locais em que a costa apresente recortes profundos e reentrâncias ou em que exista uma franja de ilhas ao longo da costa na sua proximidade imediata, o Estado costeiro pode adotar o método das linhas de base reta, unindo os pontos apropriados para traçar a linha de base a partir da qual se mede a largura do mar territorial (CNUDM, Artigo 7).
[6] Segundo a Convenção (Artigo 76 (4) (b)), “Salvo prova em contrário, o pé do talude continental deve ser determinado como o ponto de variação máxima do gradiente na sua base” (base do talude continental).
[7] A Margem Continental engloba as regiões geomorfológicas do assoalho oceânico identificadas como “plataforma”, “talude” e “sopé ou elevação” continentais. Não engloba os fundos oceânicos representados pela “planície abissal” (HEZZEN, THARP e EWING, 1959).
[8] e/d=1% equivale a dizer d=100e ou e=d/100.
[9] LEPLAC – Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira. Programa de Governo sob a coordenação da CIRM – Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, em Brasília-DF, esta coordenada pelo Comandante da Marinha, do Ministério da Defesa (MARINHA DO BRASIL, 2018).
[10] Linha que une pontos de iguais profundidades no fundo do mar.
[11] Margens passivas são margens continentais que não coincidem com um limite de placas tectônicas, pelo que não apresentam grande atividade sísmica (maremotos ou terremotos) ou vulcânica e podem ter expressiva sedimentação. Em contraposição, as margens ativas são aquelas que coincidem com limites de placas tectônicas, nas quais a atividade sísmica e vulcânica costuma ser muito intensa e a sedimentação pouco expressiva (por exemplo, a margem ativa do Chile).
Referências citadas e recomendadas
Al-Chalabi, M., 1979. Velocity determination from seismic reflection data. In: A. A. Fitch, 1979. Developments in Geophysical Exploration Methods-1, pp. 1-68, Applied Science Publishers Ltd., England.
CLCS, 1999. Scientific and Technical Guidelines (CLCS/11, 13 May 1999; http://www.un.org/depts/los/clcs_new/documents/Guidelines/CLCS_11.htm).
DIX, C. H, 1955. Seismic velocities from surface measurements. Tulsa-OK, Geophysics, V. 20, Nº 1, pp. 68-86.
DHN, 1985. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Versão em Língua Portuguesa com Anexos e Acta Final da Terceira Conferências das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Reprodução de publicações do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal). Rio de Janeiro-RJ, MB/DHN, 313p.
HEEZEN, B. C.; THARP, M. e EWING, M., 1959. The floors of the oceans. I – The North Atlantic. The Geological Society of America. Special Paper 65, 122pp.
IHO, 2014. A Manual on the Technical Aspects of the United Nations Convention on the Law of the Sea – 1982 (TALOS)”. Mônaco, International Hydrographic Organization (IHO), Special Publication Nº 51, Edition 5.0.0, 218 p. (http://www.iho.int/iho_pubs/draft_pubs/C-51_e5.0.0/Talos5.0.0_final_draft_PDF.pdf).
MARINHA DO BRASIL, 2018. Delegação brasileira se reúne na ONU para definição da Plataforma Continental na Margem Equatorial e Região Sul. Brasília-DF (27/03/2018). Publicado em: https://www.marinha.mil.br/noticias/delegacao-brasileira-se-reune-na-onu-para-definicao-da-plataforma-continental-na-margem
SOUZA, J. M., 1999. Mar Territorial, Zona Econômica Exclusiva ou Plataforma Continental? Rio de Janeiro-RJ, Revista Brasileira de Geofísica (RBGf), V.17, Nº1, pp 79-82.
SOUZA, J. M., 2014. The Legal or Extended Continental Shelf of Brazil and the Taxation of Oil and Gas. Rio de Janeiro-RJ, Petrobras/RH/UP, Revista Técnica da Universidade Petrobras (RTUP), V.1, Nº1 (Outubro), pp 60-69.
SOUZA, J. M., 2015. Plataforma Continental Brasileira. Histórico, extensão e aspectos jurídicos. Rio de Janeiro-RJ, Revista TN Petróleo Nº 101 (Maio-Junho), pp 101-105.
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SOUZA, J. M, 2018. A Plataforma Continental “Estendida, Externa, Jurídica ou Legal” do Brasil. Rio de Janeiro-RJ, E&P Brasil (27/02/2018). Publicado em: http://eixos.com.br/a-plataforma-continental-estendida-externa-juridica-ou-legal-do-brasil/
SOUZA, J. M. e ALBUQUERQUE, A. T. M., 1996. Até onde vai a soberania do Brasil no Mar? Rio de Janeiro-RJ, Revista Ciência Hoje, V.20, Nº 119 (Abril), pp 66-68.
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