BRASÍLIA – Um mapeamento do governo para avaliar o segmento de combustível de aviação chegou a conclusão que o mercado de QAV tem entraves tanto no refino, importação como em toda a cadeia de distribuição do setor.
O tema deve ser enfrentando em breve no Cade, que formou uma maioria interna pelo arquivamento de uma investigação sobre eventuais práticas concorrências.
Em outra frente, o governo federal prepara uma agenda, por meio das agências reguladoras, para mudar as regras do setor.
A leitura é que, mesmo com o regime de liberdade dos preços para o combustível desde 2002, a concentração de mercado nessas etapas tiram a oportunidade de uma queda do preço pela competição.
De acordo com dados da ANP de 2020 (antes da pandemia), três distribuidoras têm um total de 99,8% do mercado de QAV brasileiro. São elas a BR Distribuidora (agora Vibra Energia), Raízen e a Air bp, que tem uma joint venture a distribuidora regional Petrobahia.
As concorrentes Gran Petro e Sol Aviation, que entrou mais recentemente no mercado paulista, ocupam o restante.
É um número total que não sofre grande variação desde o início de 2010, quando BR, Shell e Air bp tinham 100% do mercado.
Entre as distribuidoras, há uma avaliação de que o problema não é a concentração de mercado, já que há concorrência, e sim a falta de investimento necessário no setor por novos players, bem como o monopólio da Petrobras na cadeia de refino e importação.
“O mercado de querosene de aviação tem oportunidades reais em andamento quando debatemos a questão do preço do produto”, , como o desinvestimento das refinarias da Petrobras, hoje fornecedora única e com produção insuficiente para atender a demanda nacional e os leilões portuários, que devem atrair mais investimentos no segmento, impulsionando a modernização e aumento de capacidade”, diz a Raízen.
Há uma análise também da possibilidade de que a carga tributária responde por cerca de 25% a 35% do preço do QAV.
É uma característica não apenas do setor de aviação, mas de combustíveis como um todo.
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Pool de combustíveis é infraestrutura essencial?
Dos aeroportos brasileiros, dois deles – Galeão e Guarulhos – são abastecidos pela produção de refinarias locais interligadas por dutos dedicados da Transpetro, o que torna qualquer transporte rodoviário ou por cabotagem do produto mais caro em comparação ao modal feito atualmente.
Empresas terceiras, segundo a análise do governo, têm relatado dificuldades de acesso às infraestruturas de armazenamento nos Parques de Abastecimento de Aviação, compostas por redes de hidrantes e dutos de distribuição.
A possibilidade de o abastecimento se dar por Caminhão Tanque Abastecedor (CTA) ou a construção de uma nova infraestrutura de armazenamento foi vista por participantes do setor privado como economicamente não viável.
Há uma divergência, ainda, sobre o que é considerado infraestrutura essencial e como seria feita a remuneração para entrada de novos atores entre as distribuidoras que detém hoje o mercado e outras interessadas em entrar no segmento.
Quando a Air bp começou a participar do setor brasileiro de combustível de aviação em 2010, a empresa apontou para a ANAC uma desvantagem quanto aos outros competidores por não possuir acesso às infraestruturas necessárias para o abastecimento de aeronaves em igual condição.
A importância no acesso do sistema de hidrantes em aeroportos relevantes seria ainda maior pelo monopólio na cadeia do fornecimento do combustível, o que poderia ser decisivo para a capacidade de suprir as demandas, segundo a empresa.
Disputas judiciais
O caso é mais emblemático em Guarulhos (SP), o principal aeroporto abastecido por dutos no país, com duas disputas judiciais em âmbito federal e estadual, bem como o processo no Cade desde 2014 para avaliação de possíveis práticas anticoncorrenciais e de abuso de posição dominante.
As três distribuidoras compartilham a infraestrutura de armazenagem do aeroporto a partir de um contrato firmado com a concessionária válido até 2032.
Por entender que a concessionária GRU Airport estaria dificultando o acesso de terceiras empresas ao deixar a encargo das distribuidoras a avaliação de novos entrantes, a ANAC determinou no início de 2021 o acesso em até 60 dias de interessados em explorar a distribuição de combustíveis e o compartilhamento da rede de hidrantes.
Estipulou, ainda, multa de R$ 3,48 milhões pela penalidade em dificultar o acesso de novos interessados. Segundo a diretoria colegiada, a obrigatoriedade do livre acesso consta não apenas na regulação da agência para o setor, mas também na cláusula do contrato de concessão do aeroporto.
A decisão está suspensa desde março pelo TRF da 1ª Região, após questionamento da Raízen.
O desembargador entendeu que não houve análise sobre o nível de excelência da empresa entrante, bem como uma ausência de regulação específica sobre o tema. Em sua decisão, ele aponta o item na Agenda Regulatória da ANAC como justificativa para interpretar que não há, ainda, regulação que permita a determinação do acesso à infraestrutura.
A Gran Petro, empresa que tenta entrar em Guarulhos desde 2014, argumentou perante a agência que há demandas circulares para impedir sua entrada na infraestrutura de abastecimento aeroportuário e que não teve acesso aos valores de ativos não amortizados para que pudesse ser calculada sua cota de participação.
Por outro lado, as distribuidoras exigem um nível de segurança de operação que a Gran Petro não tem. É o padrão internacional JIG (Joint Inspection Group), desenvolvido para fornecimento de combustível de aviação. De acordo com a própria organização inglesa, cerca de 45% do suprimento de combustível de aviação no mundo é feito por empresas que seguem o padrão JIG.
As empresas do ‘pool’ de distribuição de Guarulhos também argumentaram perante a ANAC que existe a possibilidade de operar em aeroportos como Guarulhos a partir de CTAs e que a rede de hidrantes e tancagem não é essencial para o desempenho do segmento de distribuição.
Recentemente, a concessionária do aeroporto de Guarulhos autorizou a entrada da Rede Sol, que passará a abastecer parte das aeronaves a partir de caminhões tanques e ocupará uma área distante da que hoje é utilizada pelas distribuidoras.
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Petrobras deve manter cerca de 70% do refino de QAV
Outro fator apontado como barreira para diversificação do mercado de combustível de aviação e uma possível redução no preço é a atuação ainda monopolista da Petrobras no segmento de refino e transporte do QAV brasileiro.
Nesse caso, o processo de desinvestimento da Petrobras que começou após a assinatura de Termo de Cessão de Conduta (TCC) com o Cade tem suas limitações no mercado de combustível de aviação.
Isso porque a empresa não irá abrir mão dos ativos que são responsáveis pela maior parte do refino do QAV no Brasil e deve manter aproximadamente um parque responsável por 70% do refino do combustível nos últimos nove anos.
São ativos ligados por dutos com os estados responsáveis por cerca de 60% da demanda brasileiro do combustível.
Há pelo menos nove refinarias da Petrobras produzem QAV, mas 81,3% da produção de 2010 a 2019 foi feita na Refinaria Henrique Lage (Revap), Refinaria Duque de Caxias (Reduc), Refinaria de Paulínia (Replan) e na Refinaria Gabriel Passos (Regap).
Dessas, apenas a Regap, responsável pela produção de 10,4% do mesmo período, será vendida e não se encontra conectada por meio de dutos ao Rio de Janeiro e São Paulo. A refinaria abastece principalmente os aeroportos de Belo Horizonte e Brasília.
As outras cinco refinarias que estão no processo de desinvestimento da Petrobras e que também produzem o combustível de aviação – RLAM, RPCC, Repar, Refap e Reman – representam apenas 18,5% do total produzido nos últimos anos, segundo dados da ANP.
O Cade prorrogou o calendário de venda das unidades, mas determinou que o prazo final para conclusão e efetivação das vendas permaneça o mesmo, fixado em 31 de dezembro de 2021.
A alienação da Regap, ativo com maior potencial para refino de QAV do quadro de desinvestimento da empresa, deve ser concluída até 30 de outubro, segundo o acordo.
Por questões de segurança, a estatal também impõe condições para acesso de novos agentes tanto na refinaria quanto nos dutos de transporte do combustível.
Não é possível fazer o transporte do QAV refinado pela Petrobras por caminhões. Os terminais terrestres e bases primárias de distribuição, localizadas próxima às refinarias, também não permitem o carregamento pelo transporte rodoviário.
Acesso compartilhado às bases
A regulação dá liberdade para que companhias operem bases de distribuição de combustíveis nesses casos, seja pelo compartilhamento, cedimento de espaço ou negativa de acesso.
Para conseguir acessar a refinaria, a distribuidora precisa construir uma nova base primária de distribuição, o que, na visão de alguns, não é financeiramente viável.
O investimento é alto e, mesmo assim, a empresa terá de competir com o segmento de transporte feito por dutos da Petrobras, que move um volume maior de combustível em ativos já amortizados.
A empresa argumenta que há minimização de riscos operacionais ao limitar o carregamento das refinarias através do sistema dutoviário. O transporte rodoviário, por sua vez, pode comprometer a qualidade do combustível, segundo a empresa.
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É tido como uma escolha empresarial.
De acordo com a ANP, não há impedimento técnico, do ponto de vista de qualidade, para justificar a proibição do transporte por caminhões do QAV.
O acesso aos dutos de transporte para os principais aeroportos é muitas vezes impossibilitado por falta de ociosidade declarada pela própria Transpetro.
A regulamentação para os dutos de transporte atualmente prevê que o proprietário tem garantia de preferência, mas sujeita a reavaliações periódicas após dez anos. Agentes do setor privado pedem que, na revisão da regulação sobre o assunto, seja incluído limitação do direito de preferência para abrir espaço a novos players.
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Acesso nos portos mira gargalos para importação
A ANP estuda a eventual inclusão de cláusulas de participação nos leilões portuários em determinadas situações para evitar o fechamento do mercado.
Para o secretário de Portos do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, o caminho não é o ideal para garantir competitividade no setor.
“Nossa linha de solução é via choque de oferta. Acreditamos em solução de mercado e temos feito nossa parte. A gente não gosta muito do cenário de cercear o direito de propriedade, é outra linha”, explicou.
Ele ressalta que a pasta tem dado prioridade ao setor de granéis líquidos – especialmente combustíveis -, considerado pelo secretário como um grande cliente do setor portuário, mas admite que o cenário para o QAV é mais desafiador por ter menor escala.
Nos últimos dois anos, o Ministério da Infraestrutura tem apostado em maior número de licitações de portos públicos e autorizações de terminais de uso privado (TUPs) para atrair mais investimentos.
Dos 42 portos arrendados desde 2013 até hoje, mais da metade foi para terminais de granéis líquidos, segundo Piloni.
Outra aposta da pasta é a remodelação de contratos em vencimento – os chamados brownfields – e a partição em maior número de terminais, com limite na licitação para incentivar novos agentes.
“Um exemplo emblemático é o caso de Santos. A operação da Alemoa em que a gente tem ainda uma grande operação da Transpetro, com 450 mil m². A gente vai particionar em dois terminais, estamos em via de publicar o edital. Um operador não poderá ser o vencedor das duas áreas, ao menos que seja o único interessado – o que é um cenário muito improvável”, disse.
Além de Santos e Miramar, onde também foi particionado uma área para entrada de mais um terminal, regras diferenciadas para ampliar o número de players também esteve presente na licitação de quatro terminais de Itaqui, no Maranhão. Nesse caso, houve limitação em 40% da participação do mercado máximo no complexo portuário.
De acordo com o secretário, dos 160 contratos contratos para granéis líquidos atualmente no Brasil, a Petrobras detém 24, entre TUPs e portos públicos. A BR está presente em outras seis áreas através de consórcios com a Raízen e a Ipiranga.
>> Governo prepara nova tentativa de abertura do mercado de QAV <<
QAV importado é 99% da Petrobras
Apesar do esforço concentrado nos últimos anos do governo para tornar o mercado de granéis líquidos mais competitivos nos portos, a Petrobras ainda é responsável por 99,4% da importação do QAV no Brasil, de acordo com dados da ANP de 2018.
A empresa tem o principal domínio das importações do Porto de Suape, em Pernambuco, que foi o canal de entrada de 79,8% da importação de janeiro a junho de 2019, segundo dados da Comex.
Para o mesmo período, houve queda na importação pelo Porto de Santos e um aumento da participação do Porto de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, que é interligado ao Aeroporto de Guarulhos.
Outras empresas atuam na operação em Suape com operadores logísticos não verticalizados, ou seja, que não detém atividades de transporte ou distribuição do combustível. É o caso da Decal, Pandenor, Temape e Catallini.
O terminal da Decal permite, inclusive, o escoamento do QAV por carregamento rodoviário, mas ainda não consegue fazer frente à atuação da Petrobras no volume.
O acesso aos terminais aquaviários também são considerados importantes e enfrentam barreiras semelhantes na etapa de refino e transporte.
A Petrobras, como proprietária da infraestrutura estratégica nos elos da cadeia, não leva em consideração a possibilidade de outros agentes responderem por parcela da demanda, segundo o mapeamento.
O livre acesso aos terminais e aos dutos conectados a eles por terceiros, que existe na regulamentação, não são válidos na prática pela falta de ociosidade nas instalações.
O documento do governo que mapeou o setor de combustível de aviação aponta que, nos portos, as principais restrições são de nível estrutural, com restrição de calado para navios de maior porte, tanques de armazenagem e dutos de transporte.
Seriam necessários, portanto, investimentos na infraestrutura para expansão e modernização de instalações dedicadas ao QAV.
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