RIO — A adoção de mecanismos para redução da demanda de energia poderia ter reduzido os gastos para lidar com as crises do setor elétrico em 2013 e 2021, além de ter evitado emissões com o acionamento de usinas termelétricas, aponta um estudo do Instituto E+.
A conclusão é de que uma redução de 5,3% no consumo teria evitado gastos de cerca de US$ 17,2 bilhões na crise de 2013. Em 2021, uma demanda 3,9% menor poderia ter economizado US$ 4,9 bilhões.
O instituto defende que o Brasil pode lidar com futuras crises com menos impactos econômicos e ambientais se adotar programas como a resposta da demanda, que visam reduzir e alterar o pico do consumo. Para especialistas, soluções desse tipo têm sido evitadas pelo custo político de pedir aos consumidores que colaborem economizando energia.
O estudo compara os custos e impactos das últimas grandes crises de oferta enfrentadas pelo setor elétrico brasileiro, em 2001, 2013 e 2021, quando o país recorreu sobretudo a usinas termelétricas flexíveis para garantir o suprimento de energia e potência. Apenas na primeira crise houve uma campanha mais ampla para estimular todos os consumidores, inclusive residenciais, a reduzir o consumo.
Em 2001, o estresse durou nove meses e teve custo estimado em US$ 5,17 bilhões, já em 2013 foram 42 meses que demandaram US$ 33,7 bilhões e em 2021 o cenário crítico durou 16 meses com custo de US$ 17,32 bilhões. A maior parte dos valores foi direcionada para o acionamento de térmicas.
O caso mais custoso é o de 2013, quando US$ 30 bilhões do custo total da crise foram direcionados para a geração térmica. O instituto estima que uma redução no consumo de 15% naquele momento poderia ter eliminado a necessidade de acionamento das termelétricas flexíveis.
Como comparação, essa diminuição na demanda seria menor do que a da crise de 2001, quando houve campanhas para incentivar todos os consumidores a reduzir o consumo.
Incentivo para deslocar demanda
Já em 2021, o governo chegou a adotar o pagamento de um incentivo para deslocar o consumo nos horários de pico, num programa de resposta à demanda. Entretanto, a solução foi restrita a grandes consumidores e considerada tímida, tardia e insuficiente, segundo o consultor Paulo Born, que é um dos autores do estudo.
Naquela época, uma queda de 2% na demanda teria evitado a realização do procedimento competitivo simplificado (PCS), que demandou US$ 7,8 bilhões e levou a judicializações, com a maior parte dos projetos sequer chegando a operar.
O ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana afirma que as reduções na demanda da ordem de 5% têm pouco impacto na economia. Seria suficiente que um consumidor residencial ligasse apenas duas lâmpadas no lugar de cinco ou cortasse pela metade o tempo de um banho de 20 minutos, por exemplo.
A conselheira do Cigre-Brasil, Solange David, aponta que é importante sobretudo que a precificação de eventuais estímulos para reduzir a demanda reflita as condições de mercado.
“Não se trata de penalidade, mas de cobrar e sinalizar ao consumidor que ele vai pagar e ter um custo real por essa energia nos momentos mais críticos, inclusive premiando aqueles que têm um comportamento de consumo mais inteligente, respondendo às condições do sistema”, disse durante o lançamento do estudo em um webinar na quinta-feira (6/6).
Emissões disparam nas crises
Para o consultor Luiz Maurer, que também é um dos autores do estudo, uma variável importante do gerenciamento de crises de agora em diante vai ser a emissão de carbono. Ele ressalta que o modo como o país lida com os momentos de estresse no suprimento contrastam com a ambição brasileira de se tornar um gigante global no tema da geração renovável.
“Durante as crises, as emissões disparam”, ressalta Maurer.
Segundo o especialista, o cenário pode afetar inclusive as ambições do país de se tornar exportador de hidrogênio verde e de usar esse combustível renovável para descarbonizar a indústria. O estudo aponta que, desde 2012, as emissões no setor elétrico brasileiras passaram 80% do tempo em volumes superiores aos considerados no padrão europeu para a classificação do hidrogênio como renovável.
“Com esse grau de sujeira na nossa rede, essa dependência [das térmicas] pode levar ao caso de não conseguirmos certificação adequada para nossos produtos em mercados mais sofisticados”, acrescenta o consultor.
O presidente da Frente Nacional dos Consumidores, Luiz Barata, avalia que o país se habituou a resolver os problemas do setor elétrico com geração termelétrica, mas o programa de redução da demanda de 2021 mostrou que os consumidores reagem bem a campanhas para diminuição do uso de energia, sobretudo se tiverem algum bônus em troca.
“Se continuarmos caminhando no sentido de instalar mais térmicas inflexíveis, prorrogar prazos para a saída do carvão [da matriz], nós vamos sujar a matriz, ainda que não ao longo de todos os dias, mas em determinadas horas, e isso pode fazer com que o nosso hidrogênio verde se torne azul ou cinza”, observa.