RECIFE — O cânion do São Francisco receberá a primeira cooperativa de créditos de carbono. Na última semana, pequenos produtores rurais, lideranças locais e especialistas de áreas diversas que atuam na divisa dos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco lançaram uma associação para levantar o estoque de carbono das áreas preservadas e construir um modelo de gestão dos créditos.
O objetivo da Associação de Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga é criar um novo modelo econômico que consiga melhorar a renda da comunidade local, reduzindo a pobreza na região e regenerando o bioma.
A base é a economia regenerativa – criar cadeias produtivas que recomponham o ambiente natural enquanto promovem um sistema de proteção não só para o bioma, mas para as pessoas que dependem dele.
A ação faz parte do Laboratório de Economia Regenerativa do São Francisco, resultado do trabalho do Centro Brasil no Clima (CBC) em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (iCS), que prevê o desenvolvimento de soluções econômicas adaptadas ao contexto da Caatinga para a recuperação desse bioma.
A ideia da cooperativa surgiu há cerca de quatro anos, com moradores, ambientalistas e estudiosos do clima buscando meios para preservar o bioma.
“Estamos trabalhando no Nordeste, especialmente na Caatinga, porque entendemos que há uma grande e rápida degradação, além da pobreza. Com os problemas de desertificação e com o aquecimento global isso vai piorar”, comenta Sérgio Xavier, representante do CBC e ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, no governo de Eduardo Campos.
A consultoria McKinsey estima que a demanda no mercado voluntário de carbono pode multiplicar 15 vezes até 2030 e 100 vezes até 2050, um mercado que pode valer US$ 50 bilhões até 2030 e injetar recursos em países que abrigam grandes áreas de vegetação nativa.
O Brasil, por exemplo, abriga 20% do potencial global de geração de créditos a partir de soluções baseadas na natureza. A questão é que a maior parte dos projetos se concentra na Amazônia.
“A Caatinga é um bioma esquecido no Brasil. As pessoas falam muito da Amazônia, principalmente o olhar internacional, mas o país tem vários biomas fundamentais e na Caatinga moram 28 milhões de pessoas. Entendemos que um dos eixos para criar uma nova possibilidade para a região seria trabalhar ações conectadas ao mercado de carbono”, explica Xavier.
Haroldo de Almeida, ambientalista e presidente da cooperativa, conta que a estratégia da cooperativa é unir as áreas preservadas pelos produtores locais para facilitar o processo de comercialização dos créditos.
“Eu já tinha estudado o mercado de carbono em Pernambuco e tentamos colocar isso como possibilidade. Contudo, naquela época, as entidades que compravam créditos de carbono só queriam grandes áreas e o foco era voltado para a Amazônia. Não havia interesse na Caatinga, principalmente porque nós não tínhamos extensas áreas de preservação”.
Segundo Almeida, a associação está aberta para incluir grandes e pequenos produtores, assentamentos e outros movimentos, como o dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“A maioria das pessoas que estão participando, inclusive, possuem menos de dez hectares de vegetação nativa. Essas pessoas vão receber – de forma proporcional ao que estão ofertando – e também recebem assessoria técnica orientando em diversos aspectos”, completa.
Ao todo, são cerca de cem pessoas envolvidas.
“Isso faz com que o nosso projeto seja único no mundo. Primeiro porque a Caatinga só existe no Brasil e uma cooperativa específica para falar sobre o crédito de carbono e sobre esse bioma é um projeto pioneiro”, afirma Haroldo.
A instalação de painéis solares como alternativa para os cooperados também está nos planos do grupo.
“Se a gente não mexer na economia, nos modelos de energia, a gente não consegue reverter esse processo. Esse projeto agrega também uma rede de energia solar, mas ainda estamos estudando como criar uma rede de produção descentralizada de energia solar onde os cooperados usam uma parte para si e outra pode ser usada para ações da cooperativa gerando renda também para os participantes”, diz Xavier.
Bioma em alerta
Nas últimas três décadas, a bacia do São Francisco vem lutando contra uma crise hídrica acentuada. De acordo com um relatório divulgado pelo MapBiomas, a região perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020.
A iniciativa mapeou como quatro grandes reservatórios apresentam tendência de queda na superfície de água nos últimos 35 anos. A maior delas foi registrada na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre Pernambuco e Bahia, seguida por Sobradinho, Três Marias e Xingó.
“Recentemente a redução da vazão média do São Francisco chegou a valores abaixo de mil metros cúbicos (m³) por segundo, ou seja, quatro vezes menos do que em 1950. Há alguns anos Sobradinho secou, por conta exatamente dessa perda contínua de água. Houve uma perda de sete milhões de áreas verdes no entorno da bacia do São Francisco. Isso reduz muito a captação de água, aumenta assoreamento, evaporação acarreta na diminuição de água. Esses indicadores, por si só, demonstram que o rio está perdendo água e a sua condição de equilíbrio”, relata Xavier.
A Bacia do São Francisco é a terceira maior do país e corresponde a cerca de 8% do território nacional.
Ainda de acordo com o relatório, mesmo que haja grandes variações entre os anos, a tendência de queda na superfície da água é clara e soma-se às análises anteriores, inclusive do Governo Federal. Estudo feito em 2013 pela extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até 2040, com base no registro de 2005.
“As águas do São Francisco estão baixando a cada ano. O rio com menos água perde força e o mar avança. As pessoas que vivem próximas não podem consumir a água porque está salinizada. É um conjunto de problemas sociais e econômicos por conta dessa degradação ambiental”, alerta.
Para Xavier, sem a implantação do plano de revitalização do São Francisco, prometido na época da transposição, o país caminha para uma tragédia hídrica, já que o rio abastece vários estados.
“Estamos apresentando essas experiências aos governadores da região para que eles façam programas que apoiem essas iniciativas. Trabalhar na Caatinga exige muito apoio porque não é um lugar fácil e a economia é muito frágil, portanto tem que existir políticas públicas”.
Modelo para ações internacionais
A cooperativa quer servir de modelo para o mercado internacional. A associação já procura solidificar o projeto para discuti-lo no primeiro evento climático mundial: a COP27, que ocorre no Egito, em novembro.
A expectativa é que o encontro tenha na programação debates sobre extremos climáticos, onde o Brasil foi protagonista de diversas tragédias causadas pelas chuvas, por exemplo.
“Nossa ideia é apresentar o projeto mais estruturado na conferência do clima no Egito (COP27) porque esse modelo pode servir para outros países. O semiárido na África tem os mesmos problemas que temos aqui no Nordeste brasileiro”, diz Xavier.