Glasgow – A presidência da 26ª Conferência das Partes (COP26) publicou no último fim de semana um rascunho (.pdf) com itens que potencialmente deverão ser incluídos no acordo final da conferência.
O documento, chamado de non-paper por possuir somente itens isolados, lista os tópicos mais prováveis de criar consenso durante o processo de elaboração do documento final a ser gerado ao longo desta segunda semana de negociações.
Tópicos mais controversos, demandados pela sociedade civil, como a imposição de limites para o uso de combustíveis fósseis ou metas para que sejam completamente abandonados, não foram sequer citados no documento.
O assunto ganhou especial atenção nesta segunda (8), quando a ONG internacional de direitos humanos Global Witness publicou relatório denunciando que lobistas do setor de combustíveis fósseis inundaram a COP26. De acordo com o estudo, ao menos 503 representantes do setor de óleo e gás estão presentes na conferência — grupo maior do que qualquer delegação de países.
O mercado de carbono também não é diretamente citado, apesar de haver diretas referências a financiamento, inclusive expressando “profunda preocupação” com o fato de a meta de levantar US100 bilhões anuais para países em desenvolvimento não ter sido atingida até o momento.
Outro tópico que especialistas sentiram falta no documento é uma data para a eliminação do chamado gap de ambição, isto é, a lacuna nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) para limitar o aquecimento do planeta a 1,5 °C até o final do século.
Os debates sobre os documentos finais estão sendo conduzidos por ministros de Estado, que começaram a chegar nesta segunda. Representando o Brasil, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Álvaro Pereira Leite, estava previsto para chegar na noite de hoje.
Enquanto alguns tópicos a serem decididos ao longo da semana são vistos como mais técnicos, parte das decisões têm forte natureza política, na avaliação do presidente da COP26, Alok Sharma.
“Alguns desses elementos são técnicos, mas há questões que também são políticas. Penso que a transparência no Artigo 6º exigirá a construção de um consenso político entre os ministros,” disse Sharma em coletiva de imprensa.
Archie Young, negociador líder do Reino Unido, disse que esta COP tem de fato muitos detalhes técnicos a serem decididos, mas que estes dependem também de discussões políticas.
Acordo para interromper financiamento aos fósseis
Na semana passada, um grupo de 25 países, incluindo Itália, Canadá, Estados Unidos e Dinamarca, juntamente com instituições financeiras públicas, assinaram uma declaração conjunta liderada pelo Reino Unido se comprometendo a encerrar o apoio público internacional para combustíveis fósseis até o final de 2022.
A prioridade deve ser o apoio à transição para energia limpa.
Potencialmente, pode deslocar para a transição com energia limpa cerca de US$ 17,8 bilhões por ano em apoio público que antes iria para os fósseis.
A declaração reúne os chamados campeões do clima, incluindo a maior economia do mundo, os EUA:
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OCDE: Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia, Portugal, Eslovênia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos.
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Fora da OCDE: Etiópia, Fiji, Mali, Ilhas Marshall, Moldávia, Sudão do Sul, Gâmbia, Zâmbia.
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Instituições financeiras públicas: Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG, Brasil), Banco de Desenvolvimento da África Oriental (EADB), Banco Europeu de Investimento (EIB), Financierings-Maatschappij voor Ontwikkelingslanden NV (FMO) e Agence Française de Développement (AFD).
Na mesma semana, a coalizão OPEP+ decidiu manter a trajetória de aumento da produção de óleo, frustrando a demanda de países consumidores, especialmente dos EUA, que cobram, especialmente da Arábia Saudita, um aumento da oferta para conter a inflação global.
O recado da Arábia Saudita é que a indústria de óleo está sendo golpeada e precisa de sinais claros para planejar investimentos futuros. E mais: a culpa não é do óleo, mas do gás natural — recado para os países europeus que enfrentam um choque de oferta e demanda.
A Casa Branca de Joe Biden, eleito com a promessa de acelerar a descarbonização da economia dos EUA, diz que a OPEP está “ameaçando” a recuperação da economia global pós-pandemia ao se recusar a entregar mais óleo ao mercado internacional. Os preços do Brent subiram quase 60% este ano.
Sentença de morte para os combustíveis fósseis
Em agosto, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) lançou um alerta dramático sobre as ambições firmadas por governos no Acordo de Paris por meio de suas NDCs.
Dos cinco cenários simulados pelos cientistas, três são classificados como catastróficos e apenas um traz uma janela de possibilidades para manutenção da vida no planeta como conhecemos.
A mensagem foi clara: “Deve soar como uma sentença de morte para os combustíveis fósseis”, declarou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas à época.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), há um caminho viável para alcançar a meta, mas ele é estreito e requer uma transformação sem precedentes na produção, transporte e uso da energia.
No documento Net Zero by 2050, a agência apresenta um roteiro com mais de 400 marcos para orientar os países rumo às emissões líquidas zero até 2050 – entre eles, interromper o desenvolvimento de novas reservas de óleo e gás.