Energia

Primeiro azul, depois verde: a estratégia do Porto de Roterdã para o hidrogênio

Em entrevista, Randolf Weterings, especialista em hidrogênio e responsável por novos negócios do principal porto europeu, conta a estratégia para descarbonizar operações

Primeiro azul, depois verde: conheça a estratégia do Porto de Roterdã para o hidrogênio, segundo Randolf Weterings [na imagem], especialista em hidrogênio e responsável por novos negócios do Porto de Roterdã (Foto: Divulgação)
Randolf Weterings é especialista em hidrogênio e responsável por novos negócios do Porto de Roterdã (Foto: Divulgação)

RIO — Maior porta de entrada de combustíveis da Europa, respondendo por 13% da demanda energética europeia, o Porto de Roterdã, nos Países Baixos, pretende descarbonizar totalmente suas operações, tendo o hidrogênio de baixo carbono como peça fundamental.

Randolf Weterings, especialista em hidrogênio e responsável por novos negócios do Porto de Roterdã, conta, em entrevista à agência epbr, a estratégia para descarbonizar as operações portuárias e impulsionar a economia do hidrogênio.

Para o executivo, tanto a rota da eletrólise com energia renovável (verde), quanto a que utiliza gás fóssil com captura de carbono (azul) vão desempenhar um papel importante na transição.

“Caso contrário, não poderemos atingir as metas de emissões zero”, afirma Weterings.

Quanto ao dilema entre hidrogênio azul e verde, o especialista enfatiza a necessidade de uma abordagem pragmática, em que a utilização do hidrogênio azul permite avançar mais rapidamente, mas tendo o verde como o preferido a longo prazo.

“Neste momento, com o hidrogênio azul, podemos ir muito mais rápido do que diretamente com o verde. Porque com o verde é preciso instalar novos parques eólicos, aumentar a capacidade do eletrolisador, os fabricantes têm que ampliar as suas fábricas etc.”.

“Ao mesmo tempo, também será necessário produzir hidrogênio verde o mais rápido possível. Se nos concentrarmos realmente no longo prazo, em 2050, o hidrogênio verde é o preferível”, completa.

Segundo Weterings, haverá um queda no uso do hidrogênio azul, com o aumento de disponibilidade do verde, mas ainda não é possível dizer que um será totalmente substituído pelo outro.

“Em nossa visão, primeiro você vê o azul subindo e depois o azul descendo. Temos que ver se podemos fazer isso completamente sem o hidrogênio azul. Ainda não sabemos isso”

Hoje, no porto, é produzido meio milhão de toneladas de hidrogênio cinza, a partir de gás natural sem captura de carbono.

“Um dos primeiros passos é descarbonizar isso através da captura e armazenamento de carbono (CCS). E começarmos também a implementar diretamente outros projetos de hidrogênio azul e verde”.

Projetos já estão em andamento

Com uma demanda energética significativa, o porto está focado em explorar oportunidades não apenas para descarbonizar suas próprias operações, mas também a de outros setores.

“Não se trata mais apenas de projetos [no papel]. Estamos realmente implementando e os projetos estão em construção”, pontua Weterings.

Um deles é o Porthos, uma infraestrutura para CCS que visa descarbonizar a produção de hidrogênio cinza e outras operações no porto que utilizam carvão, óleo ou gás.

Espera-se que cerca de 37 milhões de toneladas de CO2 sejam transportadas de indústrias e armazenadas em campos de gás despertados no Mar do Norte.

Além disso, o Porto de Roterdã está implementando um gasoduto de hidrogênio de acesso aberto, permitindo a conexão de diversos fornecedores e usuários, o HyTransPort.RTM.

“É a primeira parte da espinha dorsal do hidrogênio holandesa, e talvez seja a primeira parte da espinha dorsal do hidrogênio europeu. Portanto, é um projeto interessante e único, porque realmente inicia um desenvolvimento muito mais amplo em toda a Europa”.

Outro projeto em construção é uma planta da Shell para produção de hidrogênio verde com capacidade de 200 MW, a Holland Hydrogen 1. A eletricidade virá de parques eólicos no mar.

“Também está em construção um terminal para importação extra de hidrogênio por meio de amônia verde. Temos um total de nove terminais que anunciaram planos de importação de hidrogênio”.

Porto de Pecém

A estratégia não se limita à Europa. O Porto do Pecém, no Ceará, foi destacado como uma localização estratégica para a produção de hidrogênio verde e exportação de amônia verde.

Roterdã possui 30% do controle acionário do porto cearense e a meta de que 25% de todo o hidrogênio verde, que chegar à Europa por meio das suas operações, seja oriundo do Pecém, que lidera em número de projetos para produção de hidrogênio verde no Brasil.

“O Porto do Pecém no Brasil tem uma posição única no mundo, onde você pode produzir muito hidrogênio verde. Se você focar na precificação, o Brasil tem as condições ótimas para produzir o hidrogênio verde mais barato”.

Entretanto, agentes que estão atuando no Brasil avaliam que os desafios persistem, desde questões regulatórias até questões de financiamento e logística. Das dezenas de memorandos de entendimento (MoU) para projetos de hidrogênio verde no Pecém, nenhum recebeu a decisão final de investimento (FID, na sigla em inglês).

Apenas quatro empresas possuem um pré-contrato com o porto cearense, e já pagam uma espécie de aluguel para reserva da área desejada. São elas a Cactus Energia, Fortescue, AES Brasil e Casa dos Ventos.

Na avaliação do executivo de Roterdã, os projetos seguem um cronograma adequado.

“Você começa com o MoU e leva algum tempo em direção ao FID, porque há grandes planos. São bilhões de investimentos que você precisa organizar. Então, com certeza, levará algum tempo do MoU ao FID. Mas o que vejo, no momento, é que todas as etapas necessárias estão ocorrendo no Brasil. Está avançando”.

Apoio do governo é necessário

Segundo ele, é essencial um empurrão dos governos em inventivos capazes de reduzir os riscos dos projetos.

“Se você mudar para o hidrogênio verde, sempre haverá um risco extra em comparação com o cinza. Significa que as empresas em toda a cadeia de valor têm de correr mais riscos do que antes. Especialmente no começo, eles precisam de algum apoio governamental”, diz

Ele avalia que a ajuda do governo no início é importante para reduzir o preço do energético e da tecnologia.

“Cada mitigação de risco que você tomar, você verá diretamente com muita força no preço do hidrogênio. Essa é uma das coisas que considero neste momento muito benéfica para essas empresas, a fim de adotar FIDs mais rapidamente”.

A garantia de demanda, na avaliação de Weterings, é uma forma de reduzir riscos do investimento e melhorar o acesso ao financiamento. Ele cita o exemplo do projeto da Shell, que pretende utilizar o hidrogênio limpo na sua própria refinaria.

“Você sabe que o hidrogênio cinza é muito mais barato que o hidrogênio verde e corre o risco de que ele seja visto como um prêmio no final, porque estamos descarbonizando e reduzindo as emissões de CO2”, explica.

“E o governo também participou desse risco. Então, existe um risco e parte é assumida pelo governo, parte é assumida pela própria empresa. Se for possível eliminar parte desse risco, acho que isso é muito útil para os bancos”, completa.