RIO – A 5ª Revisão Tarifária das distribuidoras de gás canalizado de São Paulo deve começar, de fato, a partir de abril, mas as primeiras discussões sobre o processo já vêm opondo as concessionárias e o setor industrial.
A decisão da Arsesp de rever o WACC (o custo médio ponderado de capital) das distribuidoras locais desagradou os grandes consumidores de gás, que pedem à agência reguladora de São Paulo que ela volte atrás de sua proposta de mudar as regras atuais.
Entenda: A tarifa do gás canalizado é composta pela parcela que remunera a distribuidora (margem), custos de aquisição do gás, transporte e impostos. O WACC é usado como taxa de remuneração do capital no cálculo da margem máxima das distribuidoras – e, por consequência, influencia na tarifa para o consumidor final.
Entidades como a Abiquim (indústria química), Abrace (grandes consumidores), Anfacer (indústria cerâmica) e Abividro (indústria de vidros) alegam que as mudanças propostas na metodologia do WACC distorcem o atual modelo da concessão de gás em São Paulo e, na prática, poderão aumentar a taxa de remuneração da Comgás – revertendo, assim, a expectativa de queda do indicador na próxima revisão tarifária.
Se os atuais critérios de cálculo do WACC fossem mantidos e apenas atualizados, a Comgás teria sua taxa de remuneração reduzida em mais de 2 pontos percentuais, de 8,27% para 5,82%, segundo a própria Arsesp. No caso das demais concessionárias do estado, a queda seria de 9,11% (Necta) e 9,03% (Naturgy) para 6,48%.
A revisão da metodologia do WACC é um dos primeiros passos do processo de 5ª Revisão Tarifária das distribuidoras. A previsão da Arsesp é concluir a discussão sobre a taxa de remuneração até março, para aí então começar as revisões das tarifas em si.
As revisões das tarifas da Comgás e Necta devem ser concluídas até o fim do ano. No caso da Gas Natural SPS, o processo se alongará até o primeiro semestre de 2025.
Arsesp vê mudanças no contexto de mercado
Ao propor a revisão da metodologia de cálculo do WACC, a agência paulista justifica que as regras vigentes, da 4ª Revisão Tarifária, são hoje incompatíveis com a atual conjuntura econômica.
O regulador cita que houve um descasamento entre o contexto econômico nacional e o dos Estados Unidos – a metodologia atual de definição do WACC regulatório está lastreada em dados setoriais e macroeconômicos dos EUA.
Além disso, a Arsesp cita que o ambiente de negócios do mercado de gás no Brasil mudou e está hoje mais complexo em relação aos últimos ciclos tarifários.
Há novos desafios setoriais associados, por exemplo, à captura dos efeitos da pandemia nos mercados das distribuidoras e demais entes da cadeia; e à diversificação dos agentes supridores.
O que muda nas tarifas
A Arsesp propôs então um modelo híbrido que levará em consideração em parte a metodologia vigente, com alguns ajustes (sobretudo nas janelas temporais dos indicadores); e uma segunda banda que inclui componentes de nacionalização à WACC – ou seja, indicadores do contexto econômico brasileiro.
Esse novo WACC poderá, ainda, ser reduzido ou ampliado por meio de um sistema de bonificações e penalidades: a Matriz de Incentivo Regulatório.
Em resumo, são quatro dimensões: eficiência de custos e expansão de usuários, com pesos maiores (impacto de até 0,3 p.p.); e ambiental (leia-se incremento do biometano) e segurança, com pesos menores (de 0,1 p.p.).
A depender da performance das empresas em cada um desses critérios, ante os valores de referência estipulados a cada ciclo tarifário, as concessionárias poderão ter o WACC ampliado ou reduzido.
A ideia do regulador paulista é que a aplicação da matriz comece a valer, de fato, na 6ª Revisão Tarifária – daqui a cinco anos.
Na 5ª Revisão, deste ano, serão estipulados os valores de referência. Assim, a partir da 6ª Revisão, a agência paulista vai comparar os valores previstos com os realizados nos anos do ciclo anterior.
Além disso, quando o contrato de concessão acabar, o valor referente ao cumprimento da matriz no último ciclo tarifário deverá ser incorporado ao cálculo do valor de indenização ou outros ajustes compensatórios.
Consumidores criticam mudanças
A Abrace definiu a mudança nas regras como uma “inovação metodológica” que favorece as concessionárias e que foi apresentada sem Análise de Impacto Regulatório.
Na mesma linha, a Abiquim destacou que não se trata somente de uma proposta de mudança de metodologia para o cálculo do WACC, mas de uma “profunda alteração regulatória e na estrutura de incentivos dos contratos” de concessão.
As associações defendem que a Matriz de Incentivo Regulatório distorce o modelo regulatório price-cap adotado nas concessões de gás canalizado de São Paulo.
O que é: O price-cap é um modelo que prioriza mais a eficiência da gestão, em contraposição à regulação do tipo cost plus, adotada na maioria dos estados e que repassa as variações nos custos integralmente para a concessionária. O modelo price-cap, por sua vez, age no sentido de reduzir as tarifas na mesma proporção dos ganhos de produtividade obtidos pela distribuidora.
Na avaliação da Abrace e da Abiquim, a proposta da Arsesp permite que as distribuidoras aumentem suas respectivas taxas de remuneração por meio eficiência de custos, neutralizando, assim, os ganhos do Fator X (o fator de eficiência) para a modicidade tarifária.
Além disso, o bônus por expansão de rede é um incentivo ao enterramento de tubos vazios ou subutilizados, na avaliação da Abiquim, enquanto a Abrace destaca que a expansão de usuários e segurança operacional são obrigações contratuais que não deveriam compor os critérios de bonificações para as concessionárias dentro da Matriz de Incentivo Regulatório.
A Arsesp justifica que a matriz parte da premissa de uso do WACC como mecanismo para promover a busca de sinais regulatórios desejados.
Distribuidoras defendem revisão
As distribuidoras apresentaram algumas sugestões de melhoria na metodologia, mas não questionam a revisão em si.
Para Zevi Kann, da Zenergás, que presta consultoria à Abegás e que foi diretor da Arsesp, a nova metodologia proposta visa sanar as deficiências da metodologia atual, mas preserva a essência conceitual do WACC. Ele lembra que não é a primeira vez que a agência paulista muda as regras de cálculo das taxas de remuneração das concessionárias locais.
E rebate as críticas à revisão. Na visão do consultor, a proposta de um modelo híbrido de cálculo do WACC é uma “alternativa válida” se considerado o descolamento entre o contexto econômico americano e brasileiro – e que gerou uma diminuição na correlação entre os parâmetros do mercado americano que são utilizados para calcular o WACC.
De acordo com Kann, é natural que WACCs das distribuidoras de gás sejam mais elevados que as de outros setores de infraestrutura:
“É fato constatado que os valores do WACC são maiores à medida que os setores são mais concorrenciais e menos universalizados, ou seja, devemos ter WACCs menores para a distribuição de energia elétrica, vindo a seguir o saneamento e mais altos para o gás canalizado – que tem combustíveis concorrenciais em todos os segmentos de consumo”, citou, em sua contribuição ao debate.
Na mesma linha, a Comgás defendeu, em sua contribuição, que no debate sobre a WACC das concessionárias é preciso diferenciar os diferentes níveis de maturidade entre o setor de gás canalizado e demais setores regulados, que se encontram em estágios mais avançados de desenvolvimento, como a distribuição de energia elétrica e o saneamento básico.
A Comgás destacou ainda que é importante estabelecer o equilíbrio adequado entre o risco de se investir em uma empresa de infraestrutura de energia e o retorno autorizado pela regulação. A empresa citou que ainda existe uma grande área a ser explorada e um grande mercado potencial a ser capturado em São Paulo, mas que, para capturar esse potencial, são necessários aportes intensivos de investimentos de maturidade de médio e longo prazo, e cuja atratividade é determinada justamente pelo WACC.
A Abegás, associação que representa as concessionárias, alertou que os valores atualizados do WACC pela metodologia atual, estimados pela Arsesp, “não são razoáveis” – abaixo de setores mais maduros, como o de energia elétrica, e da remuneração de outras distribuidoras e transportadoras de gás. A entidade ressalva, contudo, que a estimativa realizada pela agência deve ser entendida como um “exercício meramente teórico”.
A Naturgy, que atua na região Sul de São Paulo, vê com bons olhos a iniciativa da Arsesp de “atingir um nível aceitável de taxa de retorno”.
Já a Necta – em linha com a Naturgy – defende que a revisão da metodologia precisa reconhecer as particularidades de cada uma das três áreas de concessão em São Paulo. As distribuidoras discordam da proposta da Arsesp de considerar uma única estrutura de capital para as três distribuidoras do estado, no cálculo da taxa de remuneração.