Biocombustíveis

Porque a tentativa de desinvestimento na PBIO foi um erro

Desinvestir no setor é não apenas um erro estratégico, mas também ignorância quanto à vocação do país para produção eficiente de biocombustíveis e bioenergia, avalia Miguel Lacerda

Porque a tentativa de desinvestimento na PBIO foi um erro. Na imagem: Trabalhadores de uniforme laranja passam em frente a tanques de armazenamento de combustíveis em planta da PBIO – Petrobras Biocombustível (Foto: Divulgação PBIO)
A PBIO foi fundada em 2008 e foi, durante muitos anos, uma das maiores produtoras de biodiesel do país (Foto: Divulgação PBIO)

O Brasil possui hoje a perspectiva de sair de um ciclo que, de modo inacreditável, ao mesmo tempo subsidiou o consumo de combustíveis fósseis por meio da tributação, diminuiu a participação de biocombustíveis e interrompeu o ciclo de avanço na descarbonização da matriz de combustíveis, quando tentou acabar com o RenovaBio.

Além de ter perdido a oportunidade de acabar com a dependência externa de combustíveis. Na verdade, cabe ressaltar que a dependência externa de derivados de petróleo aumentou significativamente nos últimos anos.

Não resta dúvidas que a visão de mundo da gestão do governo federal que se encerra neste mês contribuiu para influenciar as decisões e o plano de negócios da maior empresa de energia da américa latina, uma vez que negava deliberadamente os efeitos nocivos ao clima da expansão do uso de combustíveis fósseis.

Assim sendo, não seria então um problema defender que a Petrobras abandonasse qualquer iniciativa voltada para a transição energética.

Desinvestimento

Com isso, em 3 de julho de 2020, a Petrobras anunciou que os ativos da Petrobras Biocombustível –  PBIO, foram colocados à venda.

Como justificativa, o comunicado oficial da empresa se limitou a dizer que “esta operação está alinhada à otimização de portfólio e à melhora de alocação do capital de sua Controladora, visando a maximização de valor para seus acionistas”.

Em novembro de 2021, a Petrobras aprovou e divulgou o Plano Estratégico 2022‐2026, neste novo Plano manteve a “estratégia de sair integralmente dos negócios de biodiesel para agregar valor ao parque de refino com processos mais eficientes e novos produtos de BioRefino – como BioQAV, Diesel Renovável e pesquisa e desenvolvimento em biobunker –, na direção de um mercado de baixo carbono”, em uma clara contradição que desconhece a história e as razões pelas quais a PBIO foi criada.

Já na primeira década deste século, a partir de uma visão estratégica para a transição energética, a Petrobras percebeu a importância de se trilhar um caminho de produção de energia limpa, de combustíveis renováveis de baixa pegada de carbono, porque cada vez mais era imperativa a necessidade de se mitigar os efeitos das mudanças climáticas.

O Brasil sempre se destacou pela produção de biocombustíveis e da bioenergia como vocação de um país tropical e dono de uma agricultura altamente eficiente.

Finalidade e ativos

A PBIO foi fundada em 2008 e foi, durante muitos anos, uma das maiores produtoras de biodiesel do país.

Possui, hoje, três usinas de biodiesel localizadas em: Montes Claros, no estado de Minas Gerais, com capacidade produtiva de 167 mil m³/ano; Candeias, no estado da Bahia, com capacidade produtiva de 304 mil m³/ano, e Quixadá, no estado do Ceará, em estado de hibernação, com capacidade produtiva de 109 mil m³/ano.

As três usinas são capazes de processar até cinco matérias-primas diferentes (óleo de soja, de algodão e de palma, gordura animal e óleos residuais) para produção de biodiesel, em uma estratégia para se valer sempre da dinâmica sazonal dos preços de cada uma dessas matérias primas.

A finalidade da PBIO, empresa controlada integralmente pela Petrobras S.A., é atuar na produção, logística, comercialização, pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis, bem como de quaisquer outros produtos, subproduto e atividades correlatas, a comercialização de matérias primas e a geração de energia elétrica associada à produção de biocombustíveis.

A bioenergia e a biomassa, com a produção dos derivados de cana de açúcar, da bioeletricidade e do biodiesel, são a maior fonte de energia renovável do país, superando desde 2008 a hidroeletricidade.

Ou seja, uma empresa de energia que queira desinvestir neste setor, não apenas comete um erro estratégico, mas também assina uma declaração de completa ignorância quanto à vocação do país para produção eficiente de combustíveis com baixa pegada de carbono.

A demanda por combustíveis limpos e a preços competitivos é infinita. Nesse sentido, destaca-se o diferencial competitivo que o Brasil possui para produção de bioenergia. E a participação nesse mercado é fundamental para que possamos reduzir a intensidade de carbono dos combustíveis que compõem a nossa matriz.

Os que defendem o fim da PBIO, ignoram que o mundo hoje quer combustíveis mais limpos e que os biocombustíveis em um mercado como o brasileiro são fundamentais para consolidar a liderança do país na transição energética.

Argumentam também que a operação da empresa é deficitária e que não agrega valor ao acionista. No entanto, há razões importantes que influenciaram o desempenho negativo da empresa e que não estão sendo considerados.

Não se pode ignorar a necessidade de revisão e aperfeiçoamento das regras de comercialização de biodiesel – o que não significa voltar com os leilões mediados pela Petrobras –, bem como da retomada do cronograma de mistura estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), em 2018, ambas fundamentais para se garantir a melhor estratégia comercial para a empresa.

Concluo apontando que todos os que defendem a PBIO percebem a oportunidade única de garantir uma matriz energética mais limpa, que gere ao mesmo tempo um diferencial para a própria Petrobras entre as empresas de energia e de petróleo.

Miguel Ivan Lacerda é diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e foi diretor de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME).

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.