Diálogos da Transição

Por que o transporte marítimo quer taxar as próprias emissões?

Se aprovada, Taxa Universal Obrigatória de Gases de Efeito Estufa (GHGL, em inglês) virá acompanhada de um padrão global de combustível

Por que o transporte marítimo quer taxar as próprias emissões? Na imagem: Vista aérea de navio de carga com contêineres no porto (Foto: tawatchai07 Freepik)
Imposto sobre o carbono voltará para a indústria marítima na forma de financiamento aos novos combustíveis e tecnologias de zero ou baixa emissão (Foto: tawatchai07 Freepik)

newsletter

Diálogos da Transição

Editada por Nayara Machado
[email protected]

A Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês) reunirá ao longo desta semana representantes dos 175 países-membros para negociar novas metas climáticas para o setor, junto com propostas para alcançá-las em uma prazo compatível com 1,5°C até o fim do século.

A ambição atual sob a IMO prevê que apenas metade das emissões do setor sejam cortadas até 2050 – o que é incompatível com a meta global de zerar emissões até meados do século.

Um dos objetivos do encontro desta semana é chegar a um acordo sobre as metas de redução de GEE de navios para 2030, 2040 e 2050. Não será vinculativo, mas o peso de cortar emissões no segmento é expressivo:

O transporte marítimo é responsável por 90% do comércio global e por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).

Isso significa também que é preciso olhar para o impacto que o custo da descarbonização terá sobre a distribuição de alimentos, combustível, medicamentos e outras mercadorias via navios.

Sobre a mesa, está a criação da Taxa Universal Obrigatória de Gases de Efeito Estufa (GHGL, na sigla em inglês), basicamente um imposto sobre o carbono que voltará para o setor na forma de financiamento aos novos combustíveis e tecnologias de zero ou baixa emissão.

Na prática, a taxa pretende ajudar quem investe em eficiência energética e ambiental, aumentando o custo para quem não fizer o dever de casa.

Ela virá acompanhada de um padrão global de combustível (GFS, em inglês) para “evitar que as emissões se desloquem do mar para a terra”, isto é, garantir a sustentabilidade em todo o ciclo de vida dos novos produtos.

tem apoio da Câmara Internacional de Navegação (ICS, em inglês), uma associação comercial que representa mais de 80% da frota mercante.

Por que uma taxa?

Para começar, “um sinal claro de demanda” é necessário para garantir o investimento em combustíveis novos e mais limpos, resume a IMO.

O objetivo central é reduzir a intensidade de GEE e evitar as compensações muito comuns em sistemas de comércio de emissões.

A forma mais eficaz de descarbonizar as operações dos navios é substituir os combustíveis fósseis por alternativas como metanol e amônia verdes, além de biocombustíveis.

O que requer a estruturação de uma nova cadeia global.

A Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, em inglês) calcula que, até meados do século, a descarbonização do transporte marítimo demandará 50 milhões de toneladas de hidrogênio verde por ano para o fornecimento de amônia e metanol como combustível.

Os investimentos são altos

Estudo do Boston Consulting Group (BCG) estima que o setor precisa de US$ 2,4 trilhões em investimentos para zerar suas emissões e alcançar a principal meta do Acordo de Paris.

Segundo o estudo, outras medidas serão necessárias, como apoio do setor público até a maturação da tecnologia e novos financiadores.

Cerca de US$ 1,5 trilhão dos investimentos necessários será destinado aos setores de energia e químico para desenvolver combustíveis baseados em hidrogênio e para construir ou aprimorar instalações de refino, armazenamento e distribuição.

E o impacto sobre a logística?

A UNCTAD (agência da ONU especializada em comércio e desenvolvimento) avalia que a descarbonização do transporte marítimo teria um impacto pequeno e gerenciável, de cerca de 1% nos fluxos comerciais, caso os custos de combustível aumentem de 10% a 50%.

Além disso, a ONU defende que a taxa venha acompanhada de mecanismos capazes de distribuir fundos para os estados mais afetados para lidar com os impactos negativos desproporcionais criados pela precificação do carbono.

Ao mesmo tempo, o Banco Mundial estima que a taxação poderia arrecadar até US$ 60 bilhões por ano para apoiar as nações mais pobres.

Quem apoia e quem é contra?

Na cúpula de Paris, no final de junho, 22 países endossaram a proposta, dois dos três maiores armadores (Grécia e Japão), dois dos três maiores construtores de navios (Coreia do Sul e Japão) e dois dos três maiores Estados de bandeira (Libéria e Ilhas Marshall).

Eles engrossam uma lista de mais de 50 nações, mas que ainda aguarda apoio de China e Estados Unidos, as duas maiores economias do mundo.

Já Brasil e Argentina lideram um grupo de 20 países com posição contrária, sob o argumento de que isso distorceria o comércio, podendo aumentar o preço dos alimentos e prejudicar os países em desenvolvimento – algo que a inação sobre a mudança climática também promete provocar.

Algumas rotas de descarbonização:

Curtas

Guterres pede líquido zero

O chefe das Nações Unidas pediu hoje (3/7) que os líderes cheguem a um acordo para emissões líquidas zero no transporte marítimo. As decisões “que vocês tomam nos próximos dias podem nos ajudar a traçar um rumo mais seguro”, disse em mensagem ao encontro da IMO. UN

Sem acordo

O final desta semana, 7 de julho, é o prazo para a adoção da estratégia revisada de GEE da IMO e os estados-membros devem concordar com um cronograma e a quantidade a ser reduzida. A maioria concorda que deveria haver uma meta para 2050 e intermediárias para 2030 e 2040, mas não há coerência na implementação.

Austrália expressou desapontamento com o que considerou metas inadequadas. Holanda e Suécia pressionaram por uma meta líquida zero. China e Índia pintaram metas mais ambiciosas como tentativas de conter seu crescimento econômico. Brasil cobra os US$ 100 bilhões. Argus

Água para eletrólise

A agenda climática do governo Biden, nos EUA, está enfrentando um desafio inesperado no Texas, onde um projeto para um centro de hidrogênio exigiria a instalação de usinas de dessalinização de água do mar com uso intensivo de energia, caras e potencialmente prejudiciais ao meio ambiente. Reuters

Itália fechará usinas a carvão

O país enviou a Bruxelas seu plano revisado de energia e clima, indicando que precisará investir mais e intensificar os esforços para cumprir a meta da União Europeia para reduzir emissões até 2030.

O documento preparado diz que as usinas a carvão do país serão fechadas até 2025, exceto na Sardenha. O governo manterá conversas com a Comissão Europeia com o objetivo de chegar a uma versão vinculativa do plano até junho de 2024. Reuters