Por que não abater o biometano do RenovaBio?

Biometano precisa ser integrado de uma forma mais ampla no mercado, e o gás veicular parece ser a melhor opção, avalia Antonio Souza

Usina de biogás nos EUA. Imagem de Jan Nijman por Pixabay
Usina de biogás nos EUA. Imagem de Jan Nijman por Pixabay

Recentemente uma amiga e profissional do mercado de distribuição de combustíveis me procurou para entender um pouco mais do mercado de biometano. Conversamos bastante, e no fim da conversa ela fez uma pergunta para a qual eu não tinha conhecimento suficiente para responder e fiquei de investigar.

A resolução da ANP nº 791, de 12 de junho de 2019, dispõe sobre a individualização das metas compulsórias anuais de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa para a comercialização de combustíveis, no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis, o RenovaBio.

Ou seja, a resolução traz os procedimentos necessários para o cálculo das metas individuais de redução de emissões de gases de efeito estufa de cada distribuidor de combustível fóssil, metas estas que serão estabelecidas em unidades de Crédito de Descarbonização (CBIOs).

Dito isso, podemos voltar a pergunta. Ela gostaria de saber se a distribuidora resolvesse comercializar biometano como gás veicular em sua rede de distribuição, se o volume comercializado poderia ser abatido do volume comercializado de combustíveis fósseis, reduzindo assim a quantidade de CBIOs necessários para atender a sua meta.

O artigo 6º da resolução acima define a forma como a participação de mercado de cada distribuidor será calculada. No inciso II, a resolução define que, para calcular a quantidade de combustível fóssil, deve-se retirar do volume de cada produto comercializado, a quantidade de biocombustível misturado ao combustível fóssil. Fora isso, não há nenhuma outra forma de reduzir a quantidade de combustível que será a base da meta individual de CBIOs.

Dúvida sanada e consulta respondida, fica a questão. Por que não permitir esta redução? 

O governo brasileiro anunciou no mês passado o programa “Combustível do Futuro”, plano do governo para descarbonização que vai de etanol até o hidrogênio. Um dos focos deste programa é a redução do diesel no transporte pesado pelo gás natural.

Nesta direção, o MME também vê um grande potencial no uso de biogás e biometano e formação de corredores verdes de abastecimento, que incentivariam também a expansão da infraestrutura de gasodutos.

Considerando o exposto acima, a redução das metas de CBIOs das distribuidoras pela comercialização do biometano em suas redes de distribuição me parece totalmente alinhado à intenção do programa.

Ao invés das distribuidoras simplesmente comprarem os CBIOs emitidos pelo produtor de qualquer biocombustível, estariam incentivando a utilização do biometano, investindo na infraestrutura necessária, etc. Definitivamente um bom negócio para o produtor, a distribuidora e o meio ambiente.

Gás veicular parece melhor caminho para ampla integração do biometano

Pela pergunta que recebi, fica claro que tem distribuidora pensando nisso. E mais, fui verificar a lista de produtores de biocombustíveis certificados pela ANP no programa RenovaBio. Lista atualizada em 19 de maio deste ano. Dos 276 certificados válidos no mercado para emissão de CBIOS, somente 2 são de produtores de biometano. A razão é simples.

O CBIO só pode ser emitido para biocombustíveis comprovadamente comercializados, e aparentemente não se está comercializando tanto biometano assim. É preciso abrir caminho para que o biometano se integre de uma forma mais ampla no mercado, e sua utilização como gás veicular parece ser o melhor caminho.

Alguém pode levantar aqui como se faria este cálculo para reduzir o volume de biometano do volume de combustíveis fósseis. Uma forma simples que eu vejo é se utilizando do próprio cálculo do RenovaBio.

Após a obtenção da eficiência energética do biometano de determinado produtor, a partir do volume comercializado com determinada distribuidora se obteria a quantidade de CBIOS da transação, e a distribuidora poderia abater este número de CBIOS diretamente da sua meta. Mas decididamente não sou especialista e tenho certeza de que os técnicos encontrariam a melhor solução para isso.

O grupo de trabalho do programa “Combustível do Futuro” tem 180 dias para entregar os resultados de uma série de estudos com os diferentes eixos temáticos, e daí encaminhar para o CNPE propostas de políticas públicas. A redução das metas das distribuidoras no RenovaBio pela comercialização do biometano em suas redes deveria fazer parte destas políticas públicas.

Todo o mercado de gás natural sonha com a interiorização no território brasileiro, justamente onde o biometano tem seu maior potencial de produção. Me parece uma boa estratégia para acelerar a aplicação do metano no interior do país, criando demanda, possibilitando investimentos em novas infraestruturas, gasodutos virtuais, etc.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Antonio Souza é consultor de desenvolvimento de negócios na Arcadis com foco no mercado de O&G e transição energética.