“É importante que as vozes de mulheres e meninas sejam ouvidas. Precisamos ouvir as vozes de mulheres indígenas e outras tantas que não estão sendo ouvidas. Temos que falar sobre o que essas mulheres fazem na prática, com as suas comunidades”, diz Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda.
Em evento sobre justiça climática promovido nesta terça (9) pelo Brasil Climate Action Hub — espaço da sociedade civil na COP26 –, Robinson relatou sua experiência com as Conferências do Clima anteriores e o papel relevante de líderes mulheres na redação do Acordo de Paris.
“Paris foi importante devido às vozes de justiça pelo clima. Nós não íamos conseguir incluir aquele 1,5 °C no texto. Foi preciso criar uma coalizão de países que estavam sendo afetados pelo clima para mostrar por que esse 1,5 ºC era necessário”
Robinson explica ainda que a pandemia de Covid-19 exacerbou e expôs as desigualdades sociais de uma forma sem precedentes, e são os movimentos de mulheres que conseguem fazer uma conexão com as injustiças — pobreza, gênero, raça — e trazê-las para a discussão.
A liderança de mulheres indígenas tem chamado a atenção na COP26, que teve a maior delegação de representantes de povos tradicionais da história da conferência do clima.
Dentre os mais de 40 representantes do Brasil, a primeira deputada federal indígena do Brasil, Joênia Wapichana (Rede/RR), viajou a Glasgow para defender que recursos internacionais destinados ao combate ao desmatamento sejam em parte repassados diretamente às comunidades indígenas, que atuam na linha de frente.
Uma possibilidade é a criação de um fundo que possa ser diretamente acessado pelos povos originários, sem a necessidade de intermediários. Iniciativa do tipo é negociada com governos estaduais da Amazônia Legal.
Além do pioneirismo na Câmara dos Deputados, Joênia Wapichana é a primeira advogada indígena no país a atuar pelos direitos desses povos.
Em entrevista à Estratégia ESG, uma parceria da agência epbr com a Alter Conteúdo, ela comenta o anúncio do acordo internacional de eliminação do desmatamento até 2030, com assinatura do Brasil, e diz que a preocupação é se o investimento vai proteger realmente quem está na floresta, porque são terras indígenas.
Dia do Gênero
As desigualdades que tornam as mulheres e meninas mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas estiveram na agenda desta terça (9), durante o Dia do Gênero da COP26.
O dia foi marcado pela aparição de Little Amal, o fantoche gigante de uma refugiada Síria de 10 anos, que encontrou ativistas dos países pelos quais ela “caminhou” durante uma jornada de quatro meses e 8.000 km desde a fronteira com a Síria.
E também pelo anúncio do Reino Unido de £ 165 milhões para combater as mudanças climáticas, capacitando mulheres para a ação climática.
Desse total, até £ 45 milhões de financiamento serão destinados para ajudar a capacitar comunidades locais e grupos de mulheres na Ásia e no Pacífico.
Os outros £ 120 milhões vão para o Programa de Clima e Meio Ambiente de Bangladesh para construir resiliência, prevenir a poluição, proteger a biodiversidade, fortalecer energia renovável e gerenciar melhor os resíduos, ao mesmo tempo que apoia o acesso das mulheres a financiamento e educação.
Desde a semana passada, especialistas vêm apresentando dados e análises sobre adaptação, perda e danos e ambição e seus efeitos sobre mulheres.
É uma pauta que ainda incomoda muita gente — ontem mesmo a linguagem de gênero foi suprimida nos textos da ONU após uma intervenção de enviados sauditas.
O impasse começou no sábado, durante a negociação do texto final, quanto às referências aos termos “direitos humanos” e “gênero“.
Segundo UOL, o governo da Arábia Saudita se recusou a aceitar a inclusão das referências, o que gerou uma indignação por parte de outras delegações. O governo mexicano, na noite de sábado, tomou a palavra para alertar que não aceitaria que essas referências fossem retiradas do pacto final, o que foi apoiado por Peru, Chile, UE, Venezuela, Guatemala e outros países.
Por que falar de gênero e clima?
- Cerca de 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas são mulheres, mostra um relatório do Women in Finance Climate Action Group;
- Enquanto isso, a representatividade feminina é de apenas 19% em conselhos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial;
- Mulheres e meninas constituem a grande maioria das pessoas pobres do mundo, muitas vezes dependentes da agricultura de subsistência, mostra a ONU;
- Mulheres são excluídas financeiramente: elas têm menos acesso a serviços financeiros, menos bens e, em alguns lugares, menos direitos de propriedade;
- A maioria das estruturas de política climática de governos nacional, regional e multilateral não incorpora questões de gênero ou ignora a conexão entre gênero e financiamento climático;
- Segundo a Aviva, dados e relatórios sobre aspectos de gênero no financiamento do clima são inadequados;
- As mulheres são frequentemente mal representadas em funções-chave de liderança e de tomada de decisão, em todos os setores relevantes;
- Cerca de 2/3 dos gastos das famílias no mundo são controlados por mulheres e 40% da riqueza global é detida por elas;
- 75% acreditam que uma mudança climática requer outros hábitos e estilo de vida, em comparação a 64% dos homens.
Na semana passada, foi lançada uma declaração pedindo que o papel das mulheres e meninas seja promovido na abordagem da mudança climática.
Patrocinada conjuntamente pelo governo escocês e pela ONU Mulheres, a Declaração de Liderança Feminina de Glasgow sobre Igualdade de Gênero e Mudança Climática se compromete com esforços para apoiar mulheres e meninas a liderar a abordagem da mudança climática em nível comunitário, nacional e internacional.
Reconhece que mulheres e meninas são frequentemente afetadas de forma desproporcional pela mudança climática e enfrentam maiores riscos e cargas de seus impactos, particularmente em situações de pobreza.
“Só podemos alcançar nosso objetivo coletivo e responsabilidade de reduzir as emissões para limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C se mulheres e meninas fizerem parte da resposta”, declarou Sima Bahous, diretora executiva da ONU Mulheres.
A declaração segue um Plano de Ação de Gênero acordado na COP25 para promover os direitos e interesses de mulheres e meninas no processo da UNFCCC e no apoio a políticas e programas climáticos sensíveis ao gênero.
Sub-representadas nas lideranças de ações climáticas das empresas
As mulheres também estão sub-representadas nas empresas. Relatório internacional da consultoria Oliver Wyman, apresentado hoje na COP26, constatou que apenas 6% dos cargos de CEOs das maiores corporações listadas no S&P 500 são ocupados por mulheres.
O índice da agência de classificação de risco Standard and Poor’s reúne as maiores empresas de capital aberto dos EUA, muitas delas com operações no Brasil.
Outro dado do relatório A Disparidade de Gênero na Ação Climática (.pdf) é que menos de 25% de todos os empregos no mundo em empresas de setores mais emissores de CO2, como geração de energia, mineração, agricultura, transporte e construção, são ocupados por mulheres.
O documento ressalta a necessidade urgente de as empresas reconhecerem o papel das mulheres como agentes de mudanças, pois só assim vão conseguir acelerar as suas iniciativas de redução de emissões de gases de efeito estufa.