Energia

Por que é tão difícil substituir as redes de energia aéreas por subterrâneas no Brasil?

Maior entrave para o enterramento das redes é o alto custo, estimado em mais de R$ 20 bilhões apenas na região central de São Paulo

Por que é tão complexo substituir as redes de energia aéreas por linhas de transmissão subterrâneas no Brasil? Na imagem: Dois trabalhadores operam drones que monitoram e inspecionam câmaras subterrânea, no projeto Urban Futurability em São Paulo (Foto: Reprodução Enel)
Drones monitoram e inspecionam câmaras subterrânea, no projeto Urban Futurability em SP (Foto: Reprodução Enel)

RIO – Os efeitos das chuvas da última sexta-feira (3/11) em São Paulo sobre o fornecimento de energia elétrica levantaram questionamentos sobre como tornar as redes de distribuição mais resilientes a efeitos climáticos extremos.

Especialistas afirmam que, apesar de não resolver toda a questão, a substituição das redes aéreas por linhas subterrâneas poderia ajudar, pois evita a queda de árvores e outros impactos sobre os cabos elétricos.

As tempestades deixaram 4,2 milhões de residências sem luz no estado de São Paulo em sete áreas de concessão. Parte dos consumidores atendidos pela Enel ainda estava sem energia na quarta-feira (8/11) pela manhã.

Segundo a concessionária, 95% das ocorrências registradas foram causadas por quedas de árvores e foi necessário reconstruir 100 quilômetros de redes, o equivalente à distância da capital a Campinas.

Devido ao cenário, o Ministério Público de São Paulo pediu que a prefeitura da cidade apresente em 30 dias um projeto para o enterramento da fiação.

A Agência Nacional de Energia Elétrica convocou uma reunião com as distribuidoras afetadas pelas tempestades para esta semana para discutir como tornar os sistemas mais resilientes e menos vulneráveis às condições climáticas adversas.

Em nota enviada à agência epbr, a própria Aneel admite que as redes subterrâneas são uma alternativa a ser estudada para evitar que cenários como esse voltem a ocorrer, mas ressalva que é preciso adotar a solução em casos em que os benefícios justifiquem os altos custos.

Veja a seguir o que está em jogo nessa discussão:

  • Por que a maior parte das redes brasileiras é aérea?
  • Quais são as vantagens das redes subterrâneas?
  • Como avançar com a substituição?
  • Quais outras medidas podem melhorar a resiliência das redes elétricas?

Por que a maior parte da rede elétrica brasileira é aérea?

Apenas 0,4% da rede elétrica do Brasil é subterrânea. O maior entrave para o enterramento das redes é o alto custo. Segundo a diretora da consultoria PSR, Ângela Gomes, o custo de instalação de redes subterrâneas tende a ser até dez vezes maior do que o uso de cabos aéreos.

Como as distribuidoras são ressarcidas, por meio de reajustes nas tarifas, pelos investimentos na melhoria das redes, um eventual esforço para enterrar os fios teria impactos diretos nas próximas revisões tarifárias.

“Uma pergunta importante a se fazer é se queremos que as tarifas paguem o preço do enterramento das linhas. As tarifas já são caras e hoje a distribuição tem um peso de 23% no custo final pago pelos consumidores”, ressalta Gomes.

A Prefeitura de São Paulo estima que o custo para o enterramento, apenas na região central, seria em torno de R$ 20 bilhões.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, estima que o custo de enterramento de toda a rede em uma cidade como São Paulo, que conta com mais de 43 mil quilômetros de linhas de distribuição apenas na concessão da Enel, inviabilizaria a tarifa.

“Isso tornaria a tarifa de energia impagável”, diz.

Quais são as vantagens das redes subterrâneas?

As linhas de distribuição que passam por baixo do solo costumam ser mais resistentes a chuvas, vendavais e raios, os três maiores problemas que afetam as redes aéreas. No entanto, a fiação subterrânea não é imune a todas as intempéries climáticas e deve ser evitada em regiões propensas a grandes inundações.

O enterramento das redes também tende a reduzir o roubo de cabos e os custos de manutenção, assim como ajudar a combater os furtos de energia, os famosos “gatos”.

Com menos cabos acumulados nos postes para diferentes usos, como telecomunicações, os riscos de picos de luz e choques são menores. Outras vantagens são a desobstrução da paisagem e um melhor planejamento urbanístico.

“Se trata de um projeto de cidade”, diz o diretor do Instituto Ilumina, Roberto D’Araújo.

Hoje, no Brasil, a maior malha de linhas subterrâneas está na área de concessão da Light, no Rio de Janeiro, com cerca de 500 mil pessoas atendidas por essas redes.

Em 2017, a prefeitura paulistana lançou o programa “SP Sem Fio”, ainda em andamento, com previsão de enterramento de 65,2 km de redes aéreas e retirada de 3.014 postes em 170 vias da cidade, até dezembro de 2024.

Um projeto de lei apresentado pelo deputado Paulo Ramos (PDT/RJ) em 2021 (PL 88/2021) propôs a fixação de um prazo de dez anos para a troca das redes aéreas por subterrâneas. O PL está parado desde 2022 na Comissão de Minas e Energia. Outras iniciativas municipais similares não progrediram no passado, dado que a competência sobre o tema é federal.

Como avançar com a substituição?

Para Gomes, da PSR, é interessante primeiro avaliar quais seriam as regiões de maior custo-benefício para o uso de redes abaixo do solo.

“Talvez valha a pena enterrar os cabos em regiões que têm mais consumidores por quilômetro quadrado, onde os custos dos investimentos beneficiaram mais pessoas”, afirma.

Os especialistas ressaltam que os projetos de enterramento de redes precisam envolver não apenas a distribuidora de energia, mas também empresas de telecomunicações, que usam os postes de energia, e as prefeituras, assim como as concessionárias de gás natural e água, que também usam infraestruturas abaixo do solo.

O especialista em energia da Imagem Geosistemas, Alexandre Aleixo, lembra que é preciso levar em consideração que as obras levam tempo e têm impactos sobre o trânsito da população.

“Mas o maior problema é que não existe planejamento urbano em nenhum lugar do Brasil que leve a sério esse tipo de ação, de modo estruturado, em conjunto com empresas, entidades e o setor público”, afirma.

Quais outras medidas podem melhorar a resiliência das redes elétricas?

Outras soluções tecnológicas podem ajudar a evitar os impactos de eventos climáticos extremos sobre o fornecimento de energia, como o uso de redes inteligentes.

Aleixo, da Imagem Geosistemas, aponta que o planejamento da rede, para que seja atendida por diversas fontes, também ajuda, além de ter menores custos.

“Desse modo, é possível isolar de maneira mais eficiente, rápida e efetiva os pontos onde é necessário fazer uma intervenção”, diz.

Já o diretor do Instituto Ilumina aponta que uma maior organização dos fios nos postes, com a segmentação das redes de energia e telecomunicações em diferentes níveis seria outra medida benéfica.

D’Araújo defende ainda maior cuidado das prefeituras com as podas das árvores, assim como com as raízes, que tendem a cair e a afetar as redes em casos de vendavais e fortes chuvas.

A executiva da PSR lembra que o mundo está entrando em uma era de maiores incertezas sobre o comportamento do clima.

“Saímos de comportamentos mais previsíveis para entrar numa era de incertezas, então é preciso estar preparado para esses riscos adicionais. A distribuição de energia vai ser mais afetada porque ela tem uma área de atuação mais abrangente”, aponta.