Congresso

Ponderações essenciais sobre o marco regulatório das eólicas offshore

Lacunas podem resultar em dependência tecnológica e desarticulação econômica e industrial, escreve Francismar Ferreira

Na imagem: Ondas na praia, em primeiro plano, e, ao fundo, muitas turbinas eólicas em fazenda eólica offshore (Foto: David Will/Pixabay)
(Foto: David Will/Pixabay)

Na semana passada (29/11), foi votado no Congresso Nacional o projeto de lei 11.247/2018, que versa sobre a regulamentação da geração de energia offshore no Brasil.

Analisando especificamente o que se refere às eólicas offshore, o PL apresenta ao mercado o potencial de geração energética dessa fonte, mas não define parâmetros fixos para a promoção da indústria nacional, como o volume de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e critérios para a distribuição da riqueza gerada.

Essas lacunas podem resultar em dependência tecnológica e desarticulação econômica e industrial do país.

Em seu o artigo 5°, o PL aponta duas formas de disponibilização de áreas para geração de energia eólica offshore.

A primeira consiste na oferta permanente, na qual o poder concedente delimita áreas para exploração a partir da solicitação de interessados, na modalidade de autorização. A segunda é a oferta planejada, na qual áreas pré-delimitadas são ofertadas mediante procedimento licitatório.

Nesse sentido, o PL 11.247/2018 permite uma atuação relativamente passiva do Estado no planejamento, estruturação e geração de energia eólica offshore, o que poderá implicar riscos para a soberania energética, considerando o potencial energético eólico offshore, estimado pela EPE em 700 GW – cifra 3,5 vezes maior que a atual capacidade de 196,5 GW de geração de energia elétrica no Brasil (Aneel).

Em paralelo à tramitação do projeto, diversas empresas, inclusive petroleiras, protocolaram pedidos de licenciamento de projetos eólicos offshore junto ao Ibama.

Até setembro de 2023, foram protocolados 91 pedidos em oito estados com potencial de geração de energia elétrica total de 219,22 GW, como mostra a figura abaixo.

Esses projetos poderiam aumentar em 8 vezes a capacidade atual de geração de energia eólica do Brasil, ainda restrita ao onshore, que é de 27,5 GW segundo a Aneel, ou até mesmo duplicar a capacidade de geração de energia elétrica do país.

A Petrobras protocolou o licenciamento de 10 projetos junto ao Ibama, dos quais nove se encontram sobrepostos a áreas com licenciamento já protocolados por outras empresas. Essa situação também é verificada em outros processos que não envolvem a Petrobras.

Nesses casos, o PL prevê que o poder concedente deverá submeter essas áreas à oferta planejada. Apesar desse movimento possibilitar a reorganização da maioria dos projetos, ele mantém o potencial de geração de energia eólica offshore disponível ao mercado.

Distribuição espacial dos projetos de eólicas offshore e potencial de geração de energia projetada por UF e principais (Fontes: Ibama, 2023 e EPE, 2020)

As formas de disponibilização de áreas, o número de projetos e empresas interessadas no segmento eólico offshore sinalizam que o Estado brasileiro está abrindo mão passivamente tanto do potencial de geração de energia renovável, quanto de liderar o processo de descarbonização de nossa matriz e explorar as novas rotas tecnológicas, tais como a produção de hidrogênio verde (H2V), que é uma alternativa promissora para substituir os combustíveis fósseis.

Uma importante adição ao texto aprovado foi a menção referente à promoção da indústria nacional.

No entanto, não foram definidas condições e parâmetros mínimos para a participação das empresas, o que deixa dúvidas quanto à articulação do setor com a indústria nacional.

Aliás, esses projetos demandam tecnologias sofisticadas de alto custo e requerem fortes estímulos em P&D.

Investimentos em P&D e royalties das eólicas offshore

Na redação do PL 576/2021, do Senado Federal e utilizado como base do PL 11.247/2018, era previsto um percentual mínimo de investimentos de 1% da receita operacional líquida das empresas.

No texto aprovado, essa obrigatoriedade foi retirada e a responsabilidade pelos investimentos em P&D foi conferida à União, que deverá investir os recursos provenientes da taxa de ocupação de área.

Contudo, não foi estabelecido um teto mínimo para essa cobrança. Assim, a não obrigatoriedade de investimentos em P&D e a indefinição de um valor mínimo para a taxa de ocupação de área poderão resultar na maior dependência tecnológica do país.

Outro ponto sensível do PL consiste no pagamento de participação proporcional (royalties). Na redação original do PL 576/2021, a participação seria de 5% sobre o montante da energia gerada e comercializada.

Posteriormente, durante a tramitação do projeto, esse percentual caiu para 1,5% e, no texto aprovado na Câmara, não é definido o percentual mínimo de pagamento da participação proporcional, o que pode representar uma renúncia fiscal pelo poder público e uma distribuição desigual das riquezas geradas.

Em suma, o Brasil tem um grande potencial de geração de energia eólica offshore que poderá contribuir para o desenvolvimento nacional.

A regulação dessas atividades é um elemento chave para a garantia da soberania e da segurança energética do país, assim como para a inserção definitiva na transição energética justa. Porém, para isso, é fundamental realinhar o PL que agora será analisado pelo Senado.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

Francismar Ferreira é doutor em Geografia e pesquisador da área de Exploração e Produção do Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).