A presidente Dilma Rousseff muitas vezes é lembrada de uma maneira ruim por suas frases. Revisitando algumas delas hoje, fica claro que traduzem situações que continuam marcando nosso país. Esse é o caso de uma declaração em que ela dizia que todos perdem se todos querem ganhar sozinhos.
É exatamente o que ainda ocorre no setor de energia brasileiro, cujos mercados vêm se tornando cada vez mais ineficientes, justamente porque muitos que queriam ganhar a qualquer custo construíram privilégios e reservas de mercado que deram em subsídios que agora comprometem tanto o desenvolvimento do setor de gás como o elétrico e, consequentemente, o nosso desenvolvimento e a transição energética que poderia fazer do Brasil um país vencedor.
Está na hora de construir convergências e avançar na modernização dos setores de energia e gás natural. Devemos aproveitar o momento interessante que estamos passando. Demorou, mas tudo indica que o Brasil está encontrando seu eixo.
O rating melhorou, o dólar caiu, o Banco Central está começando uma trajetória de redução de juros, recuperamos nosso protagonismo internacional e um equilíbrio político possível parece avançar para uma agenda maior e mais pragmática.
Era natural que no início de um novo governo houvesse uma euforia para que as coisas melhorassem rápido. É assim em todo começo de governo. A realidade se impôs e a complexidade da “coisa” brasileira mostrou que era preciso seguir e ter paciência.
O Ministério de Minas e Energia fez uma grande imersão e, agora, começa a nascer uma visão sobre a modernização do setor e o problema do gás natural. As várias estruturas também começam a se organizar em torno da transição energética, do gás natural e da modernização.
Quem já passou por diversos cenários e trocas de governos sabe que é assim e que as questões que têm interface técnica e política e que mobilizam interesses demoram a se cristalizar.
Todavia, mesmo sabendo que a pauta econômica e a formação da base política ainda terão privilégio no ambiente de poder, chegou o momento de a agenda de energia avançar. Enfim, percebemos protagonismo nos diversos ministérios e a construção de convergência em torno das agendas.
Vertente do social na agenda
É importante que todos nós que estamos no entorno trabalhemos para apoiar a construção dessas agendas de modernização. E tenhamos claro que elas terão a cara do atual governo, seja na renovação as concessões, na redução dos subsídios, no gás natural e na transição energética.
A vertente do social, o desenvolvimento e a geração de empregos sempre vão permear as discussões e as decisões.
A visão de uma abordagem puramente tecnicista e de mercado, e que seria concentradora de renda, deu lugar a uma outra agenda de desenvolvimento e de reconhecimento do papel estratégico do governo. E é exatamente o que EUA (com o Inflation Reduction Act), China e União Europeia (com o European Green Deal), cada um com suas características, estão fazendo.
Convergência de interesses
Sabemos que o projeto 414, de modernização do setor elétrico, nunca foi a resposta para tudo. Mas tem pontos importantes como a correção do sinal de preço da energia, alocação correta de custos e riscos e a separação do lastro e da energia, da energia e do fio e dos serviços de comercialização e de distribuição. Além, claro, do início da redução dos subsídios setoriais. Esses vetores são a base para a modernização e o projeto sinaliza para isso.
Agora, o importante é encontrar o caminho mais rápido, seja pelo próprio projeto ou uma nova inciativa. É fundamental que o texto seja aprovado pelo que tem de bom.
Para tanto, o próprio setor precisa ter o amadurecimento de que se continuarmos numa luta de cada segmento buscando sua própria reserva de mercado, levaremos o setor ao colapso e todos sairão perdendo.
Essas estruturas têm que contribuir para desarmar os mecanismos de pressão sobre Congresso e Executivo. Uma questão de amadurecimento. O modelo de privilégios visto nos últimos anos está esgotado e quem dobrar essa aposta só vai aumentar o tamanho do tombo lá na frente. E todos vão perder.