Política energética

TCU: Pagamento de dívida pública abocanha R$ 64 bi do Fundo Social do Pré-Sal em dois anos

Tribunal de Contas alerta que o fundo soberano está sendo esvaziado em seu propósito de ser uma poupança de longo prazo

Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Antonio Anastasia (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

RIO — A amortização da dívida pública abocanhou, nos últimos dois anos, 44% de toda a arrecadação acumulada do Fundo Social do Pré-Sal (FS), desde que ele foi criado em 2012.

O Tribunal de Contas da União (TCU) alerta que o fundo soberano, criado para ser uma poupança de longo prazo para a riqueza finita do petróleo, está sendo esvaziado em seu propósito.

De acordo com o Tribunal, o fundo arrecadou, entre 2012 e 2022, R$ 145,7 bilhões.

A maior parte desse dinheiro foi para a educação (R$ 66 bilhões), mas chama a atenção o uso de R$ 64 bilhões, em apenas dois anos, para pagamento de dívida pública.

O saldo: O fundo soberano fechou 2022 com saldo de R$ 19,8 bilhões – 56,6% a menos que o patamar de 2020, antes de a Emenda Constitucional 109/2021 liberar o uso dos recursos para amortização da dívida pública.

De acordo com o TCU, o saldo do FS equivale a 0,3% do saldo do Fundo Soberano Norueguês (Norway Government Pension Fund Global), referência no assunto. As cifras da poupança brasileira se aproximam mais da realidade de fundos soberanos de países como a Colômbia.

O que é o Fundo Social do Pré-Sal?

Criado pela Lei 12.351/2010 (da criação do regime de partilha do pré-sal), trata-se de um Fundo Soberano de Riqueza, idealizado como um instrumento para maximizar os benefícios das receitas das atividades petrolíferas no pré-sal – ou seja, evitar que somente a geração atual usufrua dessas receitas.

Um dos objetivos do fundo, previstos em lei, é funcionar como poupança pública de longo prazo. Além disso, o fundo visa a mitigar os efeitos da oscilação da renda do petróleo sobre a economia nacional (fruto por exemplo de uma desvalorização da commodity); e oferecer fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional.

O fundo é bancado, principalmente, com dinheiro de royalties e participações especiais, mas também com as receitas da comercialização do óleo e gás da União nos contratos de partilha; bônus de assinatura arrecadados nos leilões; e aplicações financeiras.

TCU vê esvaziamento do fundo

Fiscalização do TCU identificou o esvaziamento financeiro do fundo social e apontou que os recursos têm sido aplicados em objetivos estranhos à sua criação.

Um exemplo é a EC 109/2021 (PEC Emergencial), que permitiu, entre 2021 e 2022, a destinação do superávit financeiro das fontes de recursos dos fundos públicos à amortização da dívida pública.

Mas não só. O TCU cita também a EC 127/2022, que permitiu o uso dos recursos do FS para custeio do piso de categorias da saúde entre 2023 e 2027 – embora, nesse caso, a lei que trata do piso da enfermagem seja objeto de judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) e a destinação do dinheiro do fundo para esse fim, portanto, seja ainda incerto.

“(…) o que se percebe é que, além de não ter tido sua governança criada até hoje, as regras referentes ao uso dos recursos do Fundo Social mudam com certa frequência, tendo o potencial de exaurir os recursos que deveriam ser utilizados para criação de uma poupança de longo prazo”, cita o acórdão do TCU, sob a relatoria do ministro Antonio Anastasia.

O futuro multibilionário do Fundo Social

A estimativa, cita o órgão de controle, é que o FS arrecade R$ 968 bilhões entre 2023 e 2032. Por isso, defende o Tribunal, é fundamental que o Poder Executivo regulamente as estruturas de governança do fundo, previstas pela Lei 12.351/2010.

Mesmo após 13 anos de criação do FS, ainda não foram criados o Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social, responsável por definir e gerir a política de investimentos do fundo; nem o Conselho Deliberativo do Fundo Social, que cuidaria da destinação dos recursos resgatados.

O FS tem sido tema presente nas discussões do Gás para Empregar, dentro do governo. O programa virá acompanhado por mudanças legislativas para permitir o swap (permuta) de óleo da União por volumes adicionais de gás natural a serem ofertados por meio da PPSA.

A comercialização do óleo da União deve se consolidar como principal fonte de receitas do FS. Uma preocupação compartilhada por lideranças políticas da base do governo nas discussões do Gás para Empregar é que o swap não comprometa a arrecadação final do Fundo.

O Ministério de Minas e Energia (MME) entende que seria possível vender o gás natural da União, no ponto de entrega às distribuidoras, entre US$ 7 e US$ 8 o milhão de BTU, com ganhos de arrecadação para o FS.

TCU questiona sustentabilidade do fundo

Pela lei 12.858/2013, 50% da arrecadação do fundo deverá ser destinada diretamente para a educação pública e saúde – embora, na prática, o dinheiro esteja indo somente para a educação. Portanto, apenas metade dos recursos recebidos pelo FS é usado, de fato, para sua capitalização.

O TCU questiona a sustentabilidade dessa destinação legal. Segundo o Tribunal, a legislação de 2013, representou “uma redução substancial do capital principal do FS”.

E cita que a lei 12.351/2010 (da partilha) preconiza que os recursos do fundo deverão resultar “do retorno sobre o capital” – ou seja, seus rendimentos financeiros.

“(…) a constituição do fundo se dá a partir de uma fonte finita e não renovável, sendo necessário fazer com que o ‘bolo’ cresça sem que o seu capital principal seja diminuído. Dever-se-ia, portanto, priorizar a aplicabilidade do art. 51 da lei 12.351/2010, para que novos rendimentos fossem gerados, de modo a garantir uma perpetuidade de receita que se obtém através da exploração de recursos que são escassos e um dia irão findar”, cita o TCU.