BRASÍLIA – A incorporação das mudanças que a regulamentação da reforma tributária trouxe vai levar as empresas do setor de energia a ter que revisar contratos, adaptar sistemas fiscais e capacitar equipes. O cenário vai exigir preparo das companhias para conviver com os dois sistemas durante a transição.
A introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS) vai exigir adaptação, pois substituem antigos impostos, como o ICMS, ISS, PIS e Cofins.
A reforma trouxe alterações importantes para o setor de energia, petróleo, gás e combustíveis.
O petróleo e o gás natural foram incluídos na lista de bens sujeitos ao IS e no regime especial para combustíveis — ou seja, o recolhimento do IBS e CBS no início da cadeia produtiva, com alíquotas uniformes em todo o território nacional.
A indústria do gás tentou derrubar a inclusão do energético na monofasia desde a tramitação no Congresso, mas sem sucesso.
Para Pedro Siqueira, advogado especialista em direito tributário do escritório Bichara Advogados, a também vai transição vai exigir mapeamento de impactos financeiros.
“A convivência dos dois sistemas será caótica. Pelos próximos oito anos, estaremos em reforma, mas sem a placa de ‘desculpe o transtorno’. Infelizmente, o contribuinte terá que operar os dois sistemas simultaneamente, cumprir todas as obrigações acessórias e arcar com custos de compliance ainda maiores — tudo para evitar multas e penalidades tributárias”, pontuou Siqueira.
Planejamento tributário
Segundo a vice-presidente de finanças e investimentos da Ocyan, Helena Ramos, um dos pontos centrais para harmonizar a antiga e a nova legislação tributária é a necessidade de ajustar sistemas operacionais, revisar contratos e obrigações acessórias e reavaliar o planejamento tributário.
“Mudar sistemas operacionais é sempre complexo e demorado, principalmente pela convivência de dois sistemas tributários e há também grande incerteza sobre a maneira como será implementado o split payment e o impacto no fluxo de caixa da empresa”, disse.
As companhias também vão precisar alinhar as modificações com a cadeia de supridores.
“Teremos ainda que nos certificar que nossos fornecedores estejam cientes sobre o impacto da reforma no preço deles, bem como negociar com nossos clientes, e isso requer um grande trabalho para todas as áreas da empresa”, acrescentou Ramos.
- Split payment é um mecanismo de pagamento em que o valor da transação é automaticamente dividido entre o vendedor e a autoridade fiscal no momento do pagamento. A medida garante a arrecadação dos impostos e reduz a sonegação.
Monofasia dos combustíveis
O etanol também entrou no regime da monofasia. Enquanto o setor de gás se mobilizou contra a cobrança em um único elo da cadeia, o mercado sucroenergético comemorou a mudança, que torna o biocombustível mais competitivo contra a gasolina.
Segundo Siqueira, a monofasia é uma sistemática de tributação aplicada aos combustíveis com o objetivo de evitar a sonegação e fraudes na cadeia do setor, além de, naturalmente, simplificar a arrecadação e garantir mais transparência ao consumidor.
“O setor de gás natural alega que esse modelo seria incompatível com a complexidade do mercado regulado de distribuição de gás. Isso porque, segundo o setor, inexiste risco significativo de sonegação ou fraude em sua comercialização, dado que a movimentação ocorre por meio de sistemas de gasodutos contínuos e herméticos, o que facilita o controle e a fiscalização”, disse.
Segundo o advogado, especializado no setor de energia, a regulamentação combate a “guerra fiscal” entre os estados, que ocorria no mercado de combustíveis. O regime específico de combustíveis foi estruturado com base sobretudo nos pilares da simplificação, racionalização e transparência.
“Após a transição, é esperado o fim da guerra fiscal entre os entes federativos, já que a alíquota será única em todo o território nacional e seguirá as mesmas regras”, afirmou.
Para o advogado, haverá desafios significativos durante a transição do ICMS, especialmente no caso do etanol hidratado. O biocombustível estará sujeito simultaneamente ao IBS e CBS e ao regime plurifásico do ICMS entre 2028 e 2033.
“Isso pode gerar conflitos e dificuldades de implementação”.
Petróleo e refino
Para o advogado, o benefício do regime diferenciado da Zona Franca de Manaus (ZFM) para a Refinaria da Amazônia (Ream) tem chances de ser derrubado no Supremo Tribunal Federal (STF).
O fato de o ministro Luís Roberto Barroso já ter decidido que o setor de petróleo e lubrificantes não teria direito ao regime da ZFM pesa contra o artigo da lei que incluiu a Ream na exceção.
“O benefício fiscal à indústria de refino na Zona Franca de Manaus contraria legislação que busca preservar o diferencial competitivo da ZFM, que historicamente não abrange este setor. Também fere a Emenda Constitucional 123/22 à medida que prejudica os biocombustíveis ao desonerar derivados fósseis. Por fim, falta justificativa econômica ou social, pois atende exclusivamente empresas da ZFM, em detrimento de outras regiões”, explicou.
Seguindo a lógica de que o Brasil não irá exportar tributo, Siqueira avalia como provável a derrubada do veto que tirou a isenção do IS para exportações.
A exclusão do dispositivo no texto sancionado gerou reação do setor de petróleo, que pressiona o Congresso pela derrubada do veto.