Cidades sustentáveis

Prefeitos desperdiçam potencial energético dos resíduos urbanos

Ausência de políticas para aproveitamento energético de resíduos reflete nas campanhas eleitorais de 2024

Abiogás contesta setor de resíduos, representado pela Abren, em disputa sobre soluções para o lixo, entre elas a incineração para produção de energia (ou waste to energy). Na imagem: Aterro Sanitário de Brasília, entre Ceilândia e Samambaia; com área de 760 mil m², dos quais 320 mil são destinados a receber rejeitos (Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília)
Aterro Sanitário de Brasília, entre Ceilândia e Samambaia; com área de 760 mil m², dos quais 320 mil são destinados a receber rejeitos (Foto: Gabriel Jabur/Agência Brasília)

RIO — Em meio ao crescente debate sobre mudanças climáticas e transição energética, um recurso valioso permanece negligenciado por muitas prefeituras brasileiras: os resíduos sólidos urbanos

O lixo produzido nas cidades, que poderia ser transformado em biogás, biometano e eletricidade, continua sendo descartado em aterros e lixões, sem aproveitamento energético.

A falta de políticas efetivas para a gestão desses resíduos, especialmente em relação à geração de energia, reflete-se nas campanhas eleitorais de 2024.

Segundo levantamento da agência eixos, entre os 11 candidatos que venceram no primeiro turno das eleições municipais em capitais brasileiras, nenhum mencionou a utilização dos resíduos urbanos para a produção energética, conforme verificado em seus programas no Tribunal Superior Eleitoral. 

Já entre as 15 capitais que foram para o segundo turno, apenas candidatos de seis cidades apresentaram propostas nesse sentido, o que demonstra um desafio significativo para o país, que poderia utilizar os resíduos para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, além de gerar eletricidade e combustíveis limpos. 

“Podemos ter cidades 100% sustentáveis. Considerando as mudanças climáticas e os efeitos para a população, entendemos que o tema da transição energética e adaptação climática deveria ser prioridade na agenda de prefeitos”, afirma Renata Beckert Isfer, presidente executiva da Associação Brasileira de Biogás (ABiogás), à agência eixos

Resíduos são parte da solução climática

Para Isfer, os resíduos são uma solução estratégica para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. 

“Os resíduos orgânicos são responsáveis por grande parte da emissão de metano, um dos gases mais danosos para o clima. E temos a solução que é o aproveitamento deste metano como uma fonte renovável de energia, que é o biometano”, afirma. 

Ela defende que os municípios invistam na separação dos resíduos orgânicos para a produção de biometano, que poderia substituir combustíveis fósseis no transporte público.

Além do impacto ambiental positivo, a produção de biogás e biometano oferece uma oportunidade econômica para os municípios. 

“O biogás pode ser utilizado na própria cidade, substituindo combustíveis fósseis em termelétricas e abastecendo a frota municipal, em substituição ao diesel”, explica Isfer. 

“Quando você olha para cidades como Presidente e Ribeirão Preto, é possível fazer toda a mobilidade utilizando insumos agrícolas da região. Já na cidade de São Paulo, os aterros existentes são suficientes para abastecer toda sua frota de ônibus”, destaca. 

A presidente da Abiogás sugere que pequenos municípios poderiam formar consórcios para diluir os custos de implantação e maximizar os benefícios da recuperação energética.

Contudo, muitas prefeituras ainda alegam falta de recursos financeiros para investir em soluções de energia limpa, sendo necessário incentivos da esfera federal. 

Ela cita como exemplo a necessidade de rever linhas de financiamento que hoje só contemplam a rota da eletrificação para descarbonização do transporte público

“O Brasil tem uma riqueza que permite a eletrificação e uso de biometano para descarbonização do transporte. É importante que o próprio Ministério de Meio Ambiente permita que o financiamento também possa ser direcionado a transporte a biometano, trazendo o foco para todas as opções de mobilidade urbana de baixo carbono”, defende. 

Prefeituras são responsáveis pelo de manejo de resíduos sólidos 

Yuri Schmitke, presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), alerta para a responsabilidade dos municípios na gestão do lixo urbano. 

“As prefeituras têm a competência legal de gerir a atividade de manejo de resíduos sólidos, desde a coleta, transporte até a destinação final”, afirma Schmitke. 

Mas a maior parte dos resíduos, principalmente os orgânicos, que poderiam ser convertidos em biogás ou utilizados para produção de eletricidade, ainda acaba em aterros ou lixões. 

“O biometano e a recuperação energética são as únicas fontes que podem eliminar parte significativa do metano que provém dos resíduos urbanos, que atualmente respondem por 30% a 43% das emissões totais”, explica Schmitke. 

Ele lembra que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares) tem a meta de alcançar 994 MW de potência instalada em usinas de recuperação energética (UREs), até 2040, além de 257 MW de biogás capturado em aterros e 69 MW de biodigestão anaeróbica de resíduos sólidos urbanos. 

Schmitke aponta que enquanto há 3.035 usinas que transformam o lixo não reciclável em energia elétrica em todo o mundo, o Brasil ainda está em processo de construção de sua primeira usina, em Barueri (SP). 

“Poucos municípios têm colocado em suas campanhas o tema da recuperação energética. É necessário uma divulgação mais ampla, bem como a conscientização dos prefeitos acerca do rápido esgotamento dos aterros sanitários e da dificuldade em achar novos espaços para enterrar o lixo urbano”.

O presidente da Abren sugere que, para viabilizar projetos desse tipo, os municípios poderiam participar de leilões de energia, garantindo a viabilidade econômico-financeira dessas iniciativas. Além disso, a associação defende a inclusão do aproveitamento energético de resíduos dentro do PL 327/2021 que cria o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten).

“Temos que criar os instrumentos econômicos para que os prefeitos possam implementar esses projetos e, assim, atender a uma transição energética justa e inclusiva, com a participação de cooperativas de catadores no processo”, defende.

Candidatos com propostas para aproveitamento energético de resíduos 

Em Porto Alegre (RS), Maria do Rosário (PT) propõe a “criação de usinas de compostagem para a geração de energia a partir de resíduos orgânicos por meio de usinas de biogás, envolvendo tanto a iniciativa privada quanto instituições de pesquisa”.

Já em São Paulo (SP), Ricardo Nunes (MDB) defende “o uso de biometano em veículos e a promoção de uma matriz energética mais limpa e diversificada a partir do aproveitamento dos resíduos sólidos urbanos”.

Em Porto Velho (RO), o candidato Leo (Podemos) menciona que vai “investir em fontes de energia renovável, com foco na geração de energia a partir de biomassa”.

Na cidade de Palmas, ambos os candidatos abordam a questão dos resíduos e da energia. 

Janad Valcari (PL) promete “realizar um estudo de viabilidade para elaboração do programa para geração de energia com resíduos sólidos urbanos, a partir de uma Parceria Público-Privada (PPP)”, enquanto Eduardo Campos (Podemos) propõe “buscar parcerias para implantação da Usina Energética de Resíduos”. 

Em Natal, Paulinho Freire (União) sugere a criação de “um Centro de Tratamento de Resíduo (CTR), incluindo a separação mecanizada de resíduos, de modo que somente os rejeitos sejam aterrados, permitindo o aproveitamento energético do biogás”.

Em Aracaju, Luiz Berti (PDT) defende a implementação de uma “usina de bioenergia de soluções sustentáveis para processamento de resíduo sólido urbano, transformando-o em composto biossintético industrial (CBSI), que pode ser utilizado como combustível, gerando energia de forma limpa, sustentável e renovável”.