BRASÍLIA – O Ministério de Minas e Energia (MME) espera editar ainda em agosto uma portaria para instituir o Potencializa E&P, novo programa anunciado em 2023 para dar continuidade aos fóruns de discussão criados nos governos passados para tratar de políticas para os produtores independentes. O documento está na Casa Civil.
O MME pretendia levar a proposta para discussão no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), mas a discussão não avançou nas duas reuniões de 2023.
Há temas sensíveis para área ambiental do governo, liderada pela ministra Marina Silva (Rede). O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), pretende abrir a exploração de óleo e gás natural não convencional em terra, com o uso da técnica de fraturamento hidráulico.
Isso está na agenda do Potencialize E&P e também do Gás para Empregar, que teria seus relatórios aprovados na semana passada, mas a reunião foi adiada em razão dos eventos com a Petrobras no Paraná e o presidente Lula (PT).
E uma questão fiscal: o segmento tenta convencer o conjunto do governo que pela natureza do campos maduros e de economicidade marginal, a cobrança de royalties poderá reduzir investimentos. E, com menos óleo, arrecadar menos para estados e municípios.
As junior oils, como apelidou a Faria Lima, reverteram o declínio da produção em campos terrestres e na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, duas frentes em que a Petrobras reduziu sua presença, seja pela venda de ativos ou concentração de investimentos no pré-sal.
É um segmento que cresceu em ondas, mas acelerou com a liquidação de campos da Petrobras, especialmente no Nordeste, interrompida com a mudança de governo, como propôs o PT desde a campanha.
Passa agora por um novo momento, de consolidação, com empresas listadas em bolsa e que representam parcelas significativas da produção em algumas regiões do país.
O Plano Decenal de Expansão de Energia 2034, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mostra que a produção brasileira cresce, mas não se sustenta.
A produção de petróleo se ampliará até 2030, mas não se mantém ao longo do decênio, sendo 94% oriunda de recursos descobertos.
Conforme a EPE, há grandes oportunidades para o gás natural, com a produção líquida aumentando 139% até 2034, com expectativa de crescimento de 46% da produção onshore brasileira em relação à de 2023.
A abertura do ambiente onshore para estes novos players também significa a revitalização de toda a cadeia produtiva associada. Por exemplo, em 2018 foi perfurado o último poço exploratório em terra pela Petrobras.
Desde então, 80 poços exploratórios foram perfurados por 10 operadores diferentes em 7 bacias. Atualmente, produtores independentes são responsáveis por metade da produção em terra.
A EPE registra que a produção nos campos terrestres ocorre, em geral, em municípios de baixa renda, cujas economias são fortemente dependentes de royalties.
Esses investimentos respondem, inclusive, com a melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dessas localidades.
Diante desse cenário, o MME promoveu uma reunião de trabalho sobre a competitividade dos produtores independentes de petróleo e gás natural e abriu consulta pública para colher sugestões que apoiem o desenvolvimento e competitividade.
A tomada pública de contribuições, aberta até 26 de agosto, demonstra os 14 pontos na ordem do dia do MME, em alinhamento com o setor.
Dentre eles estão incentivos para aumentar a participação de empresas de pequeno e médio porte e a produção em campos maduros e acumulações de economicidade marginal.
Além da viabilização da exploração e produção de recursos não convencionais e melhoria do edital do Poço Transparente, um projeto que ainda não se materializou. Desde o governo Bolsonaro, o MME tenta desenvolver a proposta de monitoramento de poços com fraturamento hidráulico.
“Só produz por causa do produtor independente”
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás (Abpip), Márcio Félix, afirmou à agência epbr que parte da produção nacional de petróleo só ocorre porque há atuação dos produtores independentes, em locais que os campos que as grandes petroleiras não têm interesse de explorar.
“Se a gente imaginasse que não existissem empresas independentes, a gente praticamente não teria produção no Rio Grande do Norte, em Sergipe, em Alagoas, no Maranhão, em terra, no Espírito Santo e em vários lugares no Brasil”, comentou Félix.
Para o presidente da Abpip, sem a atuação dos independentes nesses campos maduros e marginais, o Brasil estaria num “grande programa de descomissionamento”.
Com a vida útil prolongada por meio de tieback e renovação de concessões iniciais da rodada zero, há pouca oferta de novas oportunidades de exploração para os produtores independentes.
“A gente está com poucas áreas em oferta e com restrições ou letargias ambientais. Este ano, não vamos ter leilão e a ANP está falando em fazer uma depuração e tirar mais áreas que têm menor chance de licenciamento. Então estamos ficando com pouca oferta. A gente está chegando uma ‘entressafra’ entre ter descobertas significativas e projetos em produção”, comparou.
Preço de referência
Outro ponto abordado na reunião e defendido pela Abpip é o estabelecimento de critérios diferenciados quanto ao preço de referência para os produtores independentes.
A associação cita um acordo feito no Supremo Tribunal Federal (STF), em ação movida pelo estado do Rio de Janeiro, para a criação de mecanismo de transição, que acabou sendo modificado por decreto no fim do governo Bolsonaro.
“A estabilidade que a gente procurou criar foi mexida, mas não se chegou a um resultado final, que está na mão da ANP”, disse Félix.
Em 2023, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (ANP) aprovou a realização de nova consulta pública para a proposta de revisão do preço de referência do petróleo, base de cálculo da cobrança de participações governamentais.
A diferenciação dos campos maduros e empresas de menor porte, contudo, não avançou. E produtores independentes têm demonstrado preocupação com a revisão da metodologia, motivada pela valorização de correntes de óleo com teor de enxofre menor.
E na Câmara, tramita o PL 50/2024, de autoria do deputado Hugo Leal (PSD/RJ) que estabelece que deverão levar em consideração os preços de mercado e as regras de preço de transferência – adotado em operações financeiras internacionais. Aguarda parecer do relator, deputado Gabriel Nunes (PSD/BA).
O projeto do deputado e ex-secretário de Energia e Economia do Mar do Rio de Janeiro conta com o apoio de estados e municípios que recebem royalties e de refinarias privadas, que têm interesse na pauta no contexto do desestímulo à exportação de óleo cru.
O Ministério da Fazenda também tem cobrado celeridade na revisão do cálculo dos preços de referência e apoia a discussão na Câmara dos Deputados.
Produção não convencional
Em audiência na Comissão de Minas e Energia da Câmara, o ministro Alexandre Silveira voltou a defender a produção de gás não convencional no Brasil.
“Que contribuição nós estamos dando para o planeta, se nós importamos gás dos Estados Unidos desde 1971? Nós estamos discutindo trazer o gás não convencional de Vaca Muerta e nós não podemos estudar os nossos potenciais gasíferos, que são uma realidade no Brasil, em consequência de uma visão meramente ambiental”, criticou.
Ambientalistas e o agronegócio condenam a prática, alegando competição por recursos hídricos e risco de contaminação de lavouras, aquíferos subterrâneos e impactos à qualidade do ar e à saúde.
A defesa de Silveira pela exploração não convencional encontra amparo da Casa Civil. O diretor do Programa de Parceria de Investimentos, João Henrique Lima do Nascimento, comentou que o Brasil poderia substituir as importações de gás natural liquefeito (GNL) a partir da exploração dessas reservas.
“A exploração dos recursos não convencionais é tema relevante, sobretudo devido à revolução energética que ocorre nos EUA, o que faz com que esse tema tenha um caráter estratégico”
Para o presidente da Abpip, os produtores independentes têm potencial para abrir esses caminhos nas áreas em que já estão instalados, com possibilidades no Recôncavo e na Bacia do Parnaíba, em especial.
Sobre a dificuldade de licenciamento, Márcio Félix acredita que a falta de previsibilidade afeta o desenvolvimento de projetos. “Como alguém vai investir em explorar e depois não ter a autorização para desenvolver a produção? Só gastar, descobrir, constatar e não ir para frente?”, questionou.
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