Opinião

Mercado de carbono regulado: os desafios para a implementação do sistema em 2025

Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões depende de regulamentação para definir limites, órgão gestor e integração com o mercado voluntário, escrevem Claudia Hori, Gabriela Mello, Guilherme Mota e Felipe Boechem

Apesar da tão aguardada aprovação do projeto de lei que institui o mercado regulado de carbono no Brasil, a questão central permanece: o país conseguirá implementar com sucesso a lei federal n° 15.042/2024, e implementar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE)?

Em síntese, o SBCE consiste em um sistema que visa a reduzir e a mitigar as emissões de gases de efeito estufa, configurando-se como um instrumento econômico projetado para incentivar comportamentos sustentáveis e corrigir de falhas de mercado, como as externalidades ambientais, especialmente em países com grande extensão territorial como o Brasil.

Vale mencionar que apesar da recente aprovação representar passo importante para o mercado regulado, espera-se que o mercado voluntário para o comércio de créditos de carbono, já consolidado no país, continue desempenhando um papel importante no mercado de carbono brasileiro. 

O SBCE segue a dinâmica dos sistemas de cap-and-trade, já consolidados na Califórnia e na União Europeia, estabelecendo um limite para as emissões de dióxido de carbono. Empresas que excederem esse limite serão obrigadas a reduzir suas emissões e/ou compensar por meio da aquisição de cotas de emissão e/ou da compra de créditos de carbono.

Estrutura e lacunas regulatórias

A lei federal prevê, em resumo, que estarão sujeitos à regulação do SBCE os operadores responsáveis pelas instalações e pelas fontes que emitam: 

  1. acima de 10.000 tCO2 e (dez mil toneladas de dióxido de carbono equivalente) por ano, os quais estarão sujeitos à apresentação do plano de monitoramento e envio de relato de emissões e remoções de gases de efeito estufa; e 
  2. acima de 25.000 tCO2 e (vinte e cinco mil toneladas de dióxido de carbono equivalente) por ano, os quais, além das obrigações acima, deverão enviar relatórios de conciliação periódica de obrigações, ou seja, caso ultrapassem o limite de emissões, a ser definido no Plano Nacional de Alocação (PNA), deverão informar a redução e/ou compensação realizadas.

Apenas estarão sujeitas a tais obrigações as atividades para as quais existam metodologias de mensuração, relato e verificação, a serem definidas pelo órgão gestor do SBCE em regulamento futuro.

Contudo, não fica claro se os volumes de CO2 dizem respeito a uma fonte individual ou se busca contemplar, por exemplo, um grupo econômico. O esclarecimento deste ponto é essencial para que os setores econômicos possam se planejar e traçar suas estratégias para descarbonização

Adicionalmente, a lei exclui expressamente as atividades de produção primária agropecuária, bem como as unidades de tratamento e destinação final ambientalmente adequada de resíduos sólidos e efluentes líquidos. Entretanto, a lei não traz especificações acerca da participação desses setores no mercado voluntário e qual será seu papel no mercado regulado.

O órgão gestor do SBCE, que possui atribuições de extrema relevância para a operacionalização e efetividade do SBCE, também não foi definido pela lei e a sua composição foi deixada para regulamentação futura.

Recentemente, representantes do governo sinalizaram que seus técnicos teriam concluído que a melhor opção seria a criação de uma nova agência reguladora, por conta da complexidade do tema e para conferir maior independência ao ente. Adicionalmente, representantes do Ministério da Fazenda informaram que vislumbram a agência vinculada à pasta. 

Também é importante relembrar que, recentemente, as discussões sobre a regulamentação do mercado global de créditos de carbono previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris avançaram significativamente.

Quanto ao tema, a lei prevê que o uso de créditos de carbono gerados no país para transferência internacional de resultados de mitigação será condicionado à autorização prévia da autoridade nacional designada. Assim, ainda há pontos de dúvida quanto à sua natureza e interoperabilidade (e respectivas restrições) entre o mercado regulado nacional e o mercado global.

Essas são algumas das inúmeras lacunas que a lei deixa para serem definidas em regulamento.

Oportunidades e desafios

Embora a operacionalização do SBCE dependa de regulamentações específicas que ainda estão por vir, as empresas já podem começar a se preparar para o novo cenário.

A implementação do mercado regulado de carbono cria tanto desafios quanto oportunidades, exigindo um planejamento estratégico atento e uma postura proativa.

Por um lado, as empresas potencialmente impactadas precisarão adaptar-se às exigências do SBCE.

Por outro, a legislação abre espaço para oportunidades significativas, incluindo a possibilidade de geração de créditos de carbono, especialmente para empresas que conseguirem antecipar ações de descarbonização e contribuir para a transição para uma economia de baixo carbono

Esse aspecto é particularmente relevante para os setores que foram excluídos dos limites de emissões e possuem enorme potencial para geração de créditos de carbono, como a adoção de práticas sustentáveis de agricultura, recuperação de pastagens, integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e manejo regenerativo do solo.

Nesse contexto, a participação ativa das empresas nas discussões sobre as regulamentações futuras é fundamental.

O engajamento no processo regulatório permitirá que as normas sejam ajustadas de forma a atender às necessidades práticas dos diferentes setores econômicos, garantindo maior clareza, viabilidade e eficiência na aplicação das obrigações e incentivos previstos.

Além disso, o alinhamento entre o mercado regulado e o mercado voluntário será um ponto chave. As metodologias e critérios adotados pelo SBCE terão impacto direto sobre projetos já existentes, e será necessário assegurar que os dois mercados possam coexistir de maneira complementar.

Estudos conduzidos pela consultoria McKinsey indicam que o Brasil possui o potencial de movimentar bilhões de reais com a transição para uma economia verde, além de gerar cerca de 6,4 milhões de empregos até 2030.

Diante disso, o sucesso da implementação do SBCE dependerá de regulamentações bem elaboradas, que, por sua vez, dependerão do envolvimento colaborativo entre governo, empresas e demais stakeholders em sua elaboração. Tal interação será determinante para construir um mercado de carbono robusto, capaz de impulsionar o desenvolvimento sustentável no Brasil.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Claudia Hori é advogada do Lefosse, especialista da prática de Ambiental.

Gabriela Mello é advogada do Lefosse, especialista da prática de Ambiental.

Guilherme Mota é sócio de Ambiental do Lefosse.

Felipe Boechem é sócio de Óleo e Gás do Lefosse.

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