Um estudo elaborado pela Fundação Ellen MacArthur questiona a capacidade do GHG Protocol — principal metodologia usada por empresas para contabilizar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) — de refletir com precisão os benefícios climáticos de práticas circulares, como a reutilização, reparo e prolongamento da vida útil de produtos.
Em entrevista à agência eixos, o analista sênior de pesquisas da Fundação Ellen MacArthur João Merico afirma que, desde 2019, a instituição demonstra que cerca de metade das emissões de GEE pode ser abatida por meio da economia circular, e a outra metade via transição energética.
E que a motivação para o estudo Melhorando a contabilização das emissões climáticas para acelerar a transição para a economia circular, veio justamente da frustração de empresas que, apesar de adotarem práticas de economia circular, não viam suas reduções de emissões reconhecidas em inventários de carbono
“As organizações estavam colocando esforços em economia circular e a contribuição da economia circular para abater as emissões simplesmente não estava aparecendo”, conta Merico.
Hoje, o Protocolo GHG inclui uma definição de reciclagem e uma metodologia para contabilizar suas emissões associadas, no entanto, a orientação não define a economia circular, nem oferece definições de abordagens circulares além da reciclagem que mantêm produtos e materiais em uso e regeneram a natureza.
O estudo destaca que, atualmente, há uma abordagem agnóstica em que “uma tonelada de CO2 pode resultar de uma atividade que polui, degrada a natureza e esgota os recursos naturais, ou de uma atividade semelhante realizada de uma forma que tenha benefícios associados mais amplos, como manter materiais em circulação por mais tempo e regenerar ecossistemas naturais”.
A Fundação Ellen MacArthur faz parte do grupo técnico responsável por propor mudanças e, segundo Merico, essa revisão acontecerá ao longo de 2025, com uma consulta pública global prevista para 2026.
Regras feitas para uma economia linear
O GHG Protocol, desenvolvido nos anos 1990, foi construído com base em uma lógica linear de produção e consumo, isto é, fabricar, usar e descartar.
Contudo, de acordo com Merico, essa abordagem gera distorções quando se aplicam os mesmos critérios a produtos circulares.
Ele cita como exemplo o caso de um fabricante de telefones. Segundo as regras atuais, ao vender um aparelho, a empresa precisa contabilizar todas as emissões estimadas do uso futuro do produto — como o consumo de energia durante o carregamento — em um único momento, no ato da venda.
Isso significa que um telefone feito para durar 15 anos pode parecer mais poluente que outro feito para durar apenas cinco, porque carrega um volume maior de emissões “futuras” desde o início, o que acaba penalizando quem faz produtos mais duráveis.
“O que propomos é que as emissões sejam relatadas ano a ano. Isso vai fazer com que você consiga comparar de forma mais fiel à realidade o produto durável ao produto que não dura”, explica.
“Os dois, provavelmente, ter a mesma emissão por ano, mas a empresa que produz um produto que não dura vai produzir mais telefones ao longo do prazo e, portanto, tem um impacto maior”, completa o especialista.
Incineração para geração de energia
Merico também chama a atenção para as diretrizes que, atualmente, permitem que a incineração de resíduos para a geração de energia não reporte emissões.
Se um produto é incinerado ao fim de sua vida útil e essa queima gera energia, a empresa que colocou o produto no mercado pode deixar de relatar as emissões geradas nesse processo — mesmo que ela não consuma essa energia.
“Se a empresa consumir essa energia, ela vai relatar as emissões dessa energia e neste caso não tem problema. Mas, queremos que a empresa que não consome essa energia da incineração desse produto relate essas emissões”, explica.
No fim, a ideia é evitar que a incineração seja o destino preferido de determinados produtos, antes que se pense em outras medidas circulares mais sustentáveis, como design de produtos, reutilização, e práticas regenerativas.
A Fundação Ellen MacArthur calcula que no setor automotivo, por exemplo, o design de carros com menos materiais e estruturas mais leves poderia reduzir as emissões em 89 milhões de toneladas de CO2 por ano.
Já a adoção de embalagens reutilizáveis e retornáveis nos setores de cuidados pessoais, bebidas e alimentos poderia representar uma redução de emissões entre 35% e 70% em comparação com as embalagens descartáveis atuais.
Agricultura regenerativa e biocombustíveis
O relatório também aborda setores específicos, como a agricultura, em que a Fundação defende que práticas como a agricultura regenerativa — que pode capturar carbono do solo — sejam devidamente reconhecidas nos relatórios de emissões.
No setor agrícola, a aplicação de práticas regenerativas, como o uso de cultivos de cobertura e fertilizantes orgânicos, pode reduzir significativamente as emissões associadas ao cultivo de alimentos e biomateriais, ao mesmo tempo em que aumenta a capacidade de sequestro de carbono do solo, proporcionando um benefício estimado de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente por ano até 2050.
“O sequestro de carbono a partir da agricultura é algo que sim pode ser refletido nos relatórios e isso está dentro das questões da economia circular com toda certeza”, pontua Merico.
Isso permitiria, por exemplo, que biocombustíveis oriundos de cultivos sustentáveis ganhassem maior atratividade no mercado de carbono.
Merico explica que parte dessas diretrizes específicas ainda está em desenvolvimento, mas confirma que há espaço para esse tipo de contabilização.