Opinião

Planejamento Espacial Marinho: ferramenta-chave para alinhar o uso do mar à ação climática

PEM pode organizar usos do território marítimo, apoiar a transição energética e conectar o Brasil às metas climáticas, avalia Julia Paletta

Julia Paletta é diretora-país da Ocean Energy Pathway — OEP (Foto Divulgação)
Julia Paletta é diretora-país da Ocean Energy Pathway — OEP (Foto Divulgação)

Você já parou para pensar em como usamos o mar? Pesca, transporte, turismo, exploração de petróleo, energia renovável… tudo ocorre no mesmo espaço marítimo. Como evitar conflitos de uso, proteger ecossistemas e ajudar o Brasil a cumprir suas metas climáticas?

Tal pergunta se torna ainda mais urgente quando consideramos que os oceanos são nossos maiores aliados no combate às mudanças climáticas, já que absorvem grande parte do CO2 e do calor gerado pela atividade humana.

Manguezais e recifes sequestram carbono, abrigam biodiversidade e protegem comunidades litorâneas contra eventos climáticos extremos. Preservar esses serviços é essencial para a ação climática.

A resposta para proteger os oceanos, manter seus serviços ecossistêmicos e organizar os diversos usos do espaço marítimo está em um instrumento que tem ganhado cada vez mais relevância no mundo: o Planejamento Espacial Marinho.

O PEM funciona como um grande plano diretor. A ideia é mapear, organizar e coordenar os diferentes usos e interesses no território marinho, com base em dados, ciência e participação social.

No Brasil, o governo federal começou recentemente a desenvolver seus primeiros PEMs regionais, com foco inicial nos estados do Ceará, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. A iniciativa é liderada pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e promete abrir caminho para um novo capítulo na governança dos nossos mares.

Mas o PEM não pode ser apenas um catálogo de usos. Ele precisa ter um papel mais ambicioso, sendo um instrumento a serviço da política climática e da transição energética.

O Brasil, por exemplo, é um dos principais produtores de petróleo offshore do mundo e, ao mesmo tempo, busca acelerar o desenvolvimento de fontes renováveis. Essa transição precisa ser planejada com responsabilidade ambiental e social — e o PEM pode ser o mapa que nos ajuda a navegar com mais clareza.

Mais do que evitar conflitos, o PEM ajuda a visualizar trade-offs entre interesses distintos, como áreas para turismo ecológico versus petróleo, ou regiões de bons ventos versus comunidades pesqueiras, mostrando onde sobreposições ocorrem e apoiando decisões mais equilibradas.

Países como Portugal, Bélgica e Noruega usam o PEM para acelerar a descarbonização, definindo zonas prioritárias para renováveis e integrando critérios ambientais. O Brasil pode, e deve, seguir esse caminho.

Nesse contexto, emerge o conceito de NDCs azuis: compromissos nacionais com metas climáticas que integram a proteção do oceano. À medida que os países atualizam suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), cresce a expectativa de que incluam metas específicas para áreas marinhas e costeiras.

O PEM pode ser o elo entre ambição climática e implementação prática, ajudando a definir áreas prioritárias para conservação, geração de energia renovável, usos econômicos compatíveis e zonas de restauração ecológica.

Para cumprir esse papel, o planejamento não pode ser neutro. Hoje, a maior parte da produção de petróleo e gás no país ocorre no mar. À medida que a emergência climática empurra o mundo para longe dos combustíveis fósseis, é inevitável que o Brasil repense como utilizará esse território marinho nas próximas décadas.

É aí que o PEM pode se tornar um instrumento estratégico de transição.

Ele pode antecipar os trade-offs entre atividades fósseis e tecnologias emergentes (como geração de energia elétrica renovável), dar transparência aos conflitos de uso e apoiar a reorientação do espaço marinho para novas oportunidades econômicas, como energias renováveis oriundas dos ventos e das marés, aquicultura sustentável, biotecnologia marinha e turismo de baixo impacto.

O PEM brasileiro pode ser pioneiro em ordenar o processo de phase down da exploração de combustíveis fósseis, enquanto promove um phase-up de usos compatíveis com uma economia azul de baixo carbono — em uma coordenação que, além da geografia, inclui critérios sociais, ambientais e econômicos para priorizar usos que tragam benefícios amplos para o país, respeitando limites ecológicos.

Se bem conduzido, com transparência, participação e rigor técnico, o PEM pode ser a engrenagem de uma virada histórica: transformar o oceano de fronteira de exploração em espaço de inovação e regeneração.

Integrar esse instrumento à estratégia climática do país e às discussões da COP30 é não apenas uma oportunidade, mas uma necessidade para quem leva a sério o futuro do Brasil e do planeta.


Julia Paletta é diretora-país da Ocean Energy Pathway (OEP).

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