Opinião

O papel do setor de seguros, resseguros e previdência privada no desenvolvimento do mercado de carbono brasileiro

Lei do mercado de carbono gera polêmica ao obrigar seguradoras a investir 0,5% de reservas em ativos verdes. Setor contesta regra no STF e alerta para risco de liquidez, escrevem Luciana Prado, Amanda Correa, Gabriela Mello e Nina Meloni

Conteúdo Especial

Plenário da Câmara durante sessão que aprovou o mercado brasileiro de créditos de carbono, em 19/11/2024 (Foto Mário Agra/Câmara dos Deputados)
Câmara aprova mercado de carbono em meio às negociações na COP29 e no G20, em 19 de novembro de 2024 (Foto Mário Agra/Câmara dos Deputados)

Com a promulgação da Lei n.º 15.042, em dezembro de 2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), o Brasil deu um passo relevante na estruturação jurídica de seu mercado de carbono, alinhando-se ao modelo de cap-and-trade já adotado por países como México e membros da União Europeia. 

Em linhas gerais, o SBCE estabelece limites máximos de emissões de dióxido de carbono, determinando que os agentes que excederem tais limites deverão reduzir suas emissões para se adequar ou adquirir Cotas Brasileiras de Emissões (CBE) e/ou Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE).

O principal objetivo é promover a redução e mitigação das emissões de gases de efeito estufa, por meio de um instrumento econômico voltado ao estímulo de comportamentos sustentáveis e à correção de falhas de mercado, como as externalidades ambientais — especialmente relevantes em países de grande extensão territorial como o Brasil.

Além disso, o sistema reforça os compromissos internacionais assumidos pelo país no enfrentamento das mudanças climáticas.

O mercado segurador, contudo, foi surpreendido pela inclusão do artigo 56 da nova lei, que impõe às seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais (Supervisionadas, na denominação técnica) a obrigação de aplicar, no mínimo, 0,5% ao ano dos recursos de suas reservas técnicas e provisões em ativos ambientais ou cotas de fundos de investimento vinculados a tais ativos.

Essa aplicação deve observar as diretrizes da Resolução n.º 4.993/2022 do Conselho Monetário Nacional, que por sua vez estabelece critérios para a aplicação de recursos por Supervisionadas. 

Vale ressaltar que a redação do art. 56 da Lei n.º 15.042/2024 foi objeto de intensas revisões durante a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. Ao final, a natureza da aplicação foi alterada de voluntária para obrigatória, e o percentual mínimo reduzido de 1% para 0,5%.

Embora a aplicabilidade do art. 56 ainda dependa de regulamentação futura, o setor de seguros, resseguros e previdência privada reagiu com preocupação e a Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) ajuizou uma ação apontando diversas violações à Constituição Federal e à Lei Complementar n.º 109/2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar. 

A preocupação do setor decorre da imposição de aplicação de recursos das reservas técnicas e provisões das Supervisionadas em ativos de baixa liquidez.

A constitucionalidade do referido dispositivo também é objeto de discussão, uma vez que contraria o disposto no art. 9º, §2º, da Lei Complementar n.º 109/2001, que veda o estabelecimento de aplicações compulsórias ou limites mínimos de aplicação das reservas técnicas e provisões de entidades de previdência complementar.

Além do conflito de normas, alega-se que a sua alteração não poderia ser feita por lei ordinária, como é o caso da Lei n.º 15.042/2024.

A CNSeg defende, ainda, que o art. 56 é materialmente inconstitucional por violar os “princípios da liberdade, da livre iniciativa e da livre concorrência, da proporcionalidade e da razoabilidade, da isonomia, do poluidor-pagador e da segurança jurídica”.

Por fim, a ação questiona a viabilidade de cumprimento da imposição trazida pelo art. 56, defendendo que, apesar da ausência de números oficiais, existem estimativas de consultorias especializadas de que o mercado de carbono movimenta atualmente cerca de R$ 1 bilhão.

Ao passo que 0,5% dos recursos das reservas e provisões técnicas das Supervisionadas corresponderia a R$ 9 bilhões, de modo que não haveria volume de crédito de carbono suficiente para cumprimento do investimento estabelecido no art. 56 da Lei n.º 15.042/2024.

Sabemos que a transição para uma economia mais sustentável exige o envolvimento de diversos setores. No entanto, é essencial — e, mais ainda, ético — que essa participação ocorra dentro dos limites traçados pela Constituição Federal e normas legais e infralegais que regem as atividades econômicas.

A respeito das reservas técnicas e provisões, vale ressaltar que sua constituição é obrigatória às Supervisionadas, nos termos do art. 84 do Decreto-Lei n.º 73/1966.

Elas têm por finalidade a garantia das obrigações assumidas pelas Supervisionadas para com os segurados, ressegurados, beneficiários e participantes dos produtos de seguro, resseguro, previdência e capitalização.

Nesse contexto, a redação do art. 56 traz à tona não apenas questionamentos acerca de sua proporcionalidade, razoabilidade e compatibilidade com os princípios constitucionais e dispositivos de lei apontados na ação.

Mas também dúvidas sobre a manutenção da capacidade de solvência e do mercado de seguros, resseguros e previdência privada, que depende da facilidade de acesso e alta liquidez dos ativos nos quais os recursos das reservas e provisões técnicas estão aplicados para cumprir com suas obrigações.

Ademais, com o advento da Lei Complementar n.º 213/2025 — que dispõe sobre as operações das sociedades cooperativas de seguros e as operações de proteção patrimonial mutualista —, a imposição do ônus do art. 56 tão somente às Supervisionadas e não à administradora das operações de proteção patrimonial mutualista, seria uma assimetria não justificável.

É importante salientar que a reação do setor ao previsto no art. 56 da Lei n.º 15.042 não representa qualquer recusa com relação à contribuição para com a pauta ambiental, mas uma resposta defensiva diante da insegurança jurídica e dos riscos sociais associados à medida.

Os argumentos defendidos por entidades de seguros não devem ser encarados como um obstáculo ao avanço da pauta ambiental.

Destaca-se, nesse sentido, os esforços despendidos pelo setor no desenvolvimento de políticas e produtos sustentáveis, ao exemplo das disposições trazidas pela Resolução CNSP n.º 473/2024, que estabelece diretrizes para a classificação de produtos de seguros e previdência como sustentáveis, ou “seguros verdes”.

Assim como ressaltam-se as obrigações trazidas pela Circular n.º 666/2022 com relação ao desenvolvimento e implementação, pelas Supervisionadas, de políticas de gestão de riscos de sustentabilidade e divulgação de relatórios.

Além disso, não se pode deixar de mencionar o incentivo do mercado de seguros, resseguros e previdência complementar à emissão de greenbonds e a proposta de criação do seguro social de catástrofes, que prevê auxílio imediato à população afetada por chuvas e enchentes.

Ademais, destaca-se a participação de entidades do setor na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — COP30, que ocorrerá em novembro deste ano.

Bem como a recente publicação do edital de consulta pública nº 1/2025, que trata sobre minuta de resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados para estabelecer diretrizes relacionadas a questões ambientais, sociais e climáticas aplicáveis ao seguro rural.

O que se espera é que o avanço no mercado de carbono ocorra de forma transparente, técnica, gradual, razoável e em respeito à Constituição Federal e legislação aplicável, visando uma integração segura e consistente do mercado de seguros, resseguros e previdência complementar com o incentivo à descarbonização, controle de mudanças climáticas, mitigação de riscos climáticos e preservação dos ecossistemas.

Este artigo expressa exclusivamente a posição das autoras e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculadas.


Luciana Dias Prado é sócia da prática de Seguros, Resseguros e Previdência Privada do Lefosse.

Amanda Correa é advogada do Lefosse, da prática de Seguros, Resseguros e Previdência Privada.

Gabriela Mello e Nina Meloni são advogadas do Lefosse, da prática de Ambiental.

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