3 milhões de créditos Corsia

Mercado de carbono para aviação deve movimentar bilhões – e Brasil precisa agir rápido

Ca'arbom aposta em créditos de carbono jurisdicionais para atender Corsia

Estevão Braga, co-fundador da Ca’arbom
Estevão Braga, co-fundador da Ca’arbom

BRASÍLIA — O Brasil tem um potencial de ofertar mais de três bilhões de créditos de carbono por desmatamento evitado para o transporte aéreo internacional mitigar suas emissões, mas precisa correr para implementar projetos jurisdicionais a tempo de atender à demanda, avalia Estevão Braga, co-fundador da Ca’arbom, climatech brasileira dedicada a soluções de mitigação.

A climatech cujo nome une floresta (Ca’a em Tupi-Guarani) e ar bom, ao mesmo tempo em que faz alusão ao mercado de carbono, está trabalhando com certificadoras e estados brasileiros para criação de jurisdições para emissão de créditos de projetos florestais.

A intenção é viabilizar certificados que atendam aos padrões do Corsia – esquema de redução de emissões da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao, em inglês).

“A chave para esses projetos é credibilidade. Mas ao mesmo tempo precisamos de agilidade para atender a aviação, cuja demanda deve saltar em 2027. A aviação vai crescer e o mercado de carbono vai crescer com ela”, explica Braga em entrevista à agência eixos.

Há uma expectativa de demanda aquecida nos próximos três anos, podendo chegar a 100 milhões de toneladas de CO2/ano, já que o prazo para compensações voluntárias é 2027 e as obrigatórias começam em seguida. 

No mundo inteiro, no entanto, há apenas um projeto jurisdicional, o que aumenta a aposta da Ca’arbom no Brasil e na Amazônia para destravar um mercado que deve ir muito além da aviação.

“Estamos conversando com alguns estados, com o governo federal, o Ministério do Meio Ambiente, para que a gente consiga fomentar a criação dessas jurisdições e, com isso, criar a base para implementarmos projetos de carbono”, conta o executivo.

“Temos uma grande vantagem na América Latina. A Amazônia é de nove países e temos total condições de oferecer ao planeta uma grande estratégia de descarbonização. O Corsia é referência para muita gente, e a demanda será também de outros setores que confiam no alto rigor do mecanismo”.

A seguir, os principais pontos da entrevista com Estevão Braga:

Corsia, SAF e compensações

O Corsia é um acordo de redução de emissões da aviação civil internacional que tem como ano base 2019 – o período de maior movimento antes da pandemia. As 197 nações signatárias se comprometeram a reduzir ou compensar as emissões que ultrapassarem 85% do volume daquele ano.

A fase voluntária – de verificação e reporte – está em andamento, com mais de 120 países participantes. Brasil, Estados Unidos, Canadá, China, Japão são alguns deles, além dos europeus e nações do Oriente Médio. Todos deverão apresentar seus relatórios até 30 de abril deste ano.

Já em 2027 começa a fase obrigatória, onde todo mundo terá que agir para mitigar suas emissões – e é aí que está o desafio.

“As empresas aéreas hoje estão tentando maximizar o uso de combustíveis sustentáveis (SAF, em inglês) para não precisar compensar, mas tem pouquíssimo SAF disponível e aquilo que está disponível é entre três a quatro vezes mais caro que o querosene convencional”, observa Braga.

“Com esse cenário, as empresas têm uma opção, eu diria mais lógica do ponto de vista econômico, que é utilizar créditos de carbono, para compensar as suas emissões”, completa.

Mas os créditos de carbono aceitos pelo Corsia também precisam ganhar escala. O executivo avalia que o esquema da Icao criou uma barra muito alta para elegibilidade de projetos de carbono.

Ainda assim, ele enxerga que há uma grande oportunidade para as florestas brasileiras, com programas REDD (redução por desmatamento ou degradação florestal evitada). O desafio está em transformá-los em jurisdicionais.

Créditos jurisdicionais

O Corsia aceita projetos REDD de regiões onde há alto risco de desmatamento para avanço de fronteiras do agronegócio, por exemplo, mas é preciso que eles estejam respaldados por governos estaduais e/ou federais.

“No mundo inteiro, temos apenas uma jurisdição: a da Guiana. Ela fechou um acordo com uma certificadora e emitiu os primeiros 20 milhões de créditos de carbono, que não vão ser suficientes para atender a demanda mundial”.

A linha de base do Corsia é de cerca de 350 milhões de toneladas de CO2 que podem ser lançadas na atmosfera pela aviação. Acima disso, será preciso compensar.

Com o setor prevendo expansão nas viagens, a expectativa é de demanda aquecida pelos créditos aceitos pelo programa.

Só para se ter uma ideia: apenas entre 2022 e 2023 as emissões do transporte aéreo cresceram 22,5%, de acordo com a Icao.

“Esse crescimento traz o desafio de encontrar novas áreas Corsia, com esse carbono jurisdicional, onde o estado cria o território e as empresas implementam projetos”, diz o co-fundador da Ca’arbom.

Questão de timing

2027 está logo ali e as 129 companhias aéreas da fase voluntária já terão que compensar emissões relativas a 2024-2026. Segundo Braga, dificilmente haverá créditos suficientes, porque os projetos de carbono demoram de 18 a 24 meses para começar a gerar títulos.

No Brasil, a climatech percebe que há diferentes níveis de interesses nos estados, com arranjos diversos. 

“Estamos olhando quais são os sistemas existentes e quais oferecem melhores arranjos para a realidade brasileira. Ela varia conforme estado. Tem estado que tem maior ou menor cobertura florestal, o que causa um conjunto de riscos e oportunidades que estamos avaliando”, conta.

Valorizados

A mudança de voluntário para obrigatório também deve levar a uma valorização dos títulos.

“O preço ainda não está nem perto do que pode chegar. As aéreas estão pressionadas por alta do dólar, preço dos combustíveis, conflitos geopolíticos e até as mudanças climáticas mudando rotas. Nós estamos vendo negociações na casa de US$ 25-35 a tonelada de carbono, não vai ficar assim”, diz Braga.

Ele faz uma comparação com mercados regulados em todo o mundo, onde a média da tonelada de carbono está em US$ 38, com projeções de superar os US$ 100, e estima que os créditos Corsia podem chegar a US$ 60 no início da fase obrigatória.

“É por isso que a gente acha que o Brasil tem uma oportunidade gigante. A gente tem muita área florestal e muito desmatamento”, pontua.

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