Finanças sustentáveis

Marina Silva defende lastro para recursos naturais, uma “Basileia 4”

Ministra sugere a criação de um novo acordo internacional voltado à preservação da natureza, com o mesmo rigor aplicado aos acordos financeiros

Marina Silva defende lastro para recursos naturais, uma “Basileia 4" (Foto: Felipe Werneck/MMA)
Ministra Marina Silva durante anúncio de 12 unidades de conservação na Caatinga, em junho de 2024 (Foto: Felipe Werneck/MMA)

RIO – A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede), defendeu a urgência de uma revisão das regras do sistema financeiro global para incluir critérios que protejam o patrimônio natural e favoreçam o financiamento de projetos sustentáveis em países emergentes. 

A proposta, que Marina chamou de “Basileia 4”, sugere a criação de um novo acordo internacional voltado à preservação da natureza, com o mesmo rigor aplicado aos acordos financeiros anteriores voltados à mitigação de crises econômicas.

“Estava mais do que na hora de a gente fazer uma espécie de acordo de Basileia 4, porque teve o 1, o 2, e o 3, depois da crise de 2008, mas sempre com a preocupação correta de proteger o sistema financeiro”, afirmou a ministra, durante seminário Finanças Hoje para o Nosso Amanhã, evento paralelo ao G20, promovido nesta segunda (30/9), no Rio de Janeiro.

O apelo é claro: sem uma reformulação do sistema financeiro que permita investimentos em projetos sustentáveis e a conservação da natureza e biodiversidade, o mundo corre o risco de enfrentar uma crise sistêmica ambiental de proporções catastróficas. 

Algo que, nas palavras da ministra, pode ser evitado com “medidas prudenciais que garantam a proteção do nosso patrimônio natural”.

Segundo ela, agora o foco deve se voltar para os riscos ambientais. 

“O uso que fazemos das finanças naturais, do capital natural, precisa de um lastro (…)

Se a gente já fez três acordos para manter um lastro do capital financeiro, por que não tomar medidas prudenciais para evitar o colapso da natureza?”, questionou.

O que é regulação prudencial?

A regulação prudencial é um tipo de regulação financeira que estabelece requisitos para as instituições financeiras com foco no gerenciamento de riscos e nos requerimentos mínimos de capital para fazer face aos riscos decorrentes de suas atividades e nos limites operacionais.

Marina Silva estava em Nova York para os eventos paralelos à Assembleia Geral da ONU, entretanto antecipou sua volta ao Brasil devido aos incêndios que afetam diversas partes do país. 

A ministra alertou para a dependência econômica do meio ambiente, principalmente em regiões como a América do Sul. 

“Mais de 50% do PIB da América do Sul depende da natureza, e mais de 75% do que é produzido na nossa região depende das chuvas da floresta amazônica e dos rios voadores”, destacou citando dados do Fórum Econômico Mundial.

Segundo a ministra, sem uma ação imediata, os impactos das mudanças climáticas podem comprometer a continuidade da vida como a conhecemos, e consequentemente o próprio sistema econômico.

Apenas 1% do financiamento é destinado para os povos indígenas e, no entanto, eles são responsáveis por preservar 80% das áreas com floresta do planeta.

A Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que ficou em seu lugar em Nova York, para cumprir a agenda de eventos, defendeu que a política socioambiental e o enfrentamento às emergências climáticas precisam ser políticas de estado, tão necessárias e importantes quanto o conjunto da política econômica.

“Inclusive, para que os impactos das mudanças climáticas sejam captados de forma coerente na projeção econômica e não fiquemos a mercê de, a cada desastre, ser necessário abrir crédito emergencial e afetar a dívida pública”, disse por vídeo, Sônia Guajajara

Guajajara também destacou que apenas 1% do financiamento é destinado para os povos indígenas e, no entanto, eles são responsáveis por preservar 80% das áreas com floresta do planeta, que são fundamentais para as outras formas de produção.

Sistema financeiro desalinhado

A representante da França na OCDE e ex-ministra do Meio Ambiente, Amélie de Montchalin, reforçou o discurso de Marina e apontou que o sistema financeiro atual está dissociado dos desafios ambientais enfrentados por países emergentes como o Brasil. 

Ela observou que apenas uma fração dos investimentos globais chega a esses mercados, apesar de sua importância para a biodiversidade mundial.

“Vemos hoje uma dissociação entre onde as pessoas vivem, onde a natureza está e onde os ativos financeiros são controlados. Os seguradores europeus, por exemplo, têm apenas 2% de seus portfólios em mercados emergentes”, afirmou Montchalin. 

Ela acrescentou que as regras de investimento são desiguais, favorecendo projetos em países da OCDE e penalizando nações como o Brasil, onde as exigências de capital para financiar infraestrutura verde são duas vezes maiores.

 “Isso é mais uma questão política do que de risco”, criticou.

“Se você fizer um projeto de infraestrutura sustentável em um país da OCDE, precisa manter 25% do valor como reserva. No Brasil, esse valor sobe para 50%, o que não faz sentido quando olhamos para o risco real de inadimplência, que muitas vezes é menor em países emergentes”, completou Montchalin. 

As ministras concordam que é fundamental alinhar a regulamentação financeira com os desafios ambientais globais, redirecionando fluxos de capital para projetos que promovam a biodiversidade e a sustentabilidade em países emergentes. 

“É urgente ajustar nossas estruturas regulatórias. Precisamos acumular reservas para enfrentar riscos, mas também investir o suficiente para mitigar os riscos”, defende Montchalin.

Para Marina Silva, o G20 é o espaço para esse diálogo: “uma grande oportunidade para dialogar com o mundo na direção de finanças sustentáveis e taxação de super-ricos, viabilizando recursos para adaptação, mitigação e transformação do modelo econômico”.

O que é o Comitê de Basileia? 

É um fórum internacional para discussão e formulação de recomendações para a regulação prudencial e cooperação para supervisão bancária, composto por 45 autoridades monetárias e supervisoras de 28 jurisdições. O objetivo é reforçar a regulação, a supervisão e as melhores práticas bancárias para a promoção da estabilidade financeira. 

Basileia I e II

O Acordo de Basileia I (1988) estabeleceu recomendações para as exigências mínimas de capital para instituições financeiras internacionalmente ativas para fins de mitigação do risco de crédito. Em 1996, essas recomendações foram aprimoradas com a incorporação de requerimentos para a cobertura dos riscos de mercado no capital mínimo exigido das instituições financeiras.