A margem equatorial, região onde está localizada a promissora bacia da Foz do Amazonas, já foi chamada de “novo pré-sal” pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), e é parte importante da estratégia exploratória da Petrobras para elevar suas reservas de petróleo.
Mas, por falta de licenciamento ambiental, nenhum poço foi perfurado no local desde que os blocos foram licitados há uma década. Três governos – Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro – já se passaram, sem uma solução para o impasse em torno da liberação das campanhas exploratórias na região.
Na última quarta (17/5), o Ibama negou o licenciamento para a perfuração da Petrobras no bloco FZA-M-59, na Bacia Foz do Amazonas. A decisão gerou críticas de autoridades políticas, dentre as quais o governador e senadores do Amapá. E o líder do governo Lula no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues, inclusive, pediu a desfiliação de seu partido, a Rede Sustentabilidade, em rompimento definitivo com a ministra Marina Silva.
Entenda, a seguir, o que está em jogo nessa disputa entre petroleiras e ambientalistas.
O que você precisa saber:
- Bacia da Foz do Amazonas está situada dentro da margem equatorial e fica entre o Amapá e o Pará;
- Fronteira é considerada de grande potencial, próxima do Suriname e da Guiana — onde já foram descobertos mais de 11 bilhões barris de petróleo;
- Blocos exploratórios da Foz foram licitados na 11ª rodada, em 2013, no Brasil;
- Desde então, nenhum poço foi perfurado na área;
- TotalEnergies, BP e BHP deixaram o projeto, restando a Petrobras como operadora dos blocos
- Petrobras reservou US$ 3 bilhões no plano 2023-2027 para perfuração de 16 poços exploratórios na margem equatorial;
- Petroleira gasta mais de US$ 500 mil por dia com sonda parada no local
- Licença nunca foi emitida pelo Ibama;
- ministra do Meio Ambiente e novo presidente do Ibama defendem estudos ambientais mais aprofundados;
- Tipo de estudo exigido para o licenciamento está parado há três governos;
Por que explorar petróleo na Foz do Amazonas
A necessidade de exploração de novas fronteiras é inerente à indústria petrolífera. As reservas de petróleo e o gás natural são finitas e, portanto, as empresas precisam constantemente buscar novos recursos.
O pré-sal é, hoje, a grande fonte do petróleo brasileiro, sendo responsável por 78% da produção nacional. Mas até mesmo a fronteira mais profícua do país vai entrar, em algum momento, em declínio.
Tupi, o maior campo de óleo e gás do país, por exemplo, entrou em fase de declínio da produção e precisará receber mais investimentos de revitalização nos próximos anos.
E a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que, se não forem feitas novas descobertas, a produção de petróleo no pré-sal atingirá o seu pico entre 2029 e 2030, de 4,3 milhões de barris/dia — e entrará, em seguida, numa curva descendente.
A mais nova aposta exploratória da Petrobras está na margem equatorial – litoral que vai do Rio Grande do Norte ao Oiapoque (AP) e reúne as bacias Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
Na Guiana, produção já é uma realidade
A Foz do Amazonas é um destaque entre as bacias da margem equatorial, por sua similaridade geológica com a Guiana.
Com uma área territorial 40 vezes menor que o Brasil, a Guiana já tem mais de 11 bilhões de barris em reservas provadas. Para efeitos de comparação, o Brasil possuía, em 2022, 14,8 bilhões de barris, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Enquanto o Brasil discute se vai ou não perfurar a região, o país vizinho começou a produzir em 2019 e, num ritmo acelerado de desenvolvimento de suas reservas, deve alcançar os 1,7 milhão de barris/dia em 2035, de acordo com projeções da consultoria Rystad Energy. Hoje, produz cerca de 380 mil barris/dia.
A questão ambiental
A Foz do Amazonas começou a chamar a atenção das grandes petroleiras, mais intensamente, no início dos anos 2010.
Uma das principais empresas a apostar no potencial da área foi a francesa TotalEnergies, que em 2013, na 11ª Rodada de concessões, pagou R$ 250 milhões por cinco blocos na bacia.
O projeto, porém, esbarrou no licenciamento. Em 2018, o Ibama negou o pedido de perfuração da francesa na Foz do Amazonas, ao alegar “profundas incertezas relacionadas ao Plano de Emergência Individual (PEI) do empreendimento, agravadas pela possibilidade de eventual vazamento de óleo afetar os recifes biogênicos presentes na região e a biodiversidade marinha de forma mais ampla”.
A TotalEnergies desistiu, então, do negócio. A Petrobras assumiu as fatias da multinacional francesa e da BP nas cinco concessões, onde era sócia, e agora tenta avançar com o licenciamento.
A primeira tentativa, porém, esbarrou numa nova negativa do Ibama. Segundo o órgão, a decisão “ocorre em função do conjunto de inconsistências técnicas” e segue recomendação de analistas da Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama.
No despacho, o presidente do Ibama acompanha o entendimento da equipe técnica sobre a “necessidade de se retomar ações que competem à área ambiental para assegurar a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) para as bacias sedimentares que ainda não contam com tais estudos e que ainda não possuem exploração de petróleo, no prazo mais breve possível”.
A petroleira brasileira tem processos de licenciamento abertos no Ibama para perfurar até 14 poços na Foz do Amazonas. São pedidos de licenças “pontuais”, em que as empresas apresentam os estudos e pedidos para campanhas específicas.
A ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, no entanto, já sinalizou que o licenciamento para perfuração na Foz do Amazonas deve partir da avaliação integrada da bacia. Afirmou que um projeto na região “não pode ser licenciado como um caso isolado”.
Ambientalistas pedem estudos mais aprofundados
Ambientalistas questionam a segurança ambiental, o risco de um eventual vazamento atingir a costa, inclusive em países vizinhos.
E também veem na exploração da margem equatorial a abertura de uma fronteira – que, se bem-sucedida, significará um aumento da produção de uma fonte fóssil, o petróleo, além do que está projetado para o Brasil nas próximas décadas.
Em abril, 80 organizações da sociedade civil se uniram para pedir que o Ibama não autorize a Petrobras a iniciar a perfuração na Foz, enquanto não for realizada uma AAAS – sigla de Avaliações Ambientais de Área Sedimentar (AAAS), um tipo de avaliação estratégica.
A AAAS consiste em estudos multidisciplinares que ajudam a subsidiar o planejamento estratégico de políticas públicas da exploração e produção de petróleo e gás natural
O objetivo é identificar potenciais impactos socioambientais de atividades de exploração e produção de óleo e gás e, assim, contribuir na definição se determinadas áreas são aptas ou não a serem licitadas – ou se demandam uma moratória para desenvolvimento de soluções para a exploração segura de petróleo e gás.
O mecanismo foi criado, em 2012, no segundo ano do governo de Dilma Rousseff pelos ministérios de Minas e Energia (MME) e do Meio Ambiente (MMA). Um ano depois, foram licitados na 11ª rodada os blocos da margem equatorial, mas a realização de AAAS para a região nunca foi uma prioridade.
- Para aprofundar: Foz do Amazonas: estudos estão parados após três governos
Até o momento, foram contratadas AAAS para as bacias marítimas de Sergipe e Jacuípe; e para o Solimões, no Amazonas, em terra.
A última etapa de uma AAAS é a tomada de decisão por parte de uma comissão interministerial formada pelo MME e MMA, que nunca chegou a funcionar. Ela foi extinta por um decreto em 2019, no governo de Jair Bolsonaro (PL), antes da conclusão dos estudos contratados.
Legalmente, esses estudos não são obrigatórios para emissão de licenças ambientais pelo Ibama.
Petrobras pede definição sobre o assunto
O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, defende que o país precisa decidir, afinal, se quer explorar a Foz do Amazonas: “O Estado brasileiro terá que decidir se isso vai adiante ou não”.
Ao comentar as estratégias da empresa para a transição energética, ele destacou que o plano é manter os investimentos em óleo e gás – e ampliar fronteiras exploratórias –, financiando novos segmentos na área de energia.
O bloco FZA-M-59, onde a Petrobras pretende iniciar a campanha exploratória, em águas profundas, está a mais de 400 km da foz do Rio Amazonas, propriamente dita. O poço está projetado a 160 km do litoral Norte do Pará.
Em 2013, os geólogos da ANP estimavam, com base em estudos preliminares existentes, que toda a área em oferta poderia ter 14 bilhões de barris de petróleo in situ – aquele volume originalmente contido num reservatório.
A Petrobras argumenta que os impactos socioambientais mais abrangentes podem ocorrer não na perfuração (objeto do pedido de licença), mas na fase de produção e escoamento.
Em março, sob nova administração, a companhia sugeriu ao Ibama que o estudo estratégico fosse feito após a perfuração do poço pioneiro, objeto do pedido de licenciamento.
MME endossa defesa à exploração da área
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), é abertamente favorável à campanha de exploração na Margem Equatorial. Internamente, a pasta comandada por Silveira tem subsidiado outras áreas do governo com informações sobre o potencial econômico e questões operacionais da campanha na Foz do Amazonas.
Em março, o MME lançou o Potencialize E&P, programa destinado a estimular o aumento das atividades de exploração e produção independente no país. A pasta reitera a expectativa de a Petrobras obter a licença para perfurar na Foz do Amazonas.
O ministro Alexandre Silveira disse que explorar a margem equatorial é garantir um “passaporte para o futuro” para as regiões Norte e Nordeste. Para o ministro, a região é o “novo pré-sal” do Brasil.
“Desde o final de janeiro de 2023, a Petrobras encontra-se com uma sonda de perfuração parada em águas profundas costa do estado do Amapá, ao custo superior a US$ 500 mil por dia, aguardando a emissão da devida licença”, apontou o MME, ao lançar o Potencialize E&P.
A Petrobras mobilizou pessoal e equipamentos para a base de operações em Belém, no Pará, incluindo um navio de perfuração contratado com a operadora brasileira Ocyan. Os custos são da ordem de centenas de milhares de dólares por dia.
A decisão de antecipar esses gastos foi tomada ano passado, mesmo sem a emissão da licença. Há equipes e infraestrutura de resposta a incidentes instaladas na região, para realização de uma simulação.
Com apuração de Luma Poletti, Larissa Fafá, Hanrrikson de Andrade e Gustavo Gaudarde; e edição adicional de André Ramalho