Agendas da COP

Financiamento ambiental quase não chega aos indígenas, alerta diretor de fundo

CEO do Fundo Global para o Meio Ambiente, um dos maiores do mundo, cobra reforma do setor para dar a comunidades acesso direto a recursos

Financiamento ambiental quase não chega aos povos indígenas, alerta diretor do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). Na imagem: Vista aérea de comunidade indígena Shiwiar, na região de Pastaza, Amazônia equatoriana. Acredita-se que os povos indígenas protejam 80% da biodiversidade restante do mundo, embora representem apenas 6% da população global (Foto: Mark Fox/Alamy)
Vista aérea de comunidade indígena Shiwiar, na região de Pastaza, Amazônia equatoriana. Acredita-se que os povos indígenas protejam 80% da biodiversidade restante do mundo, embora representem apenas 6% da população global (Foto: Mark Fox/Alamy)

O diretor do maior fundo global para ações ambientais defende que comunidades tradicionais e povos indígenas tenham acesso direto ao financiamento climático e da biodiversidade.

Carlos Manuel Rodríguez, CEO do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), cobrou um “novo paradigma” financeiro em uma assembleia da entidade com representantes de 185 países doadores em Vancouver, no Canadá. O encontro, que ocorre entre 22 e 26 de agosto, também reúne empresários, investidores e organizações da sociedade civil.

O aumento do financiamento internacional para a proteção ambiental é o foco da Assembleia do GEF, que até esta sétima edição já garantiu mais de US$ 23 bilhões aos países em desenvolvimento desde o seu lançamento, em 1992.

Para Rodríguez, no entanto, não se trata apenas de arrecadar mais. Na abertura do evento, ele disse que os países também devem reconsiderar o modelo de alocação dos recursos, de forma a priorizar aqueles que já protejam o meio ambiente.

Atualmente, menos de 1% da ajuda internacional para lidar com as mudanças climáticas vai diretamente para comunidades tradicionais e povos indígenas – ou para projetos que assegurem a posse de suas terras e a gestão florestal. Apesar disso, estudos reforçam o importante papel desses grupos para a proteção ambiental eficaz e justa.

Carlos Manuel Rodríguez (centro), CEO do GEF, fala sobre o Marco Global da Biodiversidade antes da Assembleia do GEF em Vancouver, Canadá (Foto: Angeles Estrada/IISD/ENB)
Carlos Manuel Rodríguez (centro), CEO do GEF, fala sobre o Marco Global da Biodiversidade antes da Assembleia do GEF em Vancouver, Canadá (Foto: Angeles Estrada/IISD/ENB)
“Reconhecemos o papel que [essas comunidades] desempenham. Por isso, o GEF quer destinar mais fundos para elas”, disse Rodríguez.

O apoio financeiro do GEF é disponibilizado aos países em desenvolvimento por meio de agências governamentais, empresas e instituições de pesquisa. Conforme Rodríguez, a expectativa é que a porcentagem destinada diretamente às iniciativas da sociedade civil – que além de comunidades, inclui organizações ambientais de base – passe dos atuais 1% para 10% até 2030.

O mecanismo de financiamento direto vem principalmente de um programa para projetos de pequena escala: em mais de 30 anos, a estratégia forneceu US$ 725 milhões para mais de 26 mil projetos do tipo no mundo todo.

No Equador, por exemplo, o GEF financiou iniciativas de conservação promovidas por comunidades tradicionais e povos indígenas, além de projetos para desenvolver atividades econômicas que aproveitem a biodiversidade local de forma sustentável.

Darío Mejía Montalvo, presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, disse em uma sessão em Vancouver que o financiamento para a proteção ambiental tende a ir para organizações que até atendem aos requisitos legais e financeiros, mas não estão familiarizadas com os locais onde o trabalho é feito. Isso, acrescentou, faz com que o financiamento não chegue às comunidades indígenas.

Darío Mejía Montalvo, presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, fala na Conferência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em Roma, Itália, em junho de 2023 (Foto: Flickr IDLO)
Darío Mejía Montalvo, presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, fala na Conferência dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em Roma, Itália, em junho de 2023 (IDLO/Flickr/CC BY NC ND 2.0)

“Precisamos que as comunidades indígenas desenvolvam suas próprias capacidades para serem independentes do sistema financeiro – amplamente baseado no individualismo, na competição e na especulação”, disse Mejía Montalvo.

Ele acrescentou que, se a abordagem atual de financiamento para essas comunidades não for reavaliada, mantém-se uma dependência dos mecanismos “baseados em regras de mercado”. Isso, por sua vez, acaba impondo “mudanças nos sistemas de valores das comunidades indígenas”.

Abordagem alternativa

As comunidades indígenas e tradicionais atualmente ocupam, controlam ou fazem a gestão de metade da área terrestre do planeta. Além disso, estima-se que os povos indígenas protejam 80% da biodiversidade do mundo, apesar de constituírem apenas 6% da população global.

Apesar de seu papel como protetoras do planeta, essas comunidades enfrentam diversos desafios: surtos de doenças, violações aos direitos humanos, violência, expulsões forçadas de suas terras e limitações financeiras.

Na cúpula climática COP26 da ONU em 2021, os líderes mundiais prometeram US$ 1,7 bilhão para apoiar povos indígenas e comunidades tradicionais na proteção ambiental e para cumprir as metas globais de preservação florestal até 2030. Mas para garantir que esse financiamento chegue aos destinatários, é preciso ultrapassar as velhas práticas dos mecanismos de financiamento.

Uma pesquisa da Rainforest Foundation Norway constatou que, dos US$ 2,7 bilhões prometidos para garantir a posse e o manejo florestal de povos tradicionais entre 2011 e 2020, apenas 17% foram destinados a projetos realmente comandados por essas comunidades.

O estudo constatou que mais da metade desse financiamento passou primeiro por cinco organizações: o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento e o Programa de Desenvolvimento da ONU. A outra metade foi arrecadada e redistribuída por agências da ONU, organizações socioambientais e empresas de consultoria.

O uso de intermediários geralmente faz com que o financiamento não chegue às comunidades que precisam dele. Por isso, muitas organizações indígenas e comunitárias estão criando seus próprios mecanismos de financiamento: um exemplo disso é a Shandia, plataforma financeira criada pela Aliança Global de Comunidades Territoriais, que espera arrecadar e distribuir diretamente US$ 300 milhões na próxima década.

Na América Latina, a Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas, plataforma de organizações indígenas do México e da América Central, passou vários anos desenvolvendo um mecanismo de financiamento direto.

A aliança agora trabalha para capitalizar o fundo, visando arrecadar US$ 50 milhões nos próximos cinco anos. A aliança pretende financiar 50 projetos comunitários de pequena escala e outros dez maiores – ao todo, eles beneficiarão aproximadamente cinco milhões de pessoas na região.

Os fundos passam por muitos intermediários e organizações; são muito fragmentados, destacou María Pia Hernández, diretora do Fundo Territorial Mesoamericano, em um evento paralelo à Assembleia do GEF.

“O problema não é apenas a quantidade de dinheiro que realmente chega às comunidades, mas também a falta de participação delas como beneficiárias finais.”

As comunidades indígenas e tradicionais ainda enfrentam muitas barreiras burocráticas em seus próprios países, já que as exigências legais em muitos casos são complexas e restringem a liberação de financiamento internacional. Em diversos casos, as comunidades sequer têm status legal para receber e gerir grandes fundos, e muitas vivem em áreas remotas, sem acesso a bancos.

Para aprofundar:

No evento, Hernández cobrou maior governança das organizações comunitárias, reconhecendo que muitas delas têm dificuldades de administrar grandes fundos e de atender às exigências dos doadores. Ela acrescentou que esses grupos precisam de treinamento e apoio e não deveriam enfrentar os mesmos requisitos de organizações maiores.

Enquanto isso, observadores aguardam o principal lançamento da Assembleia do GEF: o início do Fundo Global para a Biodiversidade, um projeto que havia sido proposto na cúpula da biodiversidade COP15, realizada em dezembro do ano passado, em Montreal.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network, que faz parte da organização Internews.

Por Fermín Koop, editor-chefe do Diálogo Chino, com base em Buenos Aires. Twitter: @ferminkoop