BRASÍLIA — O ano de 2024 entrou para a história como o mais quente já registrado, ultrapassando pela primeira vez o limite de 1,5°C, e, no Brasil, marcou a intensificação dos eventos climáticos extremos, aponta o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Em uma nota divulgada nesta sexta (31/1), a unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lista episódios de ondas de frio e de calor, de chuvas intensas que deflagraram deslizamentos de terra e inundações/enxurradas, secas e novos recordes de temperaturas máximas no ano passado, a partir de dados de diferentes instituições.
Regina Alvalá, diretora interina do Cemaden, explica que o conjunto de dados sintetizados no documento Estado do clima, extremos de clima e desastres no Brasil em 2024 permite conhecer regiões e municípios que foram impactados por eventos extremos em 2024 e contribui para subsidiar diferentes ações e estratégias de mitigação.
“Estas informações são relevantes no contexto de diferentes setores estratégicos do país”.
O levantamento reúne informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil, que mapeou 578 municípios brasileiros relatando prejuízos relacionados aos eventos climáticos.
Danos materiais, que incluem residências, instalações e obras de infraestrutura públicas danificadas ou destruídas, somaram cerca de R$ 11 bilhões. Além dos prejuízos econômicos, que englobam impactos públicos e privados, que chegaram a aproximadamente R$ 9,6 bilhões.
Além disso, quase 1 milhão de pessoas foram diretamente afetadas pelos eventos, com destaque para as inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul que responderam por 83% desse número. Os impactos no estado foram severos, contabilizando 183 vítimas fatais, 27 desaparecidos, 18.864 feridos e enfermos, 121.878 desabrigados e 834.645 desalojados.
América Latina ficou mais quente
Dados do serviço europeu Copernicus mostram que enquanto o mundo registrou temperaturas 0,72°C mais altas, na América Latina e no Caribe ficou 0,95°C acima do normal, comparado com o período de 1991-2020.
Já no Brasil, o aquecimento foi de 0,79ºC, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com a maior parte do país registrando anomalias de temperatura acima de 2°C.
“O ano de 2024, o mais quente da história, apresentou os maiores desastres climáticos. A grande seca na Amazônia-Pantanal e as inundações no Rio Grande do Sul indicam que a era de extremos já chegou ao Brasil”, avalia o pesquisador do Cemaden e um dos autores da nota, José Marengo.
Ele observa ainda que o risco de desastres está aumentando e colocando mais pessoas em situação de vulnerabilidade.
Além disso, eventos climáticos extremos, como secas mais severas e inundações, assim como ultrapassar 1,5°C de temperatura média global previstos para ocorrer entre 2040 e 2050, já estão sendo observados.
“Estamos numa nova normal climática, e indo contra o Acordo de Paris. Assim não dá tempo para esperar, e o Acordo de Paris precisa ser implementado em todos os países do mundo. Ninguém está livre de um desastre associado a um extremo climático”, alerta Marengo.
O pesquisador cita como exemplos os deslizamentos de terra como consequência das chuvas em regiões de periferia, e os incêndios, potencializados por seca e ventos secos e quentes, que devastaram bairros em regiões nobres na Califórnia.
Ano de extremos no Brasil
Dados do Inmet confirmaram 2024 como o ano mais quente desde 1961, com todos os meses do ano passado apresentando temperaturas acima da média histórica, comparado com o período 1991-2020.
Em 6 de outubro, as cidades de Goiás (GO) e Cuiabá (MT), no Centro-Oeste brasileiro, registraram as maiores temperaturas máximas, respectivamente, 44,5°C e 44,1°C.
A análise do Cemaden observa que uma dezena episódios de ondas de calor afetaram o Brasil em 2024, especialmente entre o final de agosto e início de setembro, quando as temperaturas ficaram 7°C acima do normal para o período em Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF), e até 6°C acima do normal em Manaus (AM).
Também foram registradas ondas de frio entre maio e agosto. Na primeira quinzena de agosto, o Sul do país alcançou recordes de baixas temperaturas: nevou em Urupema (SC), com temperatura de –4,6ºC. Mas o calor retornou com intensidade logo depois e o inverno foi o segundo mais quente desde 1961, atrás apenas de 2023.
A seguir, os principais fenômenos climáticos registrados em 2024 no Brasil
Chuvas acima da média
Enquanto déficits de chuva entre -200 a -400 mm foram observados na Amazônia, centro-oeste e sudoeste da Amazônia-Pantanal, no leste do Brasil e no estado do Rio Grande do Sul as anomalias positivas de precipitação foram de +400 mm durante o primeiro semestre de 2024. O contraste entre as regiões observado é típico de padrão de fenômenos El Niño.
A cidade de Mimoso do Sul (ES) registrou entre 300 mm e 600 mm de chuva em 48 horas (22 e 23 de março), o que culminou em enchentes e enxurradas que provocaram a morte de 20 pessoas.
De acordo com o Cemaden, o impacto das inundações que afetaram 478 dos 497 municípios gaúchos em maio, atingindo quase 2,4 milhões de pessoas e provocando 183 mortes e 27 desaparecidos, tem o custo estimado da limpeza de US$ 3,7 bilhões, enquanto o impacto econômico foi de cerca de US$ 16 bilhões (1,8% do PIB do estado de 2024).
Em outubro, a cidade de São Paulo (SP) e a região metropolitana registraram uma sequência de episódios de tempestades acompanhadas de ventos. O mais impactante ocorreu em 12 de outubro, quando a tempestade e ventos acima de 107 km/h forçaram o fechamento dos dois aeroportos mais movimentados do país.
Um apagão deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia na região metropolitana. O evento climático foi consequência de um ciclone extratropical que se desenvolveu na costa dos estados do Sul do país.
Secas severas e incêndios
Em 2024 o país registrou a seca mais intensa. A falta de chuvas no ano anterior contribuiu para a situação, ponta o órgão do MCTI. Também foram detectados cerca de 1 milhão de incêndios ativos na América Latina, sendo que mais de 47,7% foram no Brasil. A baixa umidade do ar e temperaturas mais altas, favoreceram a propagação de incêndios, elevando o risco nas regiões da Amazônia e do Pantanal.
Entre julho e setembro, o número de municípios em condição de seca severa e extrema, saltou de 239 para 1,4 mil, ou seja, aproximadamente 25% dos municípios brasileiros foram afetados.
Em parte de alguns municípios nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná observou-se condição de seca excepcional. A situação foi revertida a partir de novembro.
Já o Distrito Federal experimentou 155 dias secos consecutivos, sendo o segundo período mais longo da história, atrás de 1963 quando foram registrados 163 dias.
Na bacia Amazônica, os níveis muito baixos afetaram a capacidade das comunidades vizinhas de pescar e transportar mercadorias para o abastecimento local e o escoamento da produção local para venda.
O Rio Negro em Manaus registrou 12,11 m em 10 de outubro, o nível mais baixo já observado desde quando as medições começaram em 1902; o Rio Madeira, em Porto Velho (RO) registrou 0,41 m em 14 de setembro, o nível mais baixo desde 1967. O rio Solimões, em Tabatinga (AM), e o rio Amazonas em Óbidos (PA) também reduziram significativamente.
Com informações do MCTI