Recorde de calor

Era dos extremos climáticos já chegou ao Brasil, avaliam cientistas

Veja os principais fenômenos registrados ao longo de 2024 no Brasil

Sobrevoo de área inundada com imóveis encobertos até o telhado pelas águas das fortes chuvas em Canoas (RS), em 5/5/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Sobrevoo em Canoas, no Rio Grande do Sul, tomada pela água devido a fortes chuvas, em 5 de maio de 2024 | Foto Ricardo Stuckert/PR

BRASÍLIA — O ano de 2024 entrou para a história como o mais quente já registrado, ultrapassando pela primeira vez o limite de 1,5°C, e, no Brasil, marcou a intensificação dos eventos climáticos extremos, aponta o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Em uma nota divulgada nesta sexta (31/1), a unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lista episódios de ondas de frio e de calor, de chuvas intensas que deflagraram deslizamentos de terra e inundações/enxurradas, secas e novos recordes de temperaturas máximas no ano passado, a partir de dados de diferentes instituições.

Regina Alvalá, diretora interina do Cemaden, explica que o conjunto de dados sintetizados no documento Estado do clima, extremos de clima e desastres no Brasil em 2024 permite conhecer regiões e municípios que foram impactados por eventos extremos em 2024 e contribui para subsidiar diferentes ações e estratégias de mitigação.

“Estas informações são relevantes no contexto de diferentes setores estratégicos do país”.

O levantamento reúne informações da Secretaria Nacional de Defesa Civil, que mapeou 578 municípios brasileiros relatando prejuízos relacionados aos eventos climáticos.

Danos materiais, que incluem residências, instalações e obras de infraestrutura públicas danificadas ou destruídas, somaram cerca de R$ 11 bilhões. Além dos prejuízos econômicos, que englobam impactos públicos e privados, que chegaram a aproximadamente R$ 9,6 bilhões.

Além disso, quase 1 milhão de pessoas foram diretamente afetadas pelos eventos, com destaque para as inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul que responderam por 83% desse número. Os impactos no estado foram severos, contabilizando 183 vítimas fatais, 27 desaparecidos, 18.864 feridos e enfermos, 121.878 desabrigados e 834.645 desalojados.

América Latina ficou mais quente

Dados do serviço europeu Copernicus mostram que enquanto o mundo registrou temperaturas 0,72°C mais altas, na América Latina e no Caribe ficou 0,95°C acima do normal, comparado com o período de 1991-2020.

Já no Brasil, o aquecimento foi de 0,79ºC, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com a maior parte do país registrando anomalias de temperatura acima de 2°C.

“O ano de 2024, o mais quente da história, apresentou os maiores desastres climáticos. A grande seca na Amazônia-Pantanal e as inundações no Rio Grande do Sul indicam que a era de extremos já chegou ao Brasil”, avalia o pesquisador do Cemaden e um dos autores da nota, José Marengo.

Ele observa ainda que o risco de desastres está aumentando e colocando mais pessoas em situação de vulnerabilidade.

Além disso, eventos climáticos extremos, como secas mais severas e inundações, assim como ultrapassar 1,5°C de temperatura média global previstos para ocorrer entre 2040 e 2050, já estão sendo observados.

“Estamos numa nova normal climática, e indo contra o Acordo de Paris. Assim não dá tempo para esperar, e o Acordo de Paris precisa ser implementado em todos os países do mundo. Ninguém está livre de um desastre associado a um extremo climático”, alerta Marengo.

O pesquisador cita como exemplos os deslizamentos de terra como consequência das chuvas em regiões de periferia, e os incêndios, potencializados por seca e ventos secos e quentes, que devastaram bairros em regiões nobres na Califórnia.

Ano de extremos no Brasil

Dados do Inmet confirmaram 2024 como o ano mais quente desde 1961, com todos os meses do ano passado apresentando temperaturas acima da média histórica, comparado com o período 1991-2020.

Em 6 de outubro, as cidades de Goiás (GO) e Cuiabá (MT), no Centro-Oeste brasileiro, registraram as maiores temperaturas máximas, respectivamente, 44,5°C e 44,1°C.

A análise do Cemaden observa que uma dezena episódios de ondas de calor afetaram o Brasil em 2024, especialmente entre o final de agosto e início de setembro, quando as temperaturas ficaram 7°C acima do normal para o período em Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF), e até 6°C acima do normal em Manaus (AM).

Também foram registradas ondas de frio entre maio e agosto. Na primeira quinzena de agosto, o Sul do país alcançou recordes de baixas temperaturas: nevou em Urupema (SC), com temperatura de –4,6ºC. Mas o calor retornou com intensidade logo depois e o inverno foi o segundo mais quente desde 1961, atrás apenas de 2023.

A seguir, os principais fenômenos climáticos registrados em 2024 no Brasil

Chuvas acima da média

Enquanto déficits de chuva entre -200 a -400 mm foram observados na Amazônia, centro-oeste e sudoeste da Amazônia-Pantanal, no leste do Brasil e no estado do Rio Grande do Sul as anomalias positivas de precipitação foram de +400 mm durante o primeiro semestre de 2024. O contraste entre as regiões observado é típico de padrão de fenômenos El Niño.

A cidade de Mimoso do Sul (ES) registrou entre 300 mm e 600 mm de chuva em 48 horas (22 e 23 de março), o que culminou em enchentes e enxurradas que provocaram a morte de 20 pessoas.

De acordo com o Cemaden, o impacto das inundações que afetaram 478 dos 497 municípios gaúchos em maio, atingindo quase 2,4 milhões de pessoas e provocando 183 mortes e 27 desaparecidos, tem o custo estimado da limpeza de US$ 3,7 bilhões, enquanto o impacto econômico foi de cerca de US$ 16 bilhões (1,8% do PIB do estado de 2024).

Em outubro, a cidade de São Paulo (SP) e a região metropolitana registraram uma sequência de episódios de tempestades acompanhadas de ventos. O mais impactante ocorreu em 12 de outubro, quando a tempestade e ventos acima de 107 km/h forçaram o fechamento dos dois aeroportos mais movimentados do país.

Um apagão deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia na região metropolitana. O evento climático foi consequência de um ciclone extratropical que se desenvolveu na costa dos estados do Sul do país.

Secas severas e incêndios

Em 2024 o país registrou a seca mais intensa. A falta de chuvas no ano anterior contribuiu para a situação, ponta o órgão do MCTI. Também foram detectados cerca de 1 milhão de incêndios ativos na América Latina, sendo que mais de 47,7% foram no Brasil. A baixa umidade do ar e temperaturas mais altas, favoreceram a propagação de incêndios, elevando o risco nas regiões da Amazônia e do Pantanal.

Entre julho e setembro, o número de municípios em condição de seca severa e extrema, saltou de 239 para 1,4 mil, ou seja, aproximadamente 25% dos municípios brasileiros foram afetados.

Em parte de alguns municípios nos estados do Acre, Amazonas, Pará, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná observou-se condição de seca excepcional. A situação foi revertida a partir de novembro.

Já o Distrito Federal experimentou 155 dias secos consecutivos, sendo o segundo período mais longo da história, atrás de 1963 quando foram registrados 163 dias.

Na bacia Amazônica, os níveis muito baixos afetaram a capacidade das comunidades vizinhas de pescar e transportar mercadorias para o abastecimento local e o escoamento da produção local para venda.

O Rio Negro em Manaus registrou 12,11 m em 10 de outubro, o nível mais baixo já observado desde quando as medições começaram em 1902; o Rio Madeira, em Porto Velho (RO) registrou 0,41 m em 14 de setembro, o nível mais baixo desde 1967. O rio Solimões, em Tabatinga (AM), e o rio Amazonas em Óbidos (PA) também reduziram significativamente.


Com informações do MCTI

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