Opinião

Brasil pode aprender com a Alemanha na gestão de resíduos

Modelo alemão de recuperação energética de resíduos reduz emissões em 79% desde 1990 e serve como exemplo global contra crise climática, escreve Siegfried Scholz

Brasil pode aprender com a Alemanha na gestão de resíduos

As emissões de metano são uma espécie de gás de efeito estufa extremamente prejudiciais ao meio ambiente. Comparadas ao dióxido de carbono (CO2), as emissões de metano são cerca de 25 vezes mais danosas ao longo de um período de 100 anos e podem ser até 86 vezes mais nocivas em um intervalo de apenas 20 anos.

Essas emissões estão diretamente relacionadas à gestão de resíduos, especialmente quando se trata da disposição de resíduos sólidos. 

No mundo todo, os aterros sanitários representam a terceira maior fonte de metano. Atualmente, cerca de 70% dos resíduos gerados globalmente são destinados a aterros, frequentemente de maneira não regulamentada.

Além disso, projeções do Banco Mundial indicam que a geração de resíduos aumentará em 60% até 2050. Diante desse cenário alarmante, é de extrema urgência combater as emissões de gás provenientes de aterros sanitários em todo o mundo.

A redução das emissões de metano pode ser alcançada por meio do desenvolvimento de novas tecnologias, mas uma solução fundamental e bastante direta é o “desvio de aterro”, ou landfill diversion, em inglês.

O desvio de aterros consiste em assegurar que cada fluxo de resíduos encontre a forma de tratamento mais adequada entre tecnologias complementares, respeitando os diferentes níveis da hierarquia dos resíduos. 

Dentro dessa hierarquia, os resíduos que não podem ser reciclados têm basicamente duas alternativas de tratamento: a disposição em aterros sanitários ou a recuperação energética, também conhecida como waste-to-energy (WTE).

O WTE apresenta uma série de vantagens significativas em comparação com os aterros sanitários: ela evita as emissões de metano, permite a recuperação de energia e de materiais, reduz o volume dos resíduos, diminui o incômodo com odores, economiza terrenos valiosos e, claro, promove a higienização do material descartado.

Ou seja, é uma solução ambientalmente e socialmente mais adequada.

Segundo dados da Eurostat, quase metade dos Estados-Membros da União Europeia ainda envia para aterros mais de 40% de seus resíduos urbanos.

Apenas no ano de 2018, as emissões de metano provenientes dos aterros sanitários localizados nos 27 países da União Europeia, somados ao Reino Unido, geraram cerca de 100 milhões de toneladas de CO2 equivalente, de acordo com dados da Agência Europeia do Meio Ambiente (EEA). 

Essas emissões representaram mais de 20% do total das emissões de metano em toda a Europa. Para enfrentar de forma efetiva a mudança climática, esse processo de destinação inadequada de resíduos precisa ser revertido com urgência.

O exemplo alemão

Felizmente, boas práticas europeias já demonstram caminhos viáveis e sustentáveis para a construção de estruturas mais eficazes de gestão de resíduos. Um exemplo emblemático é o da Alemanha.

Na década de 1970, a Alemanha possuía cerca de 50 mil aterros em operação. Porém, em 2005, foi implementada no país uma proibição ao envio de resíduos orgânicos não tratados para aterros sanitários.

Como resultado dessa política pública, hoje, o país, que conta com 83 milhões de habitantes, possui menos de 300 aterros sanitários em funcionamento.

Em 2017, a Alemanha foi nomeada pelo Fórum Econômico Mundial como campeã mundial da reciclagem. Atualmente, aproximadamente 60% dos resíduos urbanos alemães são reciclados, enquanto cerca de 40% são tratados por meio de usinas de recuperação energética.

Como consequência direta dessa mudança estrutural, a quantidade de gás gerado em aterros tem diminuído continuamente desde os anos 1990.

As emissões de metano provenientes de aterros sanitários caíram de cerca de 35,5 milhões de toneladas em 1990 para 7,5 milhões de toneladas em 2018.

Mais recentemente, operadores de aterros firmaram um acordo com o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha para reduzir em 1 milhão de toneladas as emissões de metano, em equivalência de CO2, até 2027.

Paralelamente, o papel das usinas de recuperação energética cresceu significativamente.

Na Alemanha, o número dessas usinas aumentou de 48 em 1990 para 98 em 2018, com uma capacidade instalada para tratar cerca de 26 milhões de toneladas de resíduos não recicláveis.

Graças ao rigoroso controle de emissões, o ar liberado pelas usinas de recuperação energética apresenta, muitas vezes, menos partículas finas do que o ar presente em grandes centros urbanos. 

Adicionalmente, poluentes como as dioxinas, que representavam um sério problema nos anos 1980, deixaram de ser uma preocupação relevante, o que é ainda mais impressionante considerando que a capacidade de incineração de resíduos mais do que dobrou desde 1985.

As usinas de recuperação energética alemãs, ao tratarem os resíduos municipais, fornecem eletricidade, calor e vapor para os consumidores. Essa contribuição representa cerca de 1% do consumo final de energia da Alemanha. A geração de eletricidade a partir de resíduos urbanos ultrapassa 5.500 GWh. 

Além disso, é comum a recuperação de metais como ferro, cobre e alumínio durante o processo, o que evita a extração de novas matérias-primas — uma atividade que consome grandes quantidades de energia e gera ainda mais emissões de gases de efeito estufa.

Com isso, o ciclo se fecha em uma lógica de economia circular, onde resíduos são transformados em recursos úteis, reduzindo impactos ambientais e promovendo eficiência energética.

A experiência alemã demonstra, na prática, como políticas públicas integradas, regulamentações ambientais rígidas e investimentos em tecnologias adequadas podem resultar em significativas melhorias ambientais.

A aplicação da hierarquia de resíduos, com ênfase na reciclagem e na valorização energética dos resíduos não recicláveis se mostra uma estratégia eficaz para a mitigação das emissões de metano.

Além de contribuir para o combate às mudanças climáticas, essa abordagem promove segurança energética, reduz a dependência de aterros sanitários e fortalece uma economia mais sustentável e resiliente.

Realidade distante

A realidade global, no entanto, ainda está distante desse cenário. A maior parte dos países continua a depender fortemente dos aterros sanitários como destino final para seus resíduos, muitas vezes sem o tratamento ou controle adequados.

Isso não apenas agrava a crise climática, mas também representa uma oportunidade perdida para gerar energia e recuperar recursos valiosos. 

Diante desse cenário, o exemplo da Alemanha deve servir como modelo de referência para nações que buscam soluções concretas para os desafios ambientais e energéticos do século XXI.

A adoção de sistemas integrados de gestão de resíduos, alinhados com políticas de mitigação de emissões de metano, é um passo essencial rumo a um futuro mais limpo, seguro e sustentável para todos.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Siegfried Scholz é presidente da European Suppliers of Waste to Energy Technology (ESWET). Atualmente, ocupa posição de liderança na empresa Kanadevia Inova. Formado como Dipl.-Wirtschaftsingenieur em Ciências Econômicas pelo Karlsruher Institut für Technologie (KIT), também foi CEO da Standardkessel Baumgarte GmbH.


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