RIO – A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou falhas na governança da Petrobras e distorções nos cálculos que justificaram a assinatura do contrato de industrialização por encomenda (tolling) com a Unigel – e que viabilizou a retomada das operações das fábricas de fertilizantes de Sergipe e da Bahia.
A estimativa da petroleira, citada em despacho da corte, é que o acordo trará prejuízos de R$ 487,1 milhões, no prazo de oito meses de sua vigência.
O ministro Benjamin Zymler determinou que a petroleira, o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Unigel prestem esclarecimentos sobre indícios de irregularidades apontados pelos técnicos do TCU.
Os auditores chegaram a pedir a suspensão cautelar do tolling, mas Zymler decidiu, antes de qualquer decisão, ouvir as partes.
Como funciona o tolling: pelos termos do acordo, a Petrobras mantém o arrendamento de suas fábricas para o grupo Unigel e, ao mesmo tempo, contrata empresa para operacionalizar a produção de fertilizantes por oito meses.
A petroleira entra com o fornecimento do gás e recebe fertilizante, tornando-se responsável pela comercialização dos produtos – junto com o ônus de uma operação deficitária.
TCU vê falhas na análise de riscos
Em seu despacho, Zymler cita que a análise de riscos realizada pela Petrobras apontou que o tolling acarretaria num prejuízo esperado de R$ 487,1 milhões, mas que as alternativas seriam ainda mais custosas:
- R$ 1,23 bilhão para retomada de ambas as plantas pela Petrobras;
- E R$ 542,8 milhões no caso de não realização do tolling e não retomada das plantas pela estatal;
Na avaliação da área técnica do TCU, a comparação é “imprópria”, porque põe frente a frente uma alternativa provisória (o tolling) com as demais opções que, apesar de possuírem premissas “duramente questionadas”, seriam soluções definitivas.
“A Petrobras optou por uma solução provisória, enquanto as demais soluções seriam perenes, de forma que ao final dos oito meses terá que novamente reavaliar a questão, tendo que escolher entre prolongar indefinidamente o contrato de tolling, o que poderia ocasionar prejuízos ainda maiores do que qualquer outra solução definitiva”, cita o despacho de Zymler.
Os auditores também questionam o fato de a Petrobras ter incorporado, nos cálculos que embasaram a assinatura do contrato, riscos de uma greve de funcionários da Petrobras – e de seus impactos sobre as operações da estatal.
No despacho, Zymler destacou que o “risco considerado distorceu completamente o resultado da análise econômica das alternativas”.
Não fosse o risco da greve, o valor presente líquido (VPL) determinístico da alternativa de não se fazer o tolling e não retomar as unidades arrendadas seria superior.
Falhas na governança
O TCU apontou irregularidades no processo de contratação do tolling, para além das falhas na justificativa financeira do negócio e dos problemas na qualificação dos riscos e quantificação do valor econômico esperado das alternativas avaliadas.
A área técnica identificou falha na governança da Petrobras, já que o contrato foi aprovado por apenas um diretor e assinado por um gerente executivo a ele subordinado, sem a participação efetiva das demais instâncias superiores da estatal.
O conteúdo e valor do acordo, segundo o TCU, superam as alçadas decisórias regulamentadas pela companhia.
Além disso, considerou que a petroleira assumiu riscos com o negócio num cenário de mercado desfavorável, mediante a assinatura de um “contrato deficitário, incapaz de oferecer solução definitiva à situação e sem a demonstração clara dos benefícios que seriam auferidos pela Petrobras”.
Cita, por fim, a “precária situação econômica da Unigel” – o que aumenta a complexidade e os riscos do negócio.
A Petrobras rebate
Em nota à imprensa, a Petrobras esclareceu que todos seus contratos e projetos são “elaborados e executados seguindo todos os padrões e requisitos de governança, hierarquia decisória e responsabilidade operacional”.
E que o contrato de tolling com a Unigel está alinhado com o Plano Estratégico 2024-2028 quanto ao retorno à produção e comercialização de fertilizantes.
Afirma, ainda, que o acordo não representa um empreendimento definitivo e autônomo e que se trata de uma medida de caráter provisório que permite a continuidade da operação das plantas enquanto as partes negociam uma “solução definitiva, rentável e viável para o suprimento desses produtos ao mercado brasileiro”.
A Unigel, por sua vez, esclareceu que o contrato de tolling representa uma alternativa temporária para viabilizar a manutenção da operação das plantas e que, como é usual nesse tipo de negociação, “não participou ou teve acesso às análises de viabilidade interna da Petrobras ou aos procedimentos de governança da estatal”.
Destacou que vem suportando os resultados negativos da operação das fafens há um ano “por acreditar ser possível construir uma alternativa viável e integrada para a fabricação e comercialização de fertilizantes nitrogenados” nas plantas de Sergipe e Bahia.
O grupo informou, ainda, que tanto Petrobras como a Unigel seguem trabalhando com suas equipes técnicas e gerenciais para construir, dentro dos próximos meses, “uma solução consolidada que garanta viabilidade, rentabilidade e competitividade para a operação das duas plantas de propriedade da Petrobrás atualmente operadas pela Unigel”.
O histórico
O acordo possui vigência de 240 dias e prevê o pagamento global de R$ 759,2 milhões ao Grupo Unigel pela prestação dos serviços nas fábricas de fertilizantes de Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE) – ambas de propriedade da Petrobras, mas arrendadas em 2019 para a Unigel por dez anos (prorrogáveis por igual período).
De acordo com o TCU, a Unigel se comprometeu, no contrato de arrendamento, a pagar mensalmente R$ 800 mil pela planta de Camaçari; e R$ 675 mil por Laranjeiras.
O arrendamento das fábricas de fertilizantes foi a opção encontrada para manter os ativos em operação, depois da pressão política sobre a estatal após ela decidir descontinuar suas atividades no ramo de fertilizantes, em 2018, e hibernar as fábricas.
A companhia, historicamente, convive com dificuldades em viabilizar economicamente os ativos. A unidade técnica do TCU relata que as plantas operaram, entre 2013 e 2017, com “resultado predominantemente deficitário”.
As duas fábricas foram, então, reativadas pela Unigel a partir de 2021. Na ocasião, celebrou um contrato de fornecimento de gás natural com a própria Petrobras na modalidade ship or pay (com compromisso de pagamento independente do consumo de gás).
Em 2022, os resultados da Unigel com os ativos foram positivos, em meio à valorização dos preços dos fertilizantes no mercado internacional. Em 2023, no entanto, o quadro favorável se reverteu e a empresa decidiu, então, interromper a operação das fábricas.
Foi nesse contexto que Petrobras e Unigel negociaram o contrato de tolling – assinado dentro de conversas mais amplas entre as partes sobre uma possível parceria em fertilizantes, hidrogênio verde e negócios em baixo carbono.