RIO — A preocupação com o descasamento entre o cronograma de expansão e adequação das linhas de transmissão de energia e os subsídios previstos no Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono (PHBC) é uma das principais pautas da Associação Brasileira do Hidrogênio Verde (Abihv) para 2025.
Em entrevista à agência eixos, a presidente da entidade, Fernanda Delgado, explica que o acesso à rede é essencial para viabilizar os projetos do setor e evitar gargalos que possam comprometer a transição energética do Brasil.
“Sem conexão, não tem transição e hidrogênio verde. O estrangulamento das conexões é um ponto crítico, e estamos acompanhando de perto os estudos e planejamentos junto à EPE, ONS, Aneel e Ministério de Minas e Energia”, afirma a presidente da Abihv.
O PHBC prevê subsídios entre 2028 e 2032, mas o cronograma atual para expansão das redes de transmissão colocaria os primeiros leilões para 2026 e as obras só a partir de 2032.
Isso, na avaliação de Delgado, gera um desalinhamento tanto com o próprio PHBC, quanto com as metas do Ministério de Minas e Energia (MME), no Plano Nacional de Hidrogênio (PNH2), que espera ter projetos estruturantes até 2030 e hubs de hidrogênio consolidados até 2035.
Na semana passada, a Abihv e a Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica) enviaram uma carta ao MME solicitando a antecipação do cronograma de entrega do Plano de Outorgas de Transmissão de Energia Elétrica (Potee).
O plano, que depende da entrega de estudos da EPE, é responsável por relacionar os próximos empreendimentos de transmissão que devem ser outorgados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), através de licitação ou via autorização.
As associações destacam que a conclusão desse estudo está prevista apenas para dezembro de 2025, e que este prazo estaria desalinhado com os cronogramas de decisão de investimento de importantes projetos em andamento de hidrogênio a partir de eletrólise.
Confiança de investidores
A preocupação não é apenas garantir que os projetos em desenvolvimento tenham acesso à eletricidade necessária, mas também que os investidores mantenham a confiança no Brasil como um player estratégico no mercado global de hidrogênio verde.
O setor já conta com projetos importantes prestes a tomar decisão final de investimento em 2025, incluindo iniciativas da Casa dos Ventos, Fortescue, Voltalia, Solatio, European Energy e Atlas Agro.
“Preciso garantir essa energia para estes projetos que são ultra-eletrointensivos”, reforça Delgado.
Segundo dados da EPE, são projetos que chegam a potências de até 12 GW de capacidade instalada ao longo dos anos.
Paralelamente, consulta pública aberta pela Aneel também coloca em discussão os critérios para acesso à rede por esses consumidores ultra-eletrointensivos.
A medida visa evitar uma nova “corrida do ouro”, semelhante à que foi vista no setor a partir de 2021 — quando projetos de geração eólica e solar sobrecarregaram de pedidos o sistema de transmissão —, e sinalizar adequadamente a necessidade de expansão da malha de transmissão.
Hoje, o setor de geração renovável vem sofrendo constantemente com o aumento de cortes e limitações de acesso à rede, o que também é visto com preocupação pela Abihv, por colocar em risco a sustentabilidade econômica das usinas renováveis e afastar novos projetos de geração, essenciais para atender às futuras plantas de hidrogênio verde.
Incentivos para a indústria
Além da infraestrutura elétrica, a agenda regulatória do hidrogênio verde para 2025 também inclui o acompanhamento da regulamentação das leis 14.948 e 14.990, que tratam dos incentivos para o hidrogênio no Rehidro e do PHBC.
“Nosso foco mais importante é como vão ser alocados esses subsídios de 2028 a 2032”, afirma Delgado.
Uma dos pontos de atenção da Abihv é garantir que esses subsídios, que somam R$ 20 bilhões distribuídos ao longo de cinco anos, sejam direcionados para rotas de produção e hidrogênio com menor emissão de carbono e para projetos estruturantes capazes de reduzir o custo do hidrogênio de baixo carnono no mercado.
Prometido para dezembro do ano passado, o rascunho para a regulação do tema deverá ser apresentado em março pelo Ministério da Fazenda e pelo MME.
Outra discussão importante para o ano é o início da regulamentação do mercado regulado de carbono. Segundo Delgado, essa iniciativa pode ajudar a precificar externalidades negativas dos combustíveis fósseis e criar demanda para o hidrogênio no mercado doméstico.
“O mercado de carbono é uma peça-chave para estimular investimentos e garantir que o hidrogênio verde seja competitivo”, afirmou.
Fertilizantes, amônia e e-metanol
Uma das potenciais indústrias consumidoras de hidrogênio verde no Brasil é a de fertilizantes.
A presidente da Abihv lembra que o Brasil importa cerca de 90% dos fertilizantes que consome, devido ao alto custo do gás natural, e que as propostas no Congresso Nacional de criação do Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes (Profert) e do Programa Emergencial para Fabricação de Amônia e Ureia (Pefau), são oportunidades para a produção de amônia verde por meio do hidrogênio.
“Se conseguirmos incentivar a produção nacional, também poderemos reduzir nossa dependência externa e aumentar a competitividade do agronegócio brasileiro”.
Outro tema que estará no radar da Abihv em 2025 é a regulamentação do Combustível do Futuro, com foco no desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF), e o início das discussões sobre combustíveis marítimos verdes, como e-metanol e amônia.
“O metanol, por exemplo, ainda não é reconhecido como combustível no Brasil, sendo classificado apenas como solvente. Precisamos trabalhar junto às agências reguladoras para adequar essa classificação e destravar investimentos”, explica.
Com a COP30 no horizonte, Delgado acredita que este também será um ano para demonstrar à comunidade internacional que o Brasil não apenas tem potencial em energia renovável, água e infraestrutura logística, mas também avança na construção de um arcabouço regulatório que atraia investimentos para o setor.
“Se o Brasil quer se posicionar como um player internacional, precisamos mostrar que temos não apenas os recursos, mas também políticas públicas robustas e um ambiente regulatório seguro”, conclui.
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