Em discurso na 64ª Conferência Geral da AIEA, Bento Albuquerque afirma dedicação da CNEN à pesquisa e criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear vão acelerar desenvolvimento do reator multipropósito brasileiro
BRASÍLIA – O governo federal tem pronta uma minuta de medida provisória (MP) para criar a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), novo órgão para fiscalizar atividades nucleares.
O texto é uma resposta às exigências de órgãos de controles, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
O entendimento é que a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) atualmente fiscaliza suas próprias atividades. A comissão é, ao mesmo tempo, um órgão executor de projetos da política nuclear e fiscal do setor.
- Cobertura completa: É preciso expandir quadros da CNEN, afirma diretor do órgão
O Ministério de Minas e Energia (MME), comandado por Bento Albuquerque, está à frente da criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear. Almirante de Esquadra da reserva, o ministro e alguns de seus assessores diretos têm passagem pelo setor do nuclear, dentro e fora da Marinha.
A criação do novo órgão ocorre em um momento que o governo federal traça metas para o setor, envolvendo a conclusão das obras da Usina Nuclear de Angra 3, retomar atividades de mineração de urânio, implantar o Repositório Nacional de Rejeitos Radioativos e construir o Reator Multipropósito Brasileiro, por exemplo.
São planos para os próximos dez anos, segundo a pasta.
No longo prazo, a meta do MME é instalar um total de 10 GW de potência em novas usinas nucleares até 2050.
A proposta de MP vem da “necessidade imperiosa e urgente de segregar competências – hoje a cargo da CNEN – que não podem estar sob a alçada de um mesmo agente público (…) que, concomitantemente, desenvolve a política nacional de energia nuclear no Brasil, desenvolve pesquisas, e, também, é responsável por estabelecer normas, regular, licenciar e fiscalizar as suas atividades, além do uso da energia nuclear em todo o país”, afirma o MME.
O diagnóstico é feito pelo Chefe da Assessoria Especial de Gestão Estratégica do MME, Ney Zanella, em um dos documentos que fundamentam a medida provisória – obtidos pela epbr por meio da Lei de Acesso à Informação.
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CNEN fica no MCTI, ANSN vai para o MME e Marinha mantém independência
O plano de criação da ANSN prevê uma cisão da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que atualmente é responsável por todas as etapas do setor, como pesquisa, operação e fiscalização de projetos que usam tecnologia nuclear.
Segundo a minuta da MP, a comissão será reestruturada e continuará responsável pelas áreas de ciência, tecnologia, inovação e pesquisa, subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCTI), de Marcos Pontes, tenente-coronel da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB).
A vinculação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear será definida em decreto, mas o MME afirmou à epbr que o novo órgão será supervisionado pela pasta.
As atribuições atuais da Agência Nacional de Mineração (ANM) em relação à mineração de urânio, bem como a regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre as usinas termonucleares de Angra ficarão a cargo da ANSN.
Marco Pontes (MCTI), o diretor-geral da IAEA, Mariano Grossi, e Bento Albuquerque se reuniram em setembro durante convenção em Viena, Áustria (foto por MME)
A atuação da futura autoridade inclui ações não relacionadas diretamente com a geração de energia, como projetos de irradiação de alimentos e medicina nuclear.
Mais um ponto de contato dos militares com o setor. A Amazul (Amazônia Azul Tecnologias de Defesa), por exemplo, pretende criar centros de irradiação voltados para esterilização de alimentos, medicamentos, cosméticos, insumos para a área médica e outras indústrias.
Estatal da Marinha, a Amazul foi criada em 2013 para desenvolver tecnologias prioritárias do Programa Nuclear da Marinha (PNM) e do Programa Nuclear Brasileiro (PNB). O projeto de maior identificação com as forças armadas é o reator de propulsão nuclear.
Os principais projetos da Marinha na área nuclear não ficarão, contudo, sob a responsabilidade da nova autoridade nacional.
No ano passado, o governo enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional que atribui à própria Marinha a fiscalização do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) e do PNM. A lei foi sancionada por Jair Bolsonaro (sem partido) em janeiro de 2020.
A decisão do novo órgão envolveu, especialmente, os ministérios de Minas e Energia, o MCTI e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), do general da reserva Augusto Heleno, e que atualmente abriga o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro (CDPNB).
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MME e Marinha buscam protagonismo
As atribuições da nova Autoridade Nacional de Segurança Nuclear são reflexo do protagonismo de Bento Albuquerque e do grupo oficiais da Marinha ligados ao setor desde o início do governo.
O vice-almirante Zanella é presidente do conselho da Nuclep, estatal de caldeiraria pesada que atende a projetos nucleares da Marinha, e das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), responsável pelo enriquecimento e mineração de urânio – área em que Bento Albuquerque defende a entrada de capital privado, sob controle do governo.
O próprio ministro presidiu o conselho da Nuclep até 2019 e liderava o programa de desenvolvimento do submarino nuclear, o Prosub, no qual Zanella também atuou.
O governo Bolsonaro planeja privatizar a Nuclep. A estatal, diretamente vinculada à CNEN, foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND) em abril deste ano.
Em 2018, Ney Zanella presidia a Amazul e Bento Albuquerque era diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha. Receberam o ex-ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, no centro de pesquisas de São Paulo (foto por MME).
“O mercado está ansioso para isso”
Para o presidente da ABDAN (Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares), Celso Cunha, a subordinação ao MME do órgão que também cuidará de outros usos nucleares, como irradiação de alimentos e medicina nuclear, não é um problema.
“Mais de 70% da atividade é Minas e Energia. O mercado está ansioso para isso, é um debate mais do que maduro e a criação de um ambiente regulatório independente dá credibilidade ao setor”, disse.
Cunha afirma que a fiscalização do setor nuclear é totalmente diferente dos demais, especialmente pelo controle que deve se ter sobre os minérios e combustíveis nucleares.
“Mineração de urânio não é só escavar um buraco, estamos falando de um componente que tem controle mundial, em que somos fiscalizados”.
Além das usinas nucleares de Angra 1 e 2, a ANSN ficará responsável, por exemplo, por fiscalizar o Reator Multipropósito Brasileiro, do IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) e mais de duas mil instalações nas áreas de segurança, serviços, indústria e medicina.
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Preocupação na Economia é com salários
O político epbr, serviço de informações exclusivas da epbr, antecipou na semana passada que a equipe econômica mantém ressalvas com a criação da ANSN.
O problema identificado não é o mérito da proposta, mas a possibilidade de aumento de despesa a médio e longo prazos.
Mesmo com a justificativa de que não seria necessário gastos para a criação do órgão, o receio é que a nova autoridade abra portas para uma pressão por recursos para fortalecimento do órgão e eventual transformação da autoridade em agência reguladora.
Com isso, seria necessário a equiparação de cargos e carreiras dos atuais funcionários com os servidores das agências, o que significaria mais custo para as contas públicas.
Segundo a minuta da MP, não há previsão de aumento de despesa com criação da ANSN. A estratégia do governo é a reorganização de funções gratificadas e uso de cargos já existentes na CNEN.
A diretoria da nova autoridade funcionará de forma semelhante às agências reguladoras, com indicação pelo ministério supervisor e nomeação pela Presidência da República.
A MP não detalha a estrutura regimental e os cargos da nova autarquia, que serão definidos também por decreto.
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