Crise orçamentária

Cortes no orçamento da Anac paralisam certificação de eVTOLs

Bloqueio afeta deslocamentos técnicos necessários à avaliação de novos operadores aéreos, produtos aeronáuticos e inovações. Restrição orçamentária também compromete Aneel e ANP

Protótipo em escala real do eVTOL da Eve (Foto Divulgação Embraer)
Protótipo em escala real do eVTOL da Eve (Foto Divulgação Embraer)

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) suspendeu processo de certificação de eVTOLs no Brasil — os “carros voadores” da Embraer — devido a restrições orçamentárias. A decisão decorre do bloqueio de R$ 30 milhões no orçamento da agência pelo Decreto 12.477/2025.

Segundo a agência, o corte interrompeu os deslocamentos técnicos necessários à avaliação de novos operadores aéreos, produtos aeronáuticos e inovações, como os veículos elétricos de decolagem e pouso vertical liderados pela Eve, da Embraer.

Os problemas no orçamento da agência ameaçam atrasar a entrada em operação de tecnologias emergentes e comprometem o posicionamento do país no setor aeronáutico global.

A certificação de eVTOLs exige acompanhamento técnico contínuo, alinhado aos padrões da Organização da Aviação Civil Internacional (Oaci), com articulação junto a agências internacionais. A paralisação dos trâmites, além de minar a credibilidade do país, pode postergar investimentos já em curso, afirma a Anac.

Em resposta, a agência reguladora negocia com o Ministério de Portos e Aeroportos a recomposição emergencial dos recursos, com participação do Planejamento e da Casa Civil.

O corte equivale a cerca de 25% do orçamento autorizado para 2025, que passou de R$ 120,7 milhões para R$ 90,7 milhões — bem abaixo dos R$ 172 milhões originalmente solicitados, disse a Anac em nota. Em termos reais, atualizados pelo IPCA, o orçamento deste ano representa apenas um terço do previsto em 2013.

Outras áreas operacionais da Anac também foram atingidas. O contrato com a Fundação Getulio Vargas para aplicação de provas foi encerrado, interrompendo a emissão de licenças e habilitações para pilotos, comissários, mecânicos e demais profissionais do setor. A agência reguladora estima a formação de filas para exames, o que pode gerar gargalos no ingresso de mão de obra qualificada no setor aéreo a curto e médio prazo.

Atividades de fiscalização de segurança operacional correm risco de sofrer redução de até 60% no volume planejado. Isso pode afetar a regularidade de inspeções em aeroportos, oficinas, aeroclubes e operadores.

O impacto também preocupa autoridades internacionais. Agências estrangeiras têm manifestado receios sobre a capacidade brasileira de manter padrões de vigilância aérea, o que pode limitar acordos, voos e exportações de tecnologia, diz a Anac.

A fragilidade orçamentária afeta também a participação da agência nos preparativos da COP30 e na operação Yanomami. Sem verba, a agência cortou ações de planejamento e monitoramento aeroportuário na região de Belém (PA), sede do evento da ONU.

Aneel e ANP também sofrem

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sofreu bloqueio de R$ 38,6 milhões em 2025, reduzindo seu orçamento de R$ 155,6 milhões para R$ 117 milhões. A agência dispensou 145 terceirizados, limitou o funcionamento até as 14h e suspendeu atividades de fiscalização e ouvidoria. Diretores alertam que a restrição compromete deliberações regulatórias e cursos de formação.

A Aneel manteve o cronograma de análise das renovações de concessões de distribuidoras, mas reconhece que o impacto nos demais setores é o maior em duas décadas, afirmou o diretor-geral da autarquia, Sandoval Feitosa, na quinta-feira (26/6), durante o Energy Summit, no Rio de Janeiro.

“As análises das empresas que pediram a renovação estão sendo feitas, então eu não vejo nenhum comprometimento do cronograma de cumprimento da renovação das concessões”, disse.

Na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o corte de R$ 35 milhões inviabilizou o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) durante o mês de julho, após a coleta de 26,6 mil amostras no primeiro semestre.

O programa já havia sido suspenso por dois meses em 2024.

Com orçamento discricionário reduzido em mais de 80% desde 2013 — de R$ 749 milhões para R$ 134 milhões —, a ANP também cortou passagens, diárias e até a divulgação de dados públicos, como o levantamento semanal de preços de combustíveis (LPC).

Afrouxamento beneficia crime organizado

A suspensão de fiscalizações também amplia os riscos de fraudes e insegurança jurídica, alertaram as principais entidades do setor de combustíveis em manifesto divulgado na terça passada (24/6).

“Uma ANP enfraquecida fica limitada em ações essenciais, o que o histórico já mostrou, abre espaço para o aumento de riscos à segurança veicular, à integridade dos motores e à saúde pública, além de favorecer concorrência desleal e prejuízos à arrecadação tributária, sendo um atrativo para criminosos no setor de combustíveis”, dizem no manifesto.

O documento, assinado por Abicom (importadores), Brasilcom, IBP, ICL e Sindicom (distribuidoras), SindTRR (transporte e revenda retalhista) e Fecombustíveis (varejo), destaca que “investir na estrutura das agências é investir na proteção do consumidor, na segurança energética do país e na estabilidade do ambiente regulatório brasileiro”.

A fragilização das agências ocorre em meio ao congelamento de R$ 30 bilhões em despesas da União em maio, e tem sido criticada por associações do setor energético, que apontam riscos à estabilidade regulatória, segurança operacional e previsibilidade jurídica.

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