Cadeia de carbono

Segurança pública: Motta ignora urgência do devedor contumaz 

Hugo Motta pautou dez urgências no plenário da Câmara com o tema da segurança, mas a prioridade passou ao largo do devedor contumaz, prioritário para Fernando Haddad

Segurança pública: Motta ignora urgência do devedor contumaz 

BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos/PB) – e outras lideranças da Casa – ignoram a urgência proposta pelo governo ao projeto de lei da tipificação do devedor contumaz (PLP 125/2022). O texto é prioridade do Ministério da Fazenda, pasta que conduz as investigações de fraudes no mercado de combustíveis. 

Motta já pautou dez urgências no plenário da Câmara com o tema da segurança, abordando desde a crise das intoxicações com metanol em São Paulo ao endurecimento de penas contra pedófilos. “Segurança é uma das maiores preocupações dos brasileiros, uma prioridade do Parlamento – e prioridade se faz ouvindo, dialogando e agindo”, disse.

Mas a prioridade passa ao largo do devedor contumaz. Desde que chegou na Câmara em 9 de setembro, o PLP 125/2022 sofre resistências entre parlamentares e incertezas entre líderes partidários, conforme apurou a eixos junto a lideranças e deputados ligados ao tema, ouvidos ao longo de duas semanas. 

O ministro Fernando Haddad e seu secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, contam com a proposta para cessar práticas de cunho fiscal. A pasta tem a convicção de que conseguirá atestar práticas fraudulentas no mercado de combustíveis e suas ramificações na Faria Lima. 

A eixos procurou o presidente Hugo Motta por telefone por duas ocasiões, mas não obteve retorno, embora posteriormente ele tenha confirmado o recebimento das mensagens. 

Questionado sobre o projeto Motta afirmou, momentos antes de entrar no veículo oficial, que a proposta ainda não havia sido discutida no colégio de líderes para definir relator e rito de tramitação. “Ainda não foi discutido no colégio de líderes, ainda tem que esperar um pouquinho”, disse.

Lentidão para decidir

O deputado Danilo Forte (União/CE) postula a relatoria do projeto. Segundo ele, Motta sinalizou que pretende chamá-lo para conversar sobre o tema na próxima semana. Forte relatou um texto similar, que não avançou.

O projeto aguarda deliberação de Motta desde 9 de setembro. O líder do governo, José Guimarães (PT/CE), apresentou no dia 11 um requerimento de urgência para o texto ser votado diretamente em plenário, dispensando comissões temáticas.

Já o deputado Capitão Alden (PL/BA) obteve a aprovação, dia 23, de um pedido para realização de audiência pública sobre o tema na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

Nesta quarta-feira (1/10), em meio à discussão de projetos com o objetivo de combater fraudes no setor de combustíveis, deputados da Comissão de Minas e Energia cobraram que a votação PLP 125/2022.

Motta tem sido cobrado pelo agro, em uma aliança entre produtores de biocombustíveis com o mercado de óleo e gás. 

“Nós temos o devedor contumaz (…) que é um vulto que anda por esta Casa agora. Foi aprovado lá no Senado Federal e agora o senhor presidente da Câmara não põe em votação a questão do devedor contumaz”, afirmou o presidente da Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio), Alceu Moreira (MDB/RS).

Com quatro cargas retidas em direção à refinaria de Manguinhos, de Ricardo Magro, a Refit se tornou alvo prioritário das operações, já apelidadas pelo ministro Haddad de um combate à “refinaria do crime” –  sem nunca citar diretamente o empresário.

O Grupo Fit é apontado como maior devedor de ICMS do país por utilizar empresas do conglomerado para neutralizar os efeitos de regimes tributários especiais. Somente em São Paulo a dívida soma cerca de R$ 9,7 bilhões, segundo a Secretaria de Fazenda.

No texto aprovado pelo Senado, o devedor contumaz foi definido como a empresa com dívidas acima de R$ 15 milhões e com valor total superior ao patrimônio da companhia.

Magro nega todas as acusações. Em entrevista à Folha de S. Paulo, afirmou ser perseguido pela Cosan, de Rubens Ometto e seu concorrente; a empresa atribui às dívidas tributárias a uma disputa legítima com os fiscos estaduais.

Projeto mira crime organizado

O projeto de lei institui o Código de Defesa do Contribuinte e define critérios jurídicos para enquadrar o chamado ‘devedor contumaz’ e foi proposto pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG). A contumácia é crime contra a concorrência de mercado por meio de sonegação fiscal praticada por empresas que não recolhem impostos.

A proposta é defendida por Haddad como vital para impedir o avanço do crime organizado em setores da economia. Em especial no setor de combustíveis, por meio de lavagem de dinheiro na operação de postos.

“A gente espera que essa lei seja aprovada, porque vai revelar um esquema de crime organizado que, quando revelado na sua inteireza, vai demonstrar quem efetivamente rouba o Brasil. Isso não vai demorar muito”, disse o ministro, há uma semana, em audiência na Comissão de Agricultura da Câmara.

A infiltração de organizações criminosas nesse segmento, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), já foi alvo de operações policiais federais, estaduais, da Fazenda e da Receita. A investida começou em agosto, com a Operação Carbono Oculto e avançou, no dia 25, por meio da Operação Spare.

A Carbono Oculto impulsionou a aprovação do PL do Devedor Contumaz no Senado. Mas o tema esfriou após a operação, que cumpriu cerca de 350 mandados de busca e apreensão em oito estados. 

Ligações políticas

Parlamentares evitam falar abertamente sobre o tipo de pressão que sentem em relação a Magro. O empresário é apontado como um homem com forte ligação junto a políticos importantes. Ele atuou como advogado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. 

Em maio, a Refit foi patrocinadora master do fórum Brazil Insights, em Nova York, organizado pela revista Veja. O evento contou com a presença de Motta, do senador Ciro Nogueira (PP/PI) e do ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do STF.

Ciro é apontado como o político mais próximo de Magro. O senador atuou para que o PL do Devedor Contumaz não avançasse. 

Ele pressionou, por exemplo, para substituir a Receita Federal pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) como órgão de fiscalização e punição dos devedores contumazes. O pleito não avançou no projeto, aprovado no calor do impacto da Carbono Oculto.

Magro já foi alvo de operações policiais e foi preso em Bangu, após acusação de fraude em fundos de pensão. O empresário se diz perseguido por concorrentes e o PCC, o que o teria motivado a mudar-se para Miami. 

A Refit foi citada em documentos da Carbono Oculto como fornecedora de combustíveis para o esquema do PCC por meio da distribuidora Rodopetro, adquirida pelo Grupo Fit da Copape, apontada pela investigação como braço da organização criminosa. O grupo empresarial negou as acusações e afirmou não ter sido alvo da operação.

A ANP determinou a interdição cautelar da refinaria de Manguinhos em 26 de setembro. A Refit contesta a decisão, alegando que os 11 pontos levantados pela fiscalização não justificam a medida.

A agência identificou três principais problemas: descumprimento das regras de cessão de espaço com distribuidoras como a Rodopetro; importação irregular de gasolina, rotulada como nafta ou condensado; ausência de atividades de refino, embora a Refit afirme que realiza o processamento necessário.

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