RIO – O parecer apresentado pelo senador Weverton (PDT/MA) ao PL das eólicas offshore (576/2021) preserva as emendas da Câmara dos Deputados que visam a destravar a contratação das termelétricas a gás previstas na lei de privatização da Eletrobras (14182/2021).
O texto que iria à votação da Comissão de Infraestrutura nesta terça (3/12), mas foi adiada a pedido da liderança do governo, está entre as prioridades na pauta de votação do Senado Federal. Se aprovado, seguirá para sanção ou veto presidencial.
O parecer de Weverton mantém a proposta aprovada na Câmara que reduz de 8 GW para 4,25 GW o compromisso de contratação das térmicas a gás – substituídas por pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
Por outro lado, muda a forma de cálculo do preço-teto dos leilões das térmicas, de forma a ancorar nas tarifas de energia os custos dos gasodutos de transporte necessários para levar o gás às usinas que serão construídas em regiões hoje não atendidas por infraestrutura de gás.
O compromisso de contratação das térmicas locacionais (chamadas assim por serem contratadas em regiões pré-determinadas) é uma herança do governo Jair Bolsonaro (PL) – e, no mandato de Lula (PT), enfrenta a oposição da área ambiental e da equipe econômica.
Estudos de áreas técnicas de diferentes pastas questionam a eficiência da proposta introduzida no PL das eólicas offshore (e o próprio modelo das térmicas locacionais), tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico, e também suas implicações sobre o planejamento energético – seja no setor elétrico, seja no setor de gás natural.
Distribuidoras de gás vão definir custo de térmica
A ideia é que a definição do preço-teto leve em consideração o preço do gás obtido pelas distribuidoras estaduais de gás canalizado, em chamadas públicas.
Em outras palavras, significa subordinar as tarifas de energia ao preço do gás, facilitando a construção de gasodutos.
Em 2022, o primeiro e único leilão realizado até o momento para contratar as termelétricas previstas na lei de desestatização da Eletrobras fracassou em contratar os 2 GW em jogo e em promover a interiorização dos gasodutos. Foram contratados 0,7 GW.
Na ocasião, empreendedores se queixaram justamente do preço-teto da energia – o equivalente ao preço teto atualizado para geração a gás do leilão A-6 de 2019, já previsto na lei vigente.
As térmicas locacionais têm previsão de geração mínima, para ancorar o fornecimento a regiões não atendidas por infraestrutura de gás. O texto assegura uma inflexibilidade de 70%.
Rio perde cota em contratação de térmicas
Na redução da potência, o projeto corta 1 GW da previsão de contratação livre de térmicas na região Sudeste. Projetos em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, deixam de ser contemplados pela lei. Os estados recebem as rotas do pré-sal.
Isso porque o parecer altera a distribuição da capacidade a ser contratada por região, em relação aos compromissos definidos no decreto 11.042/2022.
Em 2021, coube ao Senado Federal elevar a de 6 GW para 8 GW a contratação compulsória das térmicas. Foram contemplados, justamente, os estados do Sudeste. A maioria dos senadores da região votaram a favor da privatização.
Agora, o texto é mais restritivo na definição do ‘CEP das usinas’: metade da potência a ser alocada na região passa a ser obrigatoriamente direcionada ao Triângulo Mineiro – rota do Brasil Central, da Termogás, mas também no radar da TBG.
E a outra metade em região atendida pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – ou seja, em parte de Minas Gerais e Espírito Santo.
O relatório do PL 576/2021 também reduz os compromissos de contratação nas demais regiões – à exceção do Nordeste.
Perde:
- 2,5 GW para 1 GW no Norte (250 MW no Amapá e 750 MW no Amazonas);
- 2,5 GW para 1 GW no Centro Oeste (500 MW em Goiás e 500 MW no Distrito Federal);
- 2 GW para 1 GW no Sudeste;
Ganha:
- 1 GW para 1,25 GW no Nordeste (sendo 500 MW no Piauí e 750 MW no Maranhão)
Quem é quem
As térmicas a combustíveis fósseis (o gás entre eles) têm recebido uma oposição crescente de ambientalistas, consumidores industriais e outras entidades do setor elétrico. Geradores renováveis temem, inclusive, aumento dos cortes de geração.
Já as transportadoras e distribuidoras de gás também são aqueles que podem eventualmente se beneficiar da instalação de térmicas como clientes âncoras para planos de interiorização da rede de gasodutos.
A Termogás, vinculada ao empresário Carlos Suarez, é acionista de distribuidoras de gás em estados que hoje não contam com infraestrutura e que se beneficiariam diretamente de gasodutos ancorados pelas termelétricas – como Goiás, Amapá, Piauí e o Distrito Federal.
A companhia também possui projetos de novos gasodutos de transporte, como o Meio Norte (CE-MA-PI) e o Brasil Central (SP-MG-GO-DF) – além de ter histórico de participação na geração de energia.
Mas não só ela. A Transportadora Associada de Gás (TAG) tem planos de expansão no Nordeste e no Norte, para levar gás às usinas locacionais; e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) estuda uma rota para o Triângulo Mineiro.
Conflito com o Plano Integrado do Gás
Nota técnica do Ministério da Fazenda, de julho, recomendou a exclusão do capítulo das térmicas locacionais do PL das eólicas offshore.
Como a maior parte das usinas deverá ser instalada em regiões sem suprimento de gás, a Fazenda alega que isso pode significar aumento dos custos – tanto para transportar o gás às térmicas quanto para escoar a energia por elas gerada até os grandes centros de consumo.
Com um agravante: o PL reduz a quantidade de GW a serem contratados, então haverá um aumento do custo unitário da energia térmica gerada, uma vez que “será contratada menor quantidade de MW para o mesmo custo de infraestrutura de gás”.
Essa perda de eficiência dos custos das térmicas locais contradiz o modelo de expansão da infraestrutura de gás pensado pelo governo nas discussões do Gás para Empregar.
O Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano, introduzido no novo decreto regulamentador da Lei do Gás, reforça a posição da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no planejamento do setor.
O decreto diz que esse planejamento deverá levar em consideração “a eficiência das infraestruturas, de forma individual e de forma global, para promover o menor impacto de custo sistêmico, ao longo do tempo, e contribuir para a modicidade dos preços do gás”.
A intenção é que a EPE faça a integração de todos os seus planos e a coordenação das necessidades dos diversos agentes e, a partir daí, subsidie a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no processo de outorga de novos projetos.
A EPE indicará, por meio do Plano Nacional Integrado, as melhores alternativas de expansão das infraestruturas, analisadas de forma sistemática.
E a ANP ofertará, então, a outorga da autorização para as instalações previstas no Plano para os investidores interessados, por meio de processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso, considerados os aspectos técnicos e econômicos.
EPE questiona eficiência das térmicas locacionais
O Plano Decenal de Energia (PDE) 2034, colocado em consulta pública pela EPE, traz ressalvas ao modelo das térmicas locacionais – mais caras e poluentes.
As usinas a gás, com inflexibilidade de 70%, concorrem com a expansão das energias renováveis, mais limpas, e, em certa medida, com os leilões de térmicas flexíveis – o Leilão de Reserva de Capacidade é encarado, hoje, como uma oportunidade de recontratação de usinas a gás existentes.
Um estudo de sensibilidade sobre as térmicas locacionais, contidos no PDE, concluiu que a não contratação dessas usinas, ao levar à expansão de fontes renováveis (sobretudo eólica e solar) e térmicas flexíveis, aumentaria a renovabilidade da matriz elétrica e reduziria as emissões de gases de efeitos estufa (GEE) em 45% ao ano.
Ainda segundo o PDE, a retirada da obrigatoriedade de expansão das térmicas locacionais agregaria a instalação de 13,5 GW de geração renovável – complementada por 4,4 GW de térmicas flexíveis a gás; 200 MW de armazenamento e quase 600 MW retrofit de termelétricas existentes.
A economia desse novo arranjo para o sistema, no horizonte decenal, é estimada em R$ 15 bilhões (consideradas as diferenças entre investimentos e custos operacionais entre os dois cenários).
Atualizado para inserir a informação do adiamento da votação na Comissão de Infraestrutura.