A proposta de mudanças nas regras de conteúdo local encaminhada pelo governo Lula à Câmara dos Deputados (o PL 3337/2024) acerta ao trazer uma política baseada em bonificação, e não numa lógica punitivista – ainda que membros da indústria de óleo e gás enxerguem necessidade de melhorias no texto.
Essa foi a tônica do painel “Política industrial para fornecedores do setor de petróleo e gás” durante o seminário de encerramento da Offshore Week 2024, realizado pela agência eixos nesta quarta (30/10).
Para o gerente Executivo de Política Industrial do IBP, Pedro Alem, o PL recém-apresentado pelo governo incorpora a lógica do incentivo trazida pelo Pedefor – programa de estímulo à competitividade da cadeia produtiva de óleo e gás lançado no fim do governo Dilma Rousseff, em 2016, mas revogado por Jair Bolsonaro (PL).
“A gente enxerga esse projeto como positivo. Ele traz elementos que permitem avançar para uma lógica de enxergar o portfólio e não enxergar exclusivamente, projeto a projeto, módulo a módulo, o que pode acabar gerando ineficiências”
“Então, você consegue trabalhar uma visão de como eu consigo ocupar a capacidade da indústria de uma forma mais racional”, comentou Alem.
O PL 3337/2024 autoriza a transferência de excedentes de conteúdo local entre contratos de concessão e partilha de produção vigentes. O argumento é que isso tem o potencial de conferir maior flexibilidade às decisões de investimentos e incentivar as companhias petrolíferas a realizarem investimentos em bens e serviços nacionais, ao invés de pagar multas pelo descumprimento de exigência contratual.
ABESPetro vê transferência com ressalvas
Na visão de Telmo Ghiorzi, presidente da ABESPetro, que representa as empresas da cadeia produtiva de óleo e gás offshore no Brasil, as cláusulas de conteúdo local se transformaram numa “bela indústria de multa, mas não gerou uma indústria capaz de ser exportadora” – à exceção dos fornecedores de equipamentos subsea.
O PL 3337/2024 acerta ao ir na direção da bonificação. Ele vê com ressalvas, porém, a possibilidade de transferência dos excedentes, dada a complexidade de operacionalização desse mecanismo.
“Quando você joga o conteúdo local excedente de um projeto em outro projeto, completamente diferente, de outra rodada, de outro assunto, de outra coisa, outro universo, outro contexto, esse jogo pode ser jogo de soma zero”, opina.
Ghiorzi defende que a indústria nacional precisa de uma política industrial para o setor de energia como um todo.
“De fato, há uma lacuna na política industrial do Brasil para a área de energia em geral, petróleo em particular”.
Firjan defende política de Estado
Para a gerente de Óleo e Gás da Firjan, Karine Fragoso, essa é uma carência histórica no Brasil.
“Nós temos uma cláusula de conteúdo local dentro de um contrato de concessão, mas não uma política que viabilize o operador que tem um compromisso de fazer conteúdo local a de fato realizar aquele compromisso dentro dos parâmetros de competitividade que vão colaborar altamente com o negócio dele e com o fortalecimento da indústria”
Karine Fragoso defende que o país precisa de uma política de Estado, e não que as iniciativas de fomento à cadeia produtiva do setor fiquem sob responsabilidade da Petrobras.
“A Petrobras não pode, não deve fazer política industrial neste momento e no futuro. Ela pode fazer o que ela entende que é importante para ela, ter uma indústria forte próxima dela, para poder atender as questões que são, muitas vezes, customizadas”
Segundo ela, o PL 3337/2024 é uma “boa proposta, mas que, obviamente, precisa ser melhor trabalhada”.
“Essa proposta tem que, de fato, observar alguns parâmetros para que a indústria seja beneficiária desse também benefício para os operadores”.
Sem novas reservas, indústria viverá de solavancos
Karine prega a necessidade de dar previsibilidade à cadeia produtiva. E destaca que o esforço na reposição de reservas é essencial para construção de uma demanda futura para a indústria.
“Se a gente não consegue construir reserva que vai, por si, construir demanda futura, a gente vai viver de solavancos, de picos e vales mais frequentes que deveríamos ter”.
Alem, do IBP, defende a necessidade de regularidade nos leilões de áreas exploratórias. Ele destaca que, apesar da grande quantidade de novas plataformas por entrar em operação nos próximos anos, o momento é de incertezas sobre a demanda por bens e serviços.
“Onde é que está a continuidade de demanda furando seis poços [exploratórios] ao ano?”