BRASÍLIA – O senador Mecias de Jesus, do Republicanos de Roraima, está propondo uma legislação ambiental específica para a autorização da exploração de petróleo e gás natural na Foz do Amazonas, além de repasses de royalties para a região. A proposta protocolada em março, contudo, acendeu um alerta em ambientalistas.
O projeto de lei 1.247/2025 ainda aguarda despacho do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), que é hoje o principal político a defender a emissão pelo Ibama da licença para a Petrobras iniciar a perfuração no offshore do Amapá, seu estado de origem.
O projeto de Mecias de Jesus inclui três artigos na Lei do Petróleo, criando um regime específico para o licenciamento ambiental da exploração e produção de óleo e gás na Bacia da Foz do Amazonas.
A região seria tratada como “de relevância estratégica para a segurança energética nacional”, o que poderia ser estendido para outras bacias por ato do governo federal.
Ele justifica que o projeto é rígido nas exigências ambientais e torna a atividade petrolífera na região ainda mais rigorosa, com exigência de tecnologias para minimizar impactos ambientais e sociais.
Além da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), elaborada por órgãos técnicos do Executivo Federal.
O texto fala que a exploração deve trazer benefícios diretos à população local, como infraestrutura, qualificação profissional e atividades sustentáveis.
E reforço à segurança energética nacional, redução das desigualdades regionais e aumento da arrecadação pública.
Ameaça à competência do Ibama
Para ambientalistas, o risco é o texto suplantar o licenciamento e transferir para o Ministério de Minas e Energia (MME) e para a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) competências que são do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ibama — órgãos que não participaram da elaboração do texto.
A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, classificou como “desnecessária” a proposta e que a legislação atual já prevê os instrumentos necessários.
“Cabe questionar com vigor o recorte dado pela proposta: por que regras específicas para a Foz do Amazonas e em áreas sedimentares de relevância estratégica para a segurança energética nacional? Quem definirá essa relevância estratégica?”, questiona Araújo.
Segundo ela, o projeto traz mais pressão simbólica à abertura da fronteira amazônica, decisão que cabe hoje o Ibama. “Se acham que estarão obrigando a concessão de licenças ambiental dessa forma, estão equivocados. Esse projeto de lei não reúne condições mínimas de prosperar no Legislativo. Se virar lei, vai cair no Supremo Tribunal Federal”, antevê Araújo.
Mecias de Jesus também está propondo a distribuição de royalties a estados do Norte que não abrangem a Margem Equatorial, como é o caso de Roraima, seu estado. O projeto destina 5% de royalties para estados da região, com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais.
Para o diretor técnico da organização de ambientalistas Arayara, Juliano Bueno, a AAE proposta tem a finalidade de substituir a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).
“A Avaliação Ambiental Estratégica é extremamente curta. A gente tem que lembrar que a maioria dos estudos das bacias sedimentares brasileiras estão desatualizados ou não foram realizados. Então, uma das preocupações é que a AAE não atende a todas as premissas ambientais legais em vigência no país”, afirmou Bueno.
Para a Arayara, o projeto representa um reducionismo e um risco. “O texto não cita o Ibama, também não está nítido o suficiente se, tendo a AAE, basicamente já teria a licença prévia”, reforçou.
Segundo o diretor da entidade, uma mudança na lei poderia afetar todos os processos de licenciamento, usando como ponto central a segurança energética nacional. Bueno vê no movimento de senadores da região Norte uma articulação para licenciar a exploração na Foz do Amazonas o quanto antes.
“Eu vejo aí um certo oportunismo por parte do PL. O fato de colocar só a Foz do Amazonas denota bem que é um recorte do tipo: se o [Rodrigo] Agostinho [presidente do Ibama] não faz o serviço de licenciar, então, aqui no Senado, nós fazemos”, criticou o diretor.
Bueno também disse haver um certo desespero para que a licença saia ainda neste semestre para evitar o desgaste de permitir a exploração da nova fronteira às vésperas da COP30.
“Estamos propondo um marco regulatório que protege o meio ambiente e, ao mesmo tempo, assegura que estados como Roraima recebam os benefícios diretos dessa atividade. É uma oportunidade de desenvolvimento regional responsável”, afirmou o senador Mecias de Jesus, em uma publicação em seu site oficial.
O parlamentar foi procurado, mas não concedeu entrevista até o fechamento deste texto.
Governistas tentam ‘conciliação’ ambiental
Em 2024, o líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues (PT), apresentou um projeto para destinar 20% dos recursos do Fundo Especial do Petróleo (FEP) para iniciativas na Amazônia.
Incluiria preservação ambiental, integração logística, exploração sustentável dos recursos naturais e defesa das tradições indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Foi uma proposta com objetivo de conciliar o desenvolvimento econômico — com a exploração do petróleo — e proteção ambiental.
Randolfe saiu da Rede, partido da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e se filiou ao Partido dos Trabalhadores. Senador pelo Amapá, é um dos defensores da abertura da fronteira, até agora, negada pelo Ibama.
Seu projeto aguarda análise na Comissão de Meio Ambiente, com relatório do senador Beto Faro (PT/PA), que privilegia a educação e saúde das comunidades locais, enquanto também defende que apenas a Região Norte receba os recursos, excluindo outras áreas da Amazônia Legal.
O fundo é composto por arrecadações como royalties e participação especial geradas pela exploração de petróleo e gás.
Petrobras tem pressa para perfurar na Foz do Amazonas
A questão é tratada como urgente por setores do governo e pela Petrobras. A sonda destacada para fazer a perfuração do poço está contratada até outubro e, caso a licença seja adiada, a companhia pode enfrentar dificuldade para a contratação de sonda.
O diretor da Arayara afirmou considerar o posicionamento do presidente Lula (PT), da CEO da Petrobras, Magda Chambriard, e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), mais incisivos do que no governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL).
E uma pressão sobre órgãos de licenciamento nunca visto. “O que nós temos agora no Brasil é um mutirão pelo petróleo, pela exploração da Foz do Amazonas, pela exploração da costa amazônica”, criticou.
A Petrobras concluiu a Unidade de Estabilização de Fauna do Oiapoque, uma das exigências do Ibama para a licença ambiental da perfuração de poço na Foz do Amazonas. A vistoria de técnicos do órgão ambiental está marcada para a próxima semana e é aguardada uma nova manifestação quanto ao licenciamento ambiental do projeto.
Um eventual adiamento, segundo o secretário de Petróleo do MME, Pietro Mendes, pode dificultar a contratação de sonda para a perfuração. Isso porque o contrato com a ODN-II, da Foresea, termina em outubro. “O mercado está aquecido, e se o licenciamento atrasar, a Petrobras pode ficar sem sonda”, afirmou, em evento na semana passada.
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