Eleito com a promessa de renovação na política e uma reduzida articulação envolvendo apenas duas legendas nanicas, PSL e PRTB, Jair Bolsonaro quer reinventar a articulação política no Congresso sem os partidos. O plano tem muitos resultados possíveis, o mais improvável é que dê certo.
Enquanto dedica seu tempo em Brasília a reuniões no gabinete de transição, encontros com ministros de tribunais e cafés da manhã com militares, Bolsonaro menospreza a necessidade da construção das engrenagens de sua base de apoio no Congresso.
A primeira vítima da falta de articulação pode ser a votação da cessão onerosa. Trabalhado pelo governo Temer para ser votado em 27 de novembro – pelas vias tradicionais do acordo entre líderes partidários –, o PLC 78/2018 viu seu caminho atravessado quando o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, visitou o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB/CE), há duas semanas.
Em uma negociação atrapalhada, que serviria para desfazer o estresse criado com o senador no episódio da discussão do orçamento de 2019, Guedes articulou – como estrela do futuro governo ou vítima da habilidade política de Eunício, há controvérsias – o repasse aos estados e municípios de uma parte dos cerca de R$ 100 bilhões previstos de receita com a venda das áreas da cessão onerosa. Pouco depois, em um encontro público com 20 governadores eleitos, acabou transformando o acordo verbal em promessa.
Embora reduza o orçamento previsto para cobrir o rombo fiscal e demande mais dedicação de economistas para fechar a conta de 2019 no azul, a ideia foi vendida como uma forma de atrair governadores eleitos para perto do governo e usá-los para pressionar senadores a votarem a favor do governo.
O plano de marketing não funcionou. Sem o detalhar a forma como os recursos serão repassados, o texto não foi votado nesta semana e Eunício voltou a criticar a falta de articulação do governo Bolsonaro. No plenário do Senado disse na última terça que não votará propostas do futuro governo que não sejam debatidas na Casa.
“Eu cheguei a conversar inclusive com o presidente eleito sobre essa matéria, mas não tive, digamos assim, o privilégio de ter a anuência do futuro ministro-chefe da Casa Civil [Onyx]. Então, eu não vou polemizar. Vou segurar o projeto porque assim entendo”, disse. E sinalizou que o debate da cessão onerosa pode ser feito “com serenidade” ainda durante o final de novembro e o mês de dezembro.
Texto já envolve a Câmara e Rodrigo Maia
Nos últimos dias o problema periga ser espraiado para a outra casa do Parlamento. Sem a possibilidade de detalhar no texto do PLC 78/2018 como e qual percentual seria destina a estados e municípios, governo atual e futuro governo precisaram acomodar a promessa em outro texto. Agora, a proposta na mesa é que o detalhamento do destino dos recursos conste no PLS 209/2015, o projeto de lei do senador Ronaldo Caiado (DEM/GO) que estabelece multa a ser paga aos usuários do serviço de energia elétrica por distribuidoras.
A legislação permite que parte dos bônus de assinatura sejam destinados ao fundo social. Mas o detalhamento da destinação dos recursos aos entes da federação demandará alteração no texto da lei, que depois precisará passar novamente pelo Senado.
Em resumo, a principal estratégia para votar a cessão onerosa na semana que vem sem alterações passa por um outro texto que precisará ser debatido na Câmara também em urgência, tudo isso enquanto o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM/RJ) se mostra descontente com o futuro governo, e especialmente com o futuro responsável pela articulação com o Congresso, Onyx, por não garantir o apoio a sua reeleição.
E mais, cheio de jabutis, o PLS 209/15, que foi aprovado no Senado este mês e enviado para a Câmara, também prevê a criação do Dutogás – uma rede de gasodutos a ser construída com recursos do fundo social e que é criticado pela Petrobras e pelo próprio MME. Assim, o debate no entorno do projeto pode se prolongar.
Governar sem liderança partidárias reduz o controle sobre o Congresso e põe votações em risco
Eleito pela primeira vez para um cargo executivo, Bolsonaro planeja governar com apoio de bancadas temáticas, conhecidas no Congresso como Frentes Parlamentares, deixando de lado o tradicional presidencialismo de coalizão. Mas ao contrário das lideranças de partidos, as bancadas temáticas não podem expulsar parlamentares rebeldes, retirar cargos comissionados de membros insolentes ou cortar verba do fundo partidário daqueles que não seguem a orientação.
Sem mecanismos de controle não há razão para acreditar que o plano dê certo. Não deu certo com quem tentou: Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Bolsonaro governará um país que ainda luta para sair da mais grave crise de sua história desde que os institutos de acompanhamento de dados econômicos foram criados. E o fará com a menor base de apoio no parlamento desde Collor – de acordo com as posições anunciadas pelas siglas do Congresso até aqui.
Se há o consenso entre economistas que medidas de austeridade fiscal são necessárias no próximo governo, é difícil encontrar cientista político que discorde da necessidade da costura de acordos fortes com a maioria dos 513 deputados e 81 senadores. São os acordos que garantem a pauta dos economistas.
Celebrado como símbolo da renovação política, o PSL de Bolsonaro elegeu novatos. Há atores, blogueiras e um príncipe. Poucos ali sabem como funciona o Parlamento. A bancada de 52 deputados representa um décimo dos assentos da Câmara. No Senado, onde 85% das cadeiras em disputa foram renovadas em outubro, o partido tem quatro senadores. O número equivale a um vigésimo das cadeiras na casa que continua tendo como sua maior força o partido que mais tempo a presidiu, o PMDB, que terá 12 senadores, entre eles um forte candidato à presidência: Renan Calheiros, que já ocupou o posto por três vezes e diz ter 40 votos entre os 81 senadores de 2019.
Eleição de outubro eliminou parlamentares reformistas
Se a eleição de outubro trouxe renovação, também tirou do Congresso os parlamentares mais reformistas. Traduzindo, eliminou muitos dos que abraçaram as pautas impopulares do governo de austeridade de Michel Temer. Como exemplo, resistiram nas bancadas do PMDB do Senado aqueles que se opuseram a Temer: Renan e Eduardo Braga, que segurou a votação do PLC 77/2018, o projeto que permitiria a venda da Amazonas Energia, como a EPBR mostrou em sua cobertura.
A lição que fica é que em tempos de austeridade a oposição ao governo pode ser um bom caminho. Antes que a falta de habilidade de negociação gere maiores problemas no Congresso, Bolsonaro precisará construir uma articulação consistente. Que as trapalhadas no caso da cessão onerosa sejam o alerta.