RIO — A indefinição do governo federal sobre uma política nacional para data centers pode levar investidores a escolherem países vizinhos como Uruguai, Chile e Colômbia para novos aportes no setor, alerta o vice-presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC), Luis Tossi.
“Quando você tem uma expectativa de uma política de fomento, o investidor retarda o investimento esperando que isso seja publicado. Se eu posso otimizar meu investimento — e existe uma promessa que isso [Redata] sairia em breve —, eu vou segurar por um tempo a tomada de decisão”, avalia o executivo, em entrevista à agência eixos.
“Se eu chego no gargalo de tempo que eu tenho que efetivamente investir e tomar minha decisão, eu vou olhar para as opções que estão disponíveis no mercado. E talvez essa opção disponível seja o Uruguai, o Chile, a Colômbia”, pontua.
Batizada de Redata, a política prometida pelo ministro da Fazenda, Fernand Haddad (PT), deveria ter sido lançada no primeiro semestre, mas foi adiada por causa da crise fiscal.
No Planalto, chegou-se a discutir uma versão sem benefícios fiscais, limitada a ajustes regulatórios para prestação de serviços digitais nas ZPEs.
No fim, acabou saindo uma Medida Provisória voltada aos data centers, mas sem eles, obrigando a contratação de energia renovável nova por empresas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs).
A MP 1307 assinada pelo presidente Lula (PT), em 18 de julho, determina que o consumo de energia nas ZPEs seja obrigatoriamente de fontes renováveis e proveniente de novos parques geradores. Durante a assinatura no Ceará, Lula afirmou que a medida foi pensada para atrair data centers.
Paralelamente, o Ministério da Fazenda trabalha na formatação do Redata, regime especial tributário para instalação de centros de dados, com desoneração de impostos como PIS/Pasep, Cofins, IPI e imposto de importação para equipamentos sem similar nacional.
O programa prevê contrapartidas como o uso de energia renovável, destinação de capacidade de processamento ao mercado interno e critérios de sustentabilidade.
Para Tossi, a demora na definição da política afeta a tomada de decisão dos investidores.
Mas as negociações com os Estados Unidos para reverter tarifas sobre os produtos exportados pelo Brasil pode agilizar o processo.
Na última semana, o ministro Haddad mencionou a possibilidade de cooperação com os Estados Unidos em energias renováveis e atração de data centers, como pontos de negociação em torno do tarifaço de Donald Trump.
A afirmação levantou esperanças do setor para uma publicação mais breve do Redata.
“O nosso Redata é um projeto extremamente importante. Tudo que a gente conseguir fazer para que esse ‘em breve’ [para publicação do Redata] seja bem em breve é muito bem-vindo”, comenta Tossi.
Falta olhar para o mercado doméstico
Segundo o VP da associação, a discussão atual está muito voltada à exportação de serviços, deixando em segundo plano a demanda doméstica, que cresce a taxas de 15% ao ano.
“Nós vimos que esse projeto [da MP das renováveis] é para um determinado tipo de aplicação, que é para exportação de serviços. Ele agrega valor, agrega benefícios. Porém, o grande volume do mercado que a gente está buscando é um mercado de prestação de serviços internos no país”, afirma.
A falta de competitividade regulatória e fiscal frente a países vizinhos também preocupa.
Tossi lembra que, em cloud computing, um serviço de nuvem, pode ser atendido com baixa latência dentro de um raio de até 1,5 mil quilômetros.
“Por que um provedor de serviços de cloud vai instalar um data center no Brasil, sendo que nós não temos a mesma competitividade dos nossos vizinhos, que têm políticas mais estruturadas?”, questiona.
O setor também acompanha com atenção o critério da “MP das renováveis” que obriga a contratação de energia exclusivamente de novos empreendimentos, exigência que também foi considerada pelo governo na elaboração da polítca para data centers.
Para Tossi, essa exigência pode gerar descompasso entre prazos de construção de parques eólicos e solares e os ciclos de instalação de data centers.
“A construção de um data center é muito rápida. Se trabalha com um ciclo de 18 a 24 meses, no máximo. Já um parque de energia renovável tem um processo de licenciamento e construção muito maior do que esse. É um ponto de atenção”.
No entanto, ele pondera que a alta renovabilidade do grid brasileiro, acima de 80%, é um atrativo para empresas globais como AWS e Meta, que têm objetivos globais de redução de emissões de carbono.
“Todos têm meta de redução de carbono. Então, quando compra energia renovável, como aqui do Brasil, isso entra nas métricas de redução”.
Outro tema debatido no governo é o uso de água, o que, segundo Tossi, é uma questão praticamente irrelevante no Brasil hoje.
“Já faz muito tempo que não se constrói mais data center com condensação à água. São todos circuitos fechados. Então você não tem o consumo. O consumo de água dentro de data centers também é baixíssimo, muito pequeno”, disse.
Para a ABDC, é essencial que a política considere os diferentes tipos de centros de dados e seus requisitos de localização. Segundo apuração da eixos, o governo considerava incentivos maiores para empreendimentos que se instalassem no Norte e Nordeste, ou próximos a linhas de transmissão já existentes.
“Uma coisa que a gente tem falado muito com a administração pública é que nem todos os data centers são iguais. Existem data centers para diversos propósitos”, diz Tossi.
Ele explica que unidades sensíveis à latência, por exemplo, precisam estar próximas dos grandes mercados consumidores; já estruturas dedicadas a treinamento de inteligência artificial podem ser instaladas perto de fontes renováveis e longe dos centros urbanos.