A afirmação de que o crescimento dos biocombustíveis compromete a produção de alimentos ou provoca a elevação de seus preços no Brasil não se sustenta quando analisamos dados concretos sobre a agricultura nacional.
Ao contrário do que sugerem algumas críticas, a produção de biocombustíveis, especialmente o biodiesel, tem se desenvolvido de forma complementar à produção de alimentos, sem provocar escassez ou competição prejudicial por terras agrícolas.
O Brasil é o maior produtor e exportador de soja. A área destinada ao cultivo atingiu 47,5 milhões de hectares nesta safra, com uma produção estimada em 167,4 milhões de toneladas o que significa um incremento expressivo de 13,3% em relação ao ciclo anterior. Em relação à produtividade, a evolução estimada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de 10,2%, segundo o 6º levantamento da companhia em março de 2025.
Esses dados reforçam a capacidade do agronegócio nacional de ampliar a oferta sem comprometer outras culturas essenciais à segurança alimentar e sem afetar o cultivo de alimentos básicos.
A produção de biocombustíveis no Brasil não tem prejudicado a produção de alimentos. Pelo contrário, o setor agrícola tem demonstrado capacidade de crescimento e diversificação, atendendo tanto à demanda energética quanto à alimentar. A adoção de tecnologias avançadas e práticas sustentáveis têm sido fundamentais para esse equilíbrio, permitindo aumentos de produtividade que beneficiam ambas as cadeias produtivas.
Segurança alimentar garantida
Nas últimas décadas o Brasil se tornou um dos maiores produtores e exportadores de carnes, a demanda por farelo de soja, essencial para a alimentação dos rebanhos, só vem aumentando e contribuindo para a ampliação do processamento do grão agregando valor à matéria-prima nacional.
Em números redondos, o Brasil exporta 2/3 da produção de soja in natura e processa apenas 1/3. O grão de soja gera cerca de 80% de farelo e 20% de óleo, que podemos chamar de subproduto, destinado para a alimentação humana e o excedente para a produção de biodiesel dando um destino sustentável.
A melhoria dos hábitos nutricionais e o surgimento de novos equipamentos, como airfryer, praticamente estabilizaram nos últimos anos o consumo de óleos vegetais para alimentação em cerca de 3,7 milhões de toneladas/ano.
Portanto, ao se estimular a produção de biodiesel a repercussão é direta na nas cadeias alimentares pela ampliação da oferta e barateamento de rações destinadas a bovinos, aves, suínos, peixes e, consequentemente, para a alimentação humana com redução na inflação.
Além disso, a cadeia de valor do biodiesel exige serviços técnicos especializados e gera empregos de qualidade. Ao promover a produção descentralizada obtém-se, como consequência, o desenvolvimento do interior do país.
Atualmente, há cinco vezes mais usinas de biodiesel do que refinarias no Brasil, espalhadas por todas as regiões. E, o melhor disso, é que o biodiesel substitui o diesel de petróleo, produto altamente nocivo â saúde humana e ao meio ambiente e do qual o Brasil possui dependência externa de 25% do consumo interno.
Ponto relevante é que os biocombustíveis ajudam a dinamizar a economia rural e gerar empregos no campo, ao mesmo tempo que oferecem uma alternativa ambientalmente mais sustentável aos combustíveis fósseis.
O Brasil é um dos líderes mundiais em energia renovável, com mais de 18% da matriz energética composta por biocombustíveis, segundo o Ministério de Minas e Energia (2023). Isso coloca o país em posição estratégica na transição energética global, sem comprometer a segurança alimentar.
O Brasil tem trilhado um caminho consistente que dialoga com os compromissos globais de descarbonização e a urgência da transição energética com a diversificação das fontes, o uso estratégico do território e o incentivo à inovação tecnológica.
Portanto, a ideia de que o avanço dos biocombustíveis compromete a produção de alimentos no Brasil não se sustenta. Na prática, o que se vê é o inverso — a produção de biodiesel é vetor da ampliação da oferta de alimentos.
Esse cenário é possível graças a um modelo agrícola que inclui fortemente a agricultura familiar — responsável por grande parte da produção de alimentos no país — e que vem se adaptando para integrar, com eficiência, a produção de energia renovável, alimentos e práticas sustentáveis de uso da terra.
Descarbonização em navios e sustentabilidade alimentar
A reunião internacional promovida pela Organização Marítima Internacional (IMO), em Londres, que se encerra nesta sexta-feira (11/4), discute medidas cruciais para a descarbonização do setor marítimo, responsável por cerca de 3% das emissões globais de gases-estufa.
O Brasil tem desempenhado papel importante nas negociações, defendendo alternativas mais equilibradas à proposta de uma taxa universal de carbono, que poderia prejudicar países exportadores distantes dos grandes centros de consumo. A participação brasileira se destaca pelo esforço em buscar soluções que garantam uma transição energética justa, levando em conta a realidade das nações em desenvolvimento.
Apesar de preocupações levantadas por alguns países sobre possíveis impactos da transição para combustíveis limpos na cadeia de abastecimento global, especialmente no tocante à escassez de alimentos, especialistas e entidades ambientais apontam que esse argumento não se sustenta.
O processo de descarbonização do transporte marítimo, se conduzido com equilíbrio e planejamento, não representa ameaça à segurança alimentar. Pelo contrário, pode abrir oportunidades para países como o Brasil, cuja matriz energética é majoritariamente renovável, reforçando sua competitividade e protagonismo na transição para uma economia de baixo carbono.
Exemplo disso são iniciativas no Brasil autorizadas pelo órgão regulador (ANP) de utilização de 24% de biodiesel na mistura com o combustível convencional dos navios — o bunker e que vem se mostrando como uma excelente opção que, além de contribuir diretamente para a redução das emissões no transporte aquaviário, propicia diversos benefícios da produção e uso de um combustível sustentável para a sociedade como um todo.
Sergio Tadeu Cabral Beltrão é diretor executivo da Ubrabio (União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene). Administrador, com pós-graduação em Regulação, Concorrência e Restruturação dos Setores de Infraestrutura; e MBA em Marketing. Está na Ubrabio desde a fundação. Possui mais de 30 anos de experiência entre o setor público e a iniciativa privada.
Atuou por oito anos nas distribuidoras de combustíveis Atlantic e Ipiranga nas áreas de Logística, TI e Marketing. Exerceu por nove anos diversas funções na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) nas áreas de distribuição de derivados de petróleo, biodiesel e etanol, revenda de combustíveis e de GLP; e no controle de comercialização de solventes. É membro da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva de Oleaginosas e Biodiesel e da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Palma de Óleo do Ministério da Agricultura e Pecuária.