A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) pautou para a reunião de diretoria desta quinta (5/9) a votação da nova minuta de resolução que trata das especificações do gás natural.
A discussão opõe, há anos, produtores de gás e a indústria química (entenda melhor abaixo). A revisão da Resolução 16/2008 é objeto de debates entre e o regulador e agentes do mercado desde 2016, quando a Petrobras manifestou à ANP dificuldades em cumprir os limites de metano e etano, diante do aumento da produção do pré-sal.
Em 2020, a ANP concedeu então uma autorização especial à Petrobras, flexibilizando as especificações para o gás processado na Unidade de Tratamento de Caraguatatuba (SP), a UTGCA. Esse waiver vem sendo sistematicamente prorrogado desde então, a cada quatro meses.
A Análise de Impacto Regulatório (AIR), elaborada pelas equipes técnicas da ANP, recomendou que sejam mantidas as exigências previstas na Resolução 16/2008, mas que sejam instituídos, no regramento, mecanismos que autorizem flexibilizações em casos específicos, por meio de atos administrativos.
A expectativa, nesse caso, é que a própria dinâmica de mercado, a implementação da Nova Lei do Gás e investimentos setoriais ajudem a delinear, no médio prazo, o perfil da indústria de gás natural do país e sua especificação.
Na AIR, a segunda opção regulatória melhor pontuada foi manter os atuais limites estabelecidos, de, no mínimo, 85% de metano; e, no máximo, 12% de etano; 6% de propano; e 3% de butano. Acabar com os limites à composição do gás – como defendem os produtores – foi a alternativa menos bem avaliada.
O que está em jogo
A revisão das especificações do gás divide o interesse dos agentes do setor.
Os produtores, representados pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), alegam que o gás do pré-sal tem teores de hidrocarbonetos diferentes daqueles tradicionalmente presentes no gás do pós-sal – e que basearam a resolução vigente e a própria construção da UTGCA.
Caso as regras não sejam flexibilizadas, defendem, a oferta de gás natural ao mercado pode ser prejudicada. A autorização especial para a Petrobras em Caraguatatuba teria, assim, minimizado os impactos do declínio da produção do pós-sal da Bacia de Santos.
E aí os produtores entram em conflito com a agenda da indústria química, que teme que o Brasil desperdice, assim, o potencial de desenvolvimento da indústria petroquímica.
O setor argumenta que a flexibilização das regras inibe investimentos para ampliação da oferta de etano, um dos componentes do gás natural.
GPE propõe adequação da UTGCA
O debate sobre a especificação do gás extrapolou a esfera da ANP e esteve presente também nas discussões do programa Gás para Empregar.
Aumentar a capacidade de processamento e separação das frações líquidas do gás natural, a partir da adequação da UTGCA, foi uma ações propostas no relatório final do comitê técnico que se debruçou sobre a oferta de gás para o setor produtivo.
O novo decreto regulamentador da Lei do Gás, a propósito, reforça as competências da ANP em lidar com a questão, ao prever que a agência poderá determinar a adequação da capacidade operacional das infraestruturas (de processamento, inclusive), para ampliar a oferta prevista no Plano Nacional Integrado das Infraestruturas de Gás Natural e Biometano.
Recentemente, o imbróglio regulatório sobre a especificação do gás de Caraguatatuba contaminou, inclusive, o tarifaço na malha da Nova Transportadora do Sudeste (NTS) – mitigado, posteriormente, em acordo com a Petrobras.
Consumidores citam impacto nas emissões
A própria ANP reconhece que os impactos positivos e negativos de alterações nas especificações são de difícil mensuração.
“A adaptação e respectivo impacto serão, como se pode deduzir, diferenciados para cada um deles”, sustentou o regulador na AIR.
O fim das atuais especificações, segundo entidades ligadas aos consumidores e às distribuidoras (Abegás), envolve possíveis ajustes em equipamentos industriais, queimadores e aquecedores – e prejudica a segurança jurídica e estabilidade regulatória no controle das emissões.
A Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), por exemplo, citou, no debate, que a mudança na especificação pode dificultar o atendimento das indústrias às exigências dos órgãos ambientais.
Segundo a associação, a presença de gases com maior relação carbono e hidrogênio, tende a aumentar a emissão de gases de efeito estufa. Uma eventual alteração na especificação poderia impactar no controle de emissões.