Indicado pelo governo para a presidência da Petrobras, o consultor Adriano Pires desistiu, oficialmente, de assumir o cargo. A decisão foi formalizada nesta segunda-feira (04/04), em carta enviada pelo economista ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque e coloca o governo num impasse em torno da troca do alto comando da estatal.
Antes de Pires, o empresário Rodolfo Landim, atual presidente do Clube de Regatas Flamengo, já havia anunciado, no domingo, a renúncia à indicação ao Conselho de Administração da Petrobras.
No documento, compartilhado pelo próprio MME, Pires alega que não conseguiria se desligar de sua consultoria, o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), em “tão pouco tempo”. A Assembleia Geral Ordinária (AGO) de acionistas que elegeria o economista como membro do Conselho de Administração da petroleira – abrindo caminho para que ele fosse, posteriormente, efetivado presidente da estatal – está marcada para 13 de abril.
As notícias em torno da desistência de Adriano Pires começaram a circular na imprensa desde a manhã desta segunda-feira. Num primeiro momento, o Ministério de Minas e Energia (MME) negou que o Palácio do Planalto e a própria pasta tivessem recebido qualquer comunicado oficial do consultor sobre o assunto.
Ao longo do dia, o presidente Jair Bolsonaro tentou salvar a indicação de Pires, de acordo com o blog da jornalista Ana Flor, no g1. Em conversas com auxiliares no domingo, o presidente da República atribuiu a “inimigos” que estão na Petrobras uma suposta tentativa de impedir que o consultor assuma a chefia da petroleira.
Por que o nome de Pires encontra resistência?
Sobre a indicação de Pires, pairam questionamentos sobre um possível conflito de interesses no exercício do cargo de presidente da estatal, dado o seu histórico como consultor.
Conforme publicado pelo político epbr na sexta (1/4), o subprocurador-geral do Ministério Público Federal (MPF) junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado, entrou com nova representação contra Bolsonaro pedindo que o tribunal determine investigações envolvendo conflitos de interesse entre os negócios de Pires e as atividades da Petrobras. Furtado vê indícios de “possível conflito de interesses” na nomeação. O sócio-diretor do CBIE trabalha como consultor em setores ligados à atuação da estatal.
A existência de conflito de interesses por parte de Adriano Pires já havia sido, em 2019, a causa do pedido de exoneração do economista do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
“Ora, se havia efetivamente um intransponível conflito de interesses que impossibilitava o Sr. José Pires de exercer uma função meramente opinativa em um órgão consultivo, tendo em vista sua atuação no mercado privado de prestação de serviços a empresas do setor energético, com muito mais razão esse conflito aflora no caso de vir a ser confirmado como presidente da Petrobras, maior cargo de direção e comando da mais valiosa empresa do país, tendo a União como acionista majoritário”, argumenta Furtado, na representação.
Na carta enviada ao MME, Adriano Pires afirma que que era claro para ele que não poderia conciliar o trabalho de consultor com a função de presidente da Petrobras e que iniciou imediatamente o seu desligamento do CBIE – sociedade mantida com o seu filho. “Ao longo do processo, porém, percebi que infelizmente não tenho condições de fazê-lo em tão pouco tempo”, escreveu.
Ele agradeceu o convite e reafirmou o “compromisso de continuar nessa luta” pelo desenvolvimento do mercado de óleo e gás no Brasil. O ministro Bento Albuquerque respondeu, em carta, ter compreendido as razões apresentadas pelo consultor.
Lira defende indicação do governo
Durante o dia, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), questionou a repercussão em torno da indicação de Adriano Pires. O parlamentar saiu em defesa do consultor, ao dizer que a nomeação de um profissional com conhecimento sobre o setor é positiva.
“A crítica agora é que o presidente da Petrobras prestou consultoria a uma empresa privada. Eu não posso ter trabalhado na iniciativa privada? Só pode funcionário público?”, contestou.
As incertezas sobre o nome de Adriano Pires ocorre a poucos dias da Assembleia Geral Ordinária (AGO) de acionistas da Petrobras, que no dia 13 de abril elegerá o novo Conselho de Administração da companhia.
Este é o segundo revés do governo na tentativa de trocar o comando da petroleira, após Jair Bolsonaro decidir tirar o general Joaquim Silva e Luna da presidência da empresa, em meio à insatisfação com o aumento dos preços dos combustíveis.
Landim desistiu de vaga no conselho
Ontem, o presidente do Clube de Regatas Flamengo, Rodolfo Landim, indicado pelo governo para a presidência do Conselho de Administração da estatal, anunciou a desistência do cargo.
Em carta publicada no site do Flamengo, após a derrota do rubro-negro na final do Campeonato Carioca, Landim afirmou ter encaminhado carta ao ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, relatando a preocupação de não conseguir conciliar as demandas da Petrobras e do clube.
Adriano Pires foi indicado por Temer para CNPE e renunciou
No final de 2018, Adriano Pires foi indicado pelo ex-presidente Michel Temer para ocupar uma vaga no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão que assessora o presidente da República na criação de regras e diretrizes para os mercados de petróleo, gás, energia e combustíveis.
Pires, contudo, acabou renunciando ao cargo no começo da gestão de Bento Albuquerque, já no governo Bolsonaro, depois que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a anulação das nomeações dele, de Plínio Nastari e de Carlos Quintella.
A representação foi proposta pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira, responsável pelo processo que culminou nas chamadas “pedaladas fiscais” e levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O procurador apontou a existência de “evidente conflito de interesses entre as atividades privadas que cada um deles exerce”, porque os consultores atuam no setor privado e tem suas atividades impactadas pelas decisões do CNPE.
Em sua carta de renúncia, Adriano Pires afirmou que aceitou o convite de Moreira Franco, ministro de Minas e Energia de Temer, “pensando que seria uma oportunidade de ajudar o setor de energia e o país” em um governo que “tem toda a minha simpatia e apoio”. E atribui seu pedido de desligamento a motivos de “ordem estritamente pessoal”.
Adriano Pires é diretor-fundador do CBIE, consultoria que assessora empresas e associações do setor de energia. Foi assessor do diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), além de ter exercido os cargos de Superintendente de Abastecimento e de Importação e Exportação de Petróleo, seus Derivados e Gás Natural.
É um dos idealizadores do Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e Escoamento da Produção (Brasduto), um plano para financiar a construção de gasodutos no Brasil, que chegou a ser aprovado no Congresso Nacional em 2019, mas foi vetado por Bolsonaro.
Adriano Pires e sua consultoria, a CBIE, atuaram a favor da aprovação da MP da Eletrobras com a construção obrigatória de 8 GW de térmicas, boa parte em locais sem gasodutos — um dos objetivos é contratar a expansão dessa infraestrutura.
O consultor também prestou serviços para a Comgás, distribuidora do grupo Cosan, em discussões regulatórias na Arsesp, agência estadual de São Paulo.
Em 2021, classificou como “gol contra” a oposição do Ministério da Economia de Paulo Guedes à renovação antecipada do contrato de concessão da Comgás. Opinião manifestada em artigo no Poder360.
Segundo o MME, Adriano Pires Rodrigues atua por meio do CBIE “coordenando projetos e estudos para a indústria de gás natural, a política nacional de combustíveis, o mercado de derivados de petróleo e gás natural”. Foi também professor adjunto do programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.