A exploração na margem equatorial e o direito ambiental internacional

Não é novidade que a viabilidade de projetos de energia deve passar por avaliações detalhadas de seus impactos ambientais

A exploração na margem equatorial e o direito ambiental internacional

Por Luiz Gustavo Bezerra e Gedham Gomes

Muito se tem discutido recentemente a respeito das incursões exploratórias da indústria do petróleo na denominada Margem Equatorial, em particular na costa amapaense, que abriga parcela da Bacia Foz do Amazonas, nos limites da fronteira com a Guiana Francesa. Como não poderia deixar de ser, o foco de tais discussões repousa, no mais das vezes, na questão do licenciamento ambiental e em que medida tais atividades seriam ambientalmente viáveis na região, que apresenta diversos desafios de ordem técnica, logística, de conhecimento científico, entre outros.

Não é novidade que a viabilidade de projetos de energia deve passar por avaliações detalhadas de seus impactos ambientais e que, na indústria de petróleo e gás, por diversas vezes os desafios ambientais acabam se transformando em questões jurídicas, resultando na percepção do Direito Ambiental como um obstáculo a ser vencido. Contudo, deve-se enxergar o Direito Ambiental pelas lentes do desenvolvimento sustentável para que, utilizando-se de seus instrumentos, possa conduzir suas atividades de maneira compatível com os imperativos de proteção ambiental tão caros à sociedade contemporânea.

A exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial nos dá um exemplo de como desafios jurídico-ambientais podem ser superados por meio do Direito Ambiental e, nesta breve exposição, trataremos da questão relacionada aos potenciais impactos ambientais transfronteiriços que podem decorrer da exploração de petróleo e gás na região. De fato, conforme identificado antes mesmo da 11ª Rodada de Licitações (2013) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que colocou em oferta diversos blocos na Foz do Amazonas, as atividades na bacia têm potencial de impactar outros países.

Evidentemente, são diversos os desafios técnicos e ambientais que a exploração de petróleo e gás na Margem Equatorial enseja. No entanto, a questão jurídica dos impactos transfronteiriços tem sido um dos pontos que tem fundamentado a negativa de emissão de licenças ambientais na região por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), além da atuação próxima do Ministério Público Federal, que chegou a recomendar ao órgão indeferir tais pedidos de licença. Em síntese, do que se depreende a partir dos pareceres técnicos emitidos pelo órgão a respeito do assunto, o IBAMA entende que devem haver tratativas internacionais que enderecem os potenciais riscos transfronteiriços da exploração de petróleo e gás na região, sendo necessária uma interlocução com Guiana Francesa, Suriname, Guiana e Venezuela, além de alguns arquipélagos caribenhos.

Todavia, uma breve análise do impasse pela ótica do Direito Ambiental Internacional parece sugerir não haver motivos que justifiquem o posicionamento do IBAMA ou, pior, que tal posicionamento viola a soberania brasileira para exploração de seus próprios recursos naturais. Isso porque, um dos princípios básicos de Direito Ambiental Internacional é o denominado “no harm principle”, atualmente positivado no Princípio nº 2 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundo o qual os Estados “têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional”.

A primeira conclusão que se extrai é que o “no harm principle” limita a exploração de recursos naturais de um estado apenas na medida em que não sejam adotadas providências com vistas a evitar a ocorrência de danos a outro estado, e não em situações onde o risco é o único fator perceptível. A segunda conclusão é que em lugar algum se estabelece que um estado deve buscar a aprovação ou concordância de outro a fim de possibilitar a exploração de seus próprios recursos naturais. Em outras palavras, enquanto o primeiro estado agir adequadamente para evitar danos ambientais ao segundo estado, o primeiro estado deve ter assegurada a soberania para explorar seus próprios recursos.

Nesse sentido, parece-nos razoável inferir que as rigorosas exigências que já estão sendo impostas pelo IBAMA em relação, por exemplo, a Planos de Emergências Individual, já se qualificam como cumprimento da obrigação de “assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional”, conforme prescreve o princípio em discussão. Além disso, não custa lembrar que Convenção Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperação em Caso de Poluição por Óleo (1990) e o Protocolo sobre Preparo, Resposta e Cooperação para Incidentes de Poluição por Substâncias Potencialmente Perigosas e Nocivas (2000) já endereçam as medidas a serem adotadas em caso de poluição transfronteiriça.

Por fim, exigir tratativas internacionais como condição para a emissão de licenças ambientais parece ir de encontro ao que dispõe o Decreto Federal nº 8.127/2013, que instituiu o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional. Com efeito, tal Decreto estabelece os órgãos governamentais específicos que são responsáveis por atuar em assuntos internacionais, a saber, a “Autoridade Nacional” e o “Comitê de Suporte”. Considerando que a “Autoridade Nacional” é o Ministério do Meio Ambiente e que o “Comitê de Suporte” é composto por representantes de vários órgãos governamentais (dezessete no total), em princípio não parece que o IBAMA poderia, por conta própria, exigir tratativas de cooperação internacional antes de emitir uma licença ambiental.

Vê-se, portanto, que uma questão jurídica inicialmente de difícil solução pode ser superada por uma simples alteração no ângulo em que é enxergada. Este é apenas um exemplo de como a correta aplicação do Direito Ambiental pode servir de propulsão, e não de freio, à implementação de projetos no Brasil, sendo recomendável que, independentemente do estágio em que se encontrem, processos de licenciamento contem sempre com a supervisão de assessoria jurídica especializada.

A coluna do escritório Mattos Filho é publicada toda primeira quinta-feira do mês.