Mesmo que o preço do barril do Brent no mercado internacional tenha alcançado um pouco mais de 60 dólares em fevereiro 2021, depois de experimentar patamares em torno de 20 dólares em 2020, quando da retração da demanda devido à crise de Coronavírus, ainda há um clima de incerteza quanto à estabilidade e solidez dos fundamentos de mercado que garantam que esse preço perdure no mercado.
Dentre as fragilidades persiste a incerteza dos desníveis entre a oferta e a demanda devido à manutenção da mobilidade reduzida, a grande capacidade ociosa das companhias e ainda, a artificialidade da redução da oferta por meio dos cortes de produção mantidos pela OPEP+ (OPEP mais a Rússia) e a probabilidade que o mercado tenha atingido o pico de demanda.
Essa preocupação interessa a todas as companhias e aos países produtores, e em especial ao Brasil, pelo impacto dos preços do petróleo na economia local. Além da arrecadação de royalties e participações especiais (e toda atividade econômica e riqueza que gera), mais de um milhão de barris de óleo bruto nacional já são exportados, revelando com isso, impacto na balança comercial brasileira.
Com os efeitos iniciais da crise da Covid-19 no mercado mundial em razão da queda da demanda no início de 2020, a Arábia Saudita julgou serem necessários cortes adicionais de produção, além dos que já estavam em vigor desde 2016.
A exigência saudita sem a habitual consulta prévia aos demais membros do acordo não encontrou respaldo positivo por parte da Rússia, o que criou um impasse entre as duas potencias petrolíferas. Arábia Saudita e Rússia romperam então o primeiro acordo bem sucedido de gerenciamento do mercado, celebrado em 2016. Previa ele corte inicial de 1,2 milhões de barris por dia – 33,8 para 32,6 por milhões de barris por dia parte da OPEP e 600 mil barris por dia por parte dos produtores não-OPEP. Esse acordo histórico manteve os preços durante quatro anos, em torno de 65 dólares o barril (Brent).
A intransigência inicial russa irritou os sauditas. Em uma atitude impensada, pois o mercado estava caindo, a Arábia Saudita alegando defesa dos seus interesses, aumentou sua produção e exportação para níveis recordes de 12,5 e 10,5 milhões de barris por dia, respectivamente. Essa atitude derrubou os preços de Brent para aproximadamente 20 dólares o barril, o preço mais baixo desde a crise financeira de 2008.
A deflagração dessa guerra de preços pelos sauditas ameaçou a cadeia produtiva dos produtores de shale dos EUA, e, até mesmo o ex-presidente dos EUA, geralmente pró Mohammad bin Salman (MbS), Donald Trump, interveio nas negociações. As tratativas entre Trump e MbS eram de que a OPEP começasse a cortar a produção de petróleo – e efetivamente acabasse com a guerra do preço – ou a Casa Branca seria impotente para impedir o Senado Americano de aprovar a retirada das tropas dos EUA da Arábia Saudita, encerrando assim um acordo fundamental entre os EUA e a Arábia Saudita que estava em vigor desde 1945.
Em 09 de abril de 2020 a Arábia Saudita convocou uma reunião emergencial onde junto com a OPEP+ concordou em reduzir a produção de petróleo em 9,7 milhões de barris por dia.
O acordo prevê duração de dois anos e os cortes de produção podem sofrer ajustes gradativos, conforme os movimentos do mercado e da economia mundial. A resposta do mercado ao acordo foi uma estabilidade em torno dos 40 dólares o barril durante quase todo o ano de 2020.
A resposta positiva mundial, sem precedentes, para gerenciamento do mercado de petróleo pelo lado da oferta, marcou uma vitória histórica da diplomacia do petróleo praticada pela Arábia Saudita, agora sob comando total do MbS, e pela Rússia junto aos outros produtores menores da OPEP e não-OPEP. Seguem algumas razões para esse êxito:
- Conseguiu alcançar um acordo que restaurou o equilíbrio desejado dos mercados de petróleo, sem que o principal ônus recaísse nos ombros da monarquia saudita como acontecia nos acordos anteriores da OPEP;
- O governo saudita atendeu ao pedido do presidente americano. A queda nos preços ameaça seriamente a indústria de shale americana cujo custo de extração necessita de preços em torno de 30-35 dólares o barril para manter a produção. Preços mais baixos ameaçam a segurança energética norte-americana causam falências e demissões. Nesse sentido, vale ressaltar as barganhas do lado saudita: apoio de Trump ao Príncipe Herdeiro Mohammad bin Salman, em sua ambição de assumir o trono frente a outros pretendentes da família Real saudita; apoio frente à ameaça iraniana, lembrando que em setembro de 2019 misseis e drones atingiram uma planta de processamento petrolífera saudita de Abqaiq, paralisando pela metade sua produção.
- O acordo da OPEP+ consolidou a politica de estabilizar os mercados de petróleo mundiais pelo lado da oferta em um período de aumento de produção – Brasil, Canadá e os EUA, e de transição de energias fósseis para energias limpas.
- Retorno das duas potências petrolíferas mundiais à mesa de negociações depois de prejuízos mútuos. A Rússia acusou a Arábia Saudita de aumentar a produção enquanto o mercado estava caindo. Enquanto isto a Arábia Saudita acusou a Rússia de não aceitar o corte proposto, de 1,8 milhões adicionais em março de 2020.
- Mudança de tática da Arábia Saudita, com a troca de seu Ministro de Energia em setembro de 2019. No lugar de um tecnocrata saído dos quadros da estatal Saudi Aramco, como era o caso dos ministros anteriores, o Rei Salman elevou seu filho Abdelaziz de vice para Ministro de Energia que mudou a tática das negociações estabelecida pelo o seu antecessor.
- Quando Abdelaziz assumiu, priorizou as relações entre os países membros da OPEP. Em março de 2020 a Arábia Saudita aumentou o corte de 1,8 para 3,7 milhões de barris por dia impondo à Rússia um corte adicional de 500 mil sem negociações prévias. Alexandre Novak, então Ministro da Energia não aceitou à imposição de corte sem consulta prévia com os CEO´s das companhias russas como Rosneft, Lukoil e Gazprom. O que causou uma mudança abrupta da política saudita de gerenciar o mercado para uma de Market Share, ou seja, aumentar a sua participação no mercado à custa de outros concorrentes.
- Em seguida atendendo às pressões políticas e do mercado a Arábia Saudita mostrou flexibilidade e voltou atrás corrigindo, assim, o erro tático de negociações praticado em março (2020). Desde então a Arábia Saudita vem elogiando a participação russa, sem qual não haveria acordo bem sucedido. Em entrevista, o ministro Abdelaziz classificou a rixa passada como uma briga em família dizendo que não pretende se divorciar da Rússia.
- A OPEP+ criou comité interministerial que se reúne mensalmente para averiguar o comprimento e a disciplina das quotas de produção. Os países infratores recebem pressão política por parte da Rússia ou da Arábia Saudita, para reduzir a produção nos meses subsequentes conforme o que ocorreu com Iraque e Nigéria.
Entende-se assim que o acordo histórico da OPEP+ liderado pela Arábia Saudita e Rússia não só limitou o impacto da crise até agora como o melhor mecanismo mitigador dos efeitos da crise em estabilizar os preços. Porém, a interferência política deve intensificar no mercado de petróleo especialmente com a possibilidade de aumento da produção do Irã e os impactos das políticas do Joe Biden.
Fernanda Delgado é professora e assessora estratégica na FGV Energia. Professora do Programa de Pós-Graduação da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, via convênio com a FGV. Doutora em Planejamento Energético, Mestre em Tecnologia da Informação e dois livros publicados sobre Petropolítica.
Najad Khouri é economista pela PUC, MBA em RI pela FGV e sócio fundador de GEPOM – Grupo de Estudos e Pesquisas do Oriente Médio. Trabalhou na Interbras no Irã e no Iraque I entre 1979-1985 e na Petrobras entre 2014-2020
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