Biocombustíveis

Plantio de cana no Brasil removeu 196 milhões de toneladas de CO2 em duas décadas, diz estudo

Análise considerou as mudanças no uso da terra e os estoques de carbono no solo em canaviais das regiões Centro-Sul e Norte durante 20 anos

Plantio de cana no Brasil removeu 196 milhões de toneladas de CO2 em duas décadas, diz estudo. Na imagem: Cultivo de cana-de-açúcar (Foto: João Lima/Pixabay)
(Foto: João Lima/Pixabay)

BRASÍLIA — Estudo realizado pela Unicamp, Embrapa e Agroicone revela que o cultivo da cana-de-açúcar no Brasil eliminou cerca de 9,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono (MtCO2) por ano da atmosfera nas últimas duas décadas, o equivalente a 196 MtCO2 no total.

De acordo com a pesquisa, práticas sustentáveis de manejo nas lavouras de cana foram responsáveis pela remoção líquida de quase 10 MtCO2 anuais da atmosfera. Já considerando o território agrícola como um todo, e não só as áreas cultivadas, as novas tecnologias contribuíram para a redução de 17 MtCO2 ao ano.

O setor busca garantir a sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar por meio de mudanças no uso da terra para ganhar competitividade na produção de renovável.

E tenta reparar a reputação do agro brasileiro no cenário internacional, após quatro anos de recordes de desmatamento associados ao enfraquecimento de políticas de proteção aos biomas, especialmente na Amazônia, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Um reconhecimento de que a degradação ambiental ameaça a imagem do biocombustível perante o comércio internacional.

Em 2021, as emissões brasileiras de CO2 alcançaram 2,4 bilhões de toneladas — maior volume desde 2005, de acordo com o Seeg.

Desse total, 1,18 bilhão de toneladas veio de mudanças no uso da terra e florestas (onde é contabilizado o desmatamento), maior volume desde 2006. Agropecuária respondeu por cerca de 600 MtCO2, energia 434,6 MtCO2, processos industriais 108 MtCO2 e resíduos 91 MtCO2.

O Brasil é o segundo maior produtor global de etanol, perdendo apenas para os Estados Unidos.

No artigo, foram avaliadas as mudanças nos padrões de uso da terra e nos estoques de carbono no solo em canaviais das regiões Centro-Sul e Norte, levando em consideração o período de 2000 a 2020. As áreas analisadas correspondem a 93% da produção nacional de açúcar e etanol.

Quanto à dinâmica de ocupação da terra, aproximadamente 25% da área da plantação atual já era de cana-de-açúcar em 2000. Uma expansão de 6,1 milhões de hectares de cana-de-açúcar, identificada ao longo dos 20 anos, originou-se de conversões de áreas antes destinadas à agropecuária, sendo 60% oriundas de pastagens.

O plantio da cana avançou, segundo os autores, apenas 1,6% sobre as áreas de vegetação natural. Em 2008, a expansão chegou a menos de 0,9%. Também houve um aumento significativo na transição de cultivo cana-de-açúcar para vegetação nativa após 2008, sugerindo que os produtores se preocuparam cada vez mais com a adequação ambiental nas propriedades.

Para seguir ampliando a produção sem derrubar florestas nativas, o setor tem adotado técnicas conservacionistas.

Joaquim Seabra, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, e um dos autores do artigo, afirma que é possível impulsionar a retirada de CO2 do meio ambiente e, ao mesmo tempo, limitar os impactos da geração sucroenergética brasileira.

Ele explica que o trabalho divulgado esta semana pode ser relevante para fornecer parâmetros de mercados e políticas nacionais e internacionais sobre o uso da terra na produção de cana.

“Os resultados podem ser importantes tanto para a avaliação geral da sustentabilidade de sistemas de produção baseados na produção de cana-de-açúcar, como também podem suprir parâmetros mais adequados para análises dentro desses contextos regulatórios ou de políticas, ou de esquemas de certificação internacional voltados para biocombustíveis”, afirma.

Mitigação de GEE

O estudo destaca o papel da bioenergia na descarbonização da matriz energética e de transportes no Brasil, sobretudo para cumprir os compromissos de redução de emissões de CO2 no Acordo de Paris.

A redução da pegada de carbono da produção da cana-de-açúcar é parte de uma estratégia para torná-lo mais atrativo, diante da força da eletrificação como alternativa de transição para veículos leves, além de aumentar a emissão de créditos de descarbonização — as emissões de gases do efeito estufa (GEE) associadas à produção de cana-de-açúcar têm um peso significativo na contabilidade de carbono da análise de ciclo de vida do etanol.

No Brasil, a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) exige que as áreas de cultivo de cana, soja e milho, para a produção de renováveis, não tenham sido desmatadas após novembro de 2018.

A iniciativa também garante certificados de descarbonização (CBIOs) aos produtores que reduzem as emissões de CO2 na geração de biocombustíveis.

“A expectativa é que os critérios de elegibilidade do RenovaBio possam reforçar ainda mais esses impactos positivos, mas isso só poderá ser verificado com o passar dos anos desta política a partir da realização de novos estudos” comenta Marcelo Moreira, sócio e pesquisador da Agroicone.

A pesquisa foi financiada com recursos da Agência Internacional de Energia (IEA) e Raízen para a Agroicone e a Unicamp, e do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Finep para a Embrapa.