Energia

Plano Nacional de Fertilizantes necessita de medidas complementares para atrair investimentos

PNF poderá estimular competitividade nacional, mas não tem 'condão de movimentar o setor', escrevem Laércio Oliveira e Marcelo Menezes

Plano Nacional de Fertilizantes necessita de medidas complementares para atrair investimentos. Na imagem: Adubação mecânica do solo com o uso de fertilizantes (Foto: Wolfgang Ehrecke/Pixabay)
Plano Nacional de Fertilizantes estabelece diretrizes e objetivos estratégicos para o período 2022 a 2050 (Foto: Wolfgang Ehrecke/Pixabay)

A entrega do PNF — Plano Nacional de Fertilizantes ocorrida no dia 11 deste mês representou um marco político do Governo Federal para o enfrentamento do problema da enorme dependência do Brasil de fertilizantes importados, que vem se agravando há anos, sem que qualquer medida tivesse sido tomada até agora.

Importante destacar que a iniciativa se deu com a edição do Decreto 10.605 de 22 de janeiro de 2021. Portanto, o despertar para a questão antecede as crises decorrentes da alta de preços do gás natural e das sanções à Rússia e Bielorrússia, que desencadearam uma escalada de preços dos fertilizantes e a insegurança do seu suprimento, fundamental para a produtividade das culturas.

O Decreto 10.991 de 11 de março de 2022, que institui o PNF 2022/2050 e cria o Confert — Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas, é fruto de um trabalho desenvolvido por uma equipe competente que procurou ouvir todos os atores dos setores envolvidos.

As discussões contemplaram a indústria nacional, cadeias emergentes e novas tecnologias, com foco em inovação e sustentabilidade ambiental, buscando criar uma melhoria no ambiente de negócios.

Como destacado no evento, não se trata da criação de mais uma estatal a ser destinada ao setor, mas, tão somente, a busca da competitividade nacional da cadeia de fertilizantes, baseada em ciência, tecnologia e sustentabilidade, trazendo luzes para o tema em um momento extremamente oportuno.

Questão tributária e Convênio ICMS 100/97

Neste novo momento, entendemos necessário retomar esse assunto, já abordado em outro artigo publicado em 09 de novembro de 2020, no portal epbr, com o título A questão tributária dos fertilizantes precisa ser enfrentada.

Passados 1 ano e 4 meses, tivemos alguns avanços importantes. Talvez o fato mais relevante ocorrido seja a revisão do Convênio 100/97 que há mais de 24 anos criou uma distorção relevante ao isentar o ICMS do fertilizante importado enquanto o nacional era tributado à alíquota de 8,4%.

O assunto foi tratado de forma extensa no artigo anterior.

Desde a aprovação desse referido convênio, não houve mais qualquer investimento na produção nacional porque, simplesmente, era mais barato importar que produzir no Brasil.

No fim de 2020, já estava pautada no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) a renovação do  convênio citado, quando, numa postura visionária e corajosa, o Governo de Sergipe não concordou com essa iniciativa.

Essa posição causou enorme polêmica e, na tentativa de buscar alguma solução, foi feita uma prorrogação por apenas 90 dias, bem como criada uma comissão para aprofundar a discussão do tema.

Vale registrar que a voz de Sergipe foi acompanhada pelo Ceará e, depois de muita pressão contrária de alguns Estados e de representantes do setor agro, chegou-se a um entendimento.

Foram estabelecidas uma regra de transição com a redução do ICMS do produto nacional e a aplicação de tarifa progressiva para o produto importado, de forma a chegar em 2025 com uma alíquota isonômica de 4%, mediante compromisso de crescimento da produção nacional em 35% nesse período, conforme o novo Convênio ICMS 26/2021 de 12 de março de 2021.

Desafio para a produção nacional de fertilizantes

Apesar de ser um desafio grande o crescimento da produção em 35% no período de 4 anos, muito pouco representará com relação à dependência dos importados se não forem adotadas outras medidas mais efetivas.

O aumento de 35% sobre a produção nacional, que representa 15% do consumo, significa 5,25% da necessidade de fertilizantes do país.

Ora, o consumo de fertilizantes vem crescendo a cada ano e esse aumento de produção em 4 anos poderá representar o crescimento de consumo de um só ano, já que existem previsões de crescimento de demanda de fertilizantes de 5% ao ano, também por conta da adubação de performance para ganhos de produtividade.

Caso o crescimento da indústria fique restrito aos 35% da produção presente, após 4 anos, em termos percentuais, não alcançaremos muita diferença da situação atual, talvez reduzindo a importação a 82% das necessidades do país.

Ressalta-se, por importante, que mesmo com toda essa discussão, não houve a compreensão que o Convênio 100/97 é extremamente danoso para a produção nacional, tendo ele sido prorrogado até 31 de dezembro de 2025 para os demais inúmeros itens contemplados, tais como defensivos, rações e sementes.

A situação dos defensivos não é diferente dessa dos fertilizantes, sendo o país dependente de produtos importados.

Está na hora de reabrir essa discussão para que não tenhamos que passar por outras situações, como a que agora enfrenta o setor de fertilizantes, para outros insumos que permanecem submetidos às regras do Convênio 100/97.

PNF não tem o ‘condão de movimentar o setor’

O Plano Nacional de Fertilizantes estabelece diretrizes e objetivos estratégicos para o período 2022 a 2050. Entretanto, o documento, apesar de muito bem elaborado, não tem o condão de movimentar o setor de fertilizantes para iniciar novos projetos.

Será necessário agir rapidamente em algumas frentes, para que o PNF possa apresentar resultados efetivos ainda nesta década.

A primeira e principal medida é com relação à desoneração da produção nacional.

Neste sentido, os Deputados Laercio Oliveira (PP/SE), Evair de Melo (PP/ES) e Christino Áureo (PP/RJ) apresentaram o PL 3507/2021 em 13/10/2021 instituindo o Profert— Programa de Desenvolvimento da Indústria de Fertilizantes.

Nesse debate, não há que se falar em perda de receitas nos investimentos em ampliações e novas indústrias, que não acontecem há 25 anos, nem nas receitas decorrentes da pequena produção nacional.

Deputado Laercio Oliveira (PP/SE), um dos autores do PL 3507/2021
Deputado Laercio Oliveira (PP/SE), um dos autores do PL 3507/2021

Medidas complementares para a mineração

A questão dos direitos de mineração retidos por empresas, que não têm a intenção de produzir e que impedem a exploração dos recursos minerais por outros interessados, também precisa ser revista.

Assim como a exploração sustentável em áreas de reservas, mediante entendimentos com as comunidades indígenas.

Outra frente a ser trabalhada é quanto à celeridade dos processos de licenciamento e concessões, atendidas as exigências legais, como forma de possibilitar o desenvolvimento das atividades de mineração.

Talvez a produção de fertilizantes nitrogenados seja aquela que mais rapidamente possa ser incrementada, já que depende essencialmente do gás natural a preços competitivos, o que poderemos ter em breve por conta do novo marco regulatório do gás (Lei 14.134 de 08/04/2021).

Bem como de uma maior oferta de gás, tanto nacional quanto importado, através dos atuais e de futuros terminais de regaseificação de GNL que devem ser instalados no país.

Inicialmente é preciso entender a forma como está sendo feita a venda da unidade UFN III em Três Lagoas/MS.

Segundo matéria veiculada no Poder 360, uma parlamentar representante daquele Estado afirma que no contrato de venda da Petrobras não há compromisso da empresa adquirente produzir fertilizantes, podendo funcionar apenas como misturadora de produtos trazidos da Rússia.

Produção da UFN III é estratégica para o país

Também está na mídia, na coluna Painel S.A., da Folha de São Paulo, entrevista do CEO da Unigel — hoje operadora das antigas Fafen’s (Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados) de Sergipe e Bahia.

O executivo ressaltou a possibilidade de uma empresa nacional colocar essa indústria para operar em 12 meses, após assumir a unidade, quando a previsão com o negócio entabulado seria de iniciar a operar somente em 2027.

O país não pode correr o risco de perder a oportunidade de ter essa unidade produzindo, por melhor que seja o negócio que a Petrobras possa estar fazendo com os russos.

Questão de interesse e soberania nacional!

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em estudo realizado sobre fertilizantes nitrogenados, indica a necessidade de construção de mais 4 UFN’s com a capacidade da UFN III.

Vislumbramos hoje um cenário de aumento da oferta de gás natural offshore, associado ao petróleo, e portanto, precisando de consumo firme e inflexível.

Fertilizantes poderiam ser importante rota para gás natural

A geração termoelétrica é a maior demandante de gás natural, entretanto o seu uso se dá na maioria das vezes de forma flexível. Dessa forma, os fertilizantes nitrogenados poderiam ser importantes âncoras do consumo de gás natural.

Considerando as novas rotas de escoamento do pré-sal e o escoamento de gás natural do projeto Sergipe Águas Profundas, com gasoduto com capacidade de 18 MM m³/dia, seria extremamente oportuno o desenvolvimento de projetos das novas unidades de fertilizantes.

Para tanto, seria necessário que a Petrobras e os demais produtores realizassem oferta pública de volumes de gás natural de 2,2 MM m³/dia, nas localidades onde tiver disponibilidade, com contratos de 20 anos de duração, com preços competitivos e início de entrega em 5 anos, prazo necessário para a construção das plantas.

Os locais mais indicados para as próximas plantas de nitrogenados seriam nas chegadas dos gasodutos de escoamento e próximos às UPGN‘s, de forma a reduzir o custo de transporte através de tarifa short haul e sem demandar desnecessariamente a malha de transporte — hoje limitada apenas ao litoral brasileiro, à exceção do gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol).

Diante desse cenário, entendemos, que a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência e os Ministérios envolvidos com o PNF poderiam articular entendimentos com a Petrobras e demais produtores para a viabilização dessa oferta pública de contratos de suprimento de gás natural, ao tempo em que também buscariam linhas de crédito do BNDES para financiamento das novas unidades.

Certamente essa ação coordenada criaria as condições para que grupos privados nacionais e estrangeiros venham a se interessar pelo novo negócio.

Tarifação para fertilizante importado

Outra medida que poderia ser implementada seria a tarifação, a partir de 2027, do fertilizante importado pela Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC), conforme tabela NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul).

Ao mesmo tempo, preveria a isenção da referida tarifa incidente nas importações dos volumes equivalentes à sua produção nacional, na forma de cotas, conforme já utilizado por outros setores.

Dessa forma, as empresas que hoje optam por importar, ao invés de produzir no Brasil, serão estimuladas a investir na produção nacional.

Importante destacar que a proposta não pretende sobretaxar os fertilizantes importados ou aplicar a tributação comum adotada nos países do Mercosul, neste momento em que o agricultor está pagando preços elevados pelos fertilizantes.

Seu objetivo é induzir ao desenvolvimento da produção nacional com geração de empregos, riquezas e redução da dependência das importações.

É possível que, dessa forma, em algum momento, o fertilizante possa ser, em parte, onerado por alíquotas de importação, mas logo os produtores entenderão a nova lógica e farão os investimentos para produzir no Brasil.

Projeto em Sergipe para produção de potássio

Temos também em foco a criação de competitividade de custos de produção para a viabilização técnica e econômica do Projeto Carnalita, situado em Sergipe, para produção de potássio, insumo do qual o Brasil tem maior dependência.

Este projeto foi desenvolvido pela Vale antes de ter vendido a mina Taquari Vassoura para a Mosaic, tendo sido obtidas algumas licenças para sua implantação à época.

Nessa alternativa, a produção poderá ser, certamente, iniciada em menor prazo que a jazida de Autazes/AM, dadas as diversas implicações do projeto e necessidade de implantação de infraestrutura para a produção amazonense.

Pós pandemia e guerra na Ucrânia levam a repensar estratégia nacional

Não poderia haver melhor momento para tratarmos desse assunto, já que estamos todos estarrecidos com a situação atual que, apesar de entendermos possível, ninguém acreditava que poderia acontecer.

Aqueles que defendiam que o Brasil deveria continuar a importar fertilizantes para atender toda a demanda nacional se viram obrigados a repensar tais conceitos.

A desarticulação das cadeias de suprimento e do próprio transporte, longas esperas portuárias e questões geopolíticas desde o início da retomada pós pandemia têm mostrado a necessidade de termos produção própria por questão de soberania nacional e segurança alimentar.

Passado o momento crítico, enquanto durar a guerra da Rússia com a Ucrânia, poderá haver uma retomada parcial dos fluxos de fertilizantes, certamente com a manutenção de sanções à Rússia, Bielorrússia e mais algumas outras. E talvez não tenhamos o mesmo sentido de urgência que existe neste momento.

Precisamos agir! A hora é agora!

Laércio Oliveira (PP/SE) é deputado Federal.

Marcelo Menezes é superintendente executivo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado de Sergipe (SEDETEC/SE).