Energia

Plano de descarbonização de Pernambuco prevê incremento de 6% no PIB até 2050

Tecnologias de baixo carbono serão responsáveis por evitar 75% das emissões projetadas para 2050, os outros 25% deverão ser compensados pela bioenergia com captura de CO₂

Plano de descarbonização de Pernambuco prevê aumento de 6% do PIB até 2050
A capital do estado, Recife, está entre as 16 cidades mais vulneráveis à mudança climática (Foto: Fabricio Macedo/Pixabay)

RECIFE — O Governo de Pernambuco anunciou em março o seu Plano de Descarbonização (PDPE), com estratégias para o estado chegar a 2050 com emissões líquidas zero de Gases de Efeito Estufa (GEE) e aumentar em 6% seu Produto Interno Bruto (PIB) no acumulado até lá.

Apontando metas, prazos e ações para mitigar as emissões, a proposição prevê a implementação de tecnologias de baixo carbono nos diferentes setores da economia, que serão responsáveis por evitar 75% das emissões projetadas para 2050 no cenário de linha de base.

Os 25% de emissões restantes devem ser compensados pela remoção de carbono da atmosfera, a partir da introdução da bioenergia com captura de CO₂ . 

Na análise econômica, o documento indica que o alcance do zero líquido em 2050 vai resultar em R$ 20 bilhões a mais no PIB do estado, elevando em R$ 30 bilhões o consumo das famílias, com a expectativa de criação de mais de 100 mil postos de trabalho.

“Essas escolhas tecnológicas de descarbonização apontam para uma economia mais próspera, com aumento do PIB, aumento de empregos e aumento da renda das famílias”, explica Samanta Della Bella, superintendente de Sustentabilidade e Clima da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco (Semas).

Em entrevista à agência epbr, Samanta conta que a construção da estratégia partiu de uma analise sobre o comportamento da economia pernambucana e as soluções viáveis para alcançar a meta carbono neutro. O plano é dividido em quatro eixos, e traça as projeções de emissões nos setores de transporte, indústrias, energia, resíduos e outros usos da terra (Afolu).

“Não podemos perder de vista a necessidade de adaptar a estrutura existente aos impactos que já estão acontecendo e entender que, caso a gente não consiga reduzir as emissões, esses impactos vão se tornar cada vez piores”. 

A capital do estado, Recife, concentra cerca de 3,7 milhões de habitantes na região metropolitana — é a 6ª região mais populosa do Brasil e a 1ª da região Nordeste — e está entre as 16 cidades mais vulneráveis à mudança climática.

Apelidada de “Veneza brasileira”, a capital está localizada ao nível do mar, o que a deixa mais exposta às consequências do avanço do oceano sobre zonas costeiras.

Na epbr

As emissões do estado são baixas, comparadas ao resto do país — é o 20º no ranking de emissões por estado no Brasil –, mas a alta vulnerabilidade climática está colocando o tema no centro da agenda política local. Em agosto passado, Pernambuco se juntou a outros três estados brasileiros na campanha Race to Zero das Nações Unidas.

Na dificuldade de um diálogo com o governo federal quando o assunto é clima e meio ambiente, os estados se mobilizam em fóruns para construir compromissos climáticos que ajudem o Brasil a alcançar as metas de descarbonização pactuadas no Acordo de Paris, em 2015.

No grupo de estados, estabelecemos uma carta de compromisso para que todos sejam atores na busca das metas baseadas no Acordo de Paris. Essas ações vão desde agricultura sustentável, transporte, energia,  e abrange toda essa variedade que é a agenda climática. Esse grupo tem discutido como os estados podem avançar nesses compromissos. Dessas conversas surgem várias parcerias”, conta Samanta. 

Precisamos utilizar as ferramentas que existem hoje para analisar a vulnerabilidade, detectar os pontos mais sensíveis e propor ações emergenciais, mas precisamos trazer isso também para um planejamento de Estado e colocar na prática”, completa. 

A seguir, os principais pontos da entrevista.

Para cada medida de descarbonização prevista no PDPE nos eixos estratégicos, o estado propõe ações específicas para superar as barreiras à implementação das soluções tecnológicas:

Energia & Indústria:

  • Ampliação da geração elétrica renovável
  • Produção industrial de baixo carbono
  • Nova matriz de combustíveis
  • Desenvolvimento da captura, transporte, utilização e armazenamento de CO₂

Transportes

Resíduos

  • Melhorias na gestão dos resíduos sólidos urbanos e conscientização da população
  • Avanço da recuperação e aproveitamento de biogás e biometano

Afolu

  • Descarbonização pelo uso da terra
  • Agropecuária de baixo carbono

ENTREVISTA | Samanta Della Bella, superintendente de Sustentabilidade e Clima da Semas-PE

Ana Guerra: Como a gestão estadual está se organizando para executar e criar as ações previstas no PDPE?

Samanta Della Bella: O governador [Paulo Câmara, PSB] assinou um decreto reconhecendo o plano e criando um comitê para implementação e monitoramento. Isso é importante porque precisamos de um sistema para estabelecer as etapas. 

Entendemos que primeiro é preciso um trabalho das secretarias de governo: olhar para o plano, para os seus programas, ver o que já estão fazendo e reconhecer o que ainda não estamos executando. Precisamos monitorar as nossas ações para entender se elas estão evoluindo para onde queremos ou não. 

Não podemos perder de vista a necessidade de adaptar a estrutura existente aos impactos que já estão acontecendo e entender que, caso a gente não consiga reduzir as emissões, esses impactos vão se tornar cada vez piores. 

Hoje temos muitas informações e muita ciência ao nosso lado. Precisamos utilizar as ferramentas que existem para analisar a vulnerabilidade, detectar os pontos mais sensíveis e propor ações emergenciais, mas precisamos trazer isso também para um planejamento de Estado e colocar em prática. Isso passa por muitas etapas, mudanças de mentalidade, reorganização das cidades.

AG: Pernambuco tem regiões diferentes, com realidades climáticas e econômicas distintas. Como fazer um plano que possa ser acessível para todos os municípios?

Samanta: Temos eixos macroeconômicos distintos para cada região do estado.

No momento de construção do plano, não tínhamos dados e informações detalhadas que permitissem à secretaria dividir o plano por região de desenvolvimento, isso foi colocado no processo, mas os dados não conseguem distinguir uma região da outra. 

A pauta do governo hoje vem por região, mas na hora de fazer a intersecção de planejamento, precisamos entender quais são esses espaços onde o investimento deve ser voltado para agricultura, biodiversidade ou quem tem potencial maior para o desenvolvimento de uma energia solar distribuída. 

Existem lugares como o Recife, onde temos problemas com o aumento do nível do mar, chuvas torrenciais, alagamento.  Quando você vai para o Sertão, encontra uma região árida e que, em virtude do solo e do aumento das temperaturas, esse quadro tende cada vez mais a agravar

Como é que você prepara todo esse território para lidar com uma temperatura aumentada? Como lidar com uma agricultura que tem que acontecer, mas não pode degradar o solo? São muitas camadas de ações que precisam ser trabalhadas. São mudanças que têm que acontecer no setor público e privado, em várias áreas. 

AG: O governo já calculou os valores investidos no plano?

Samanta: Hoje não temos um valor preciso, mas sabemos de várias ações que estão acontecendo com o objetivo de descarbonizar. Essa soma não está em um lugar, então estamos montando uma estrutura para colocar tanto os custos, quanto monitorar o que está indo para frente e o que não está. 

A Secretaria de Meio Ambiente tem projetos de reflorestamento, com recursos externos, ações voltadas para resíduos, tanto para a eliminação de lixões quanto para coleta seletiva, construção de galpões e compostagem, na casa dos R$ 15 milhões. 

Esses são números da minha secretaria, mas precisamos colocar isso em um painel.

O quanto de recursos já estão alocados para execução do plano e as áreas que ainda não têm recursos, porque não temos projetos e precisamos elaborar e captar recursos.

AG: Existe uma parceria hoje com outros estados para o desenvolvimento dessas ações de descarbonização?

Samanta: No grupo de estados, estabelecemos uma carta de compromisso para que todos sejam atores na busca das metas baseadas no Acordo de Paris. Essas ações vão desde agricultura sustentável, transporte, energia, e abrange toda essa variedade que é a agenda climática.

Esse grupo tem discutido como os estados podem avançar nesses compromissos. Dessas conversas surgem várias parcerias. 

Já as conversas entre os estados e o governo federal não têm funcionado bem nesses últimos anos. Temos mensagens destoantes do Executivo Federal com relação a qual direção devemos tomar.

No Nordeste, estamos trabalhando no Consórcio Nordeste, onde há uma câmara técnica de meio ambiente, tentando construir diretrizes comuns aos estados da região para o enfrentamento das crises climáticas.

Com relação à energia solar e eólica, entendemos que o Nordeste é uma área muito rica, que temos que explorar esse potencial, sabendo que as renováveis são importantes para a transição energética. No entanto, estamos enfrentando muitos problemas com relação aos impactos que a instalação desses empreendimentos trazem para a realidade local dos estados.

Tem sido um aprendizado importante para entender onde é que a gente cria as regras, quais são os limites, o que é importante para resguardar quando recebe um empreendimento para que não coloque em risco a biodiversidade, as comunidades tradicionais, os agricultores. 

AG: Qual a preocupação da Semas com relação aos resíduos?

Samanta: Nosso passivo de resíduos é muito grande. Na esfera nacional eles não chegam a 5% das emissões, enquanto na estadual eles chegam a quase 20%. 

O resíduo gera metano, que tem um alto poder de causar o efeito estufa e chega a ser cerca de 28 vezes mais poluente que o gás carbônico. E aí temos a possibilidade de transformar isso em energia, o biogás. Com isso, resolvemos dois problemas de uma única vez, porque não vamos consumir energia de fontes poluentes e vamos reduzir a emissão do setor. 

Essa medida não vem sozinha. Precisamos também selecionar o que vai para o aterro e reaproveitar o máximo. Existe toda uma cadeia que precisa acontecer.

AG: Quais são as perspectivas da Semas com a introdução do Plano?

Samanta: Pernambuco é um dos estados menos emissores, mas cada um tem que fazer a sua parte. 

Por não sermos um estado tão grande, temos a possibilidade de agir com mais flexibilidade. Não somos o estado com maior número de emissões, mas temos as nossas responsabilidades e precisamos cuidar delas inclusive para fazer parte de um movimento. O mundo inteiro precisa adotar um modo de produção, de viver diferente. 

Antes de Pernambuco, outros três estados fizeram estudos semelhantes e realizaram as suas trajetórias para a descarbonização.

Acho que daqui a pouco cada estado terá as suas estratégias para essa meta e espero que estejam alinhados a uma política nacional e que os municípios venham junto.

O Plano é um pedaço pequeno dessa trajetória. Temos menos de 30 anos para reverter a situação e criar novos processos, estabelecer novas economias, é um período curto. Certamente a parte mais difícil é agora, ou seja, colocar em prática esses esforços. Mas estamos cumprindo o nosso papel, colocando a semente e criando instrumentos para que ela possa crescer.