JUIZ DE FORA — A Petrobras e a Transpetro vêm firmando desde 2023 uma série de contratos voltados à retomada da indústria naval brasileira, com foco em barcos de apoio à produção offshore e de cabotagem, e uso de novas tecnologias para reduzir as emissões de carbono.
Os acordos consolidam a política de conteúdo local e a reativação de estaleiros que estavam ociosos há quase uma década. As contratações na indústria naval são um tema caro ao presidente Lula (PT), já que esse setor foi um forte motor de geração de empregos nos governos anteriores do petista.
Segundo a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, a estatal já contratou 44 de 48 navios planejados para estaleiros brasileiros até o final de 2026.
A seguir, a agência eixos relembra os estaleiros que ganharam os contratos da Petrobras e Transpetro na retomada naval durante o terceiro mandato de Lula.
Quais foram os estaleiros contratados até agora?
Estaleiro Enseada — Bahia
A Petrobras retomou os investimentos na indústria naval na Bahia com o anúncio da construção de seis embarcações de apoio offshore no estaleiro Enseada, em Maragogipe, em parceria com a Compagnie Maritime Monegasque (CMM).
O investimento total é de R$ 2,58 bilhões, com previsão de gerar mais de 5,4 mil empregos diretos e indiretos.
O anúncio ocorreu em outubro com a presença do presidente Lula, do governador Jerônimo Rodrigues (PT), da presidente da Petrobras, e do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), além de centenas de trabalhadores do estaleiro.
“Estou aqui para recuperar a indústria naval brasileira, mas os caras que deixaram um estaleiro dessa magnitude parado deveriam ser presos por causarem prejuízos à população brasileira”, afirmou Lula.
As embarcações do tipo ORSV terão propulsão híbrida e possibilidade de conversão futura para etanol, reduzindo até 25% das emissões de CO2.
“Aqui, no Estaleiro Enseada, renascem quase 7 mil empregos diretos de qualidade. Salários dignos para melhorar a vida das famílias. Mais de 90% dos postos de trabalho estão sendo ocupados por gente daqui, do Recôncavo Baiano. Mão de obra local, benefício local”, disse Silveira.
Paralelamente, o conselho gestor do Fundo da Marinha Mercante (FMM), administrado pelo Ministério de Portos e Aeroportos, destinou R$ 611,7 milhões ao estaleiro baiano para a construção de 80 embarcações.
Entre os subsídios que o Brasil utiliza para fortalecer a indústria naval, o FMM é a principal ferramenta, financiando a renovação da frota e a reparação de embarcações.
Na ocasião, a Petrobras assinou, ainda, um protocolo de intenções com o governo da Bahia para levar plataformas a serem descomissionadas para o canteiro de São Roque do Paraguaçu.
Ecovix e Mac Laren — Rio Grande (RS) e Niterói (RJ)
Em fevereiro de 2025, a Transpetro contratou o consórcio formado pelos estaleiros Ecovix, de Rio Grande (RS), e Mac Laren, de Niterói (RJ), para a aquisição de quatro navios da classe Handy, com valor de US$ 69,5 milhões por embarcação.
As unidades terão entre 15 mil e 18 mil toneladas de porte bruto, aptas a operar com bunker ou biocombustíveis, e contarão com soluções de eficiência energética que devem reduzir em 30% as emissões em relação aos atuais navios da frota.
O conselho diretor do Fundo da Marinha Mercante aprovou R$ 1,6 bilhão em créditos para as embarcações.
Bram Offshore e Starnav — Navegantes e Itajaí (SC)
Estaleiros nacionais em Navegantes e Itajaí, em Santa Catarina, foram contratados pela Petrobras em dezembro de 2024 para a construção de 12 embarcações do tipo Platform Supply Vessel (PSV), usadas no transporte de equipamentos e apoio a plataformas offshore.
O investimento totaliza R$ 16,5 bilhões, e os contratos incluem um período de até quatro anos para mobilização e 12 anos de operação, com exigência de 40% de conteúdo local.
As empresas Bram Offshore e Starnav Serviços Marítimos serão responsáveis, cada uma, por seis embarcações. Do valor total, R$ 5,2 bilhões serão destinados a investimentos em construção naval no Brasil.
As embarcações serão construídas nos estaleiros próprios das empresas vencedoras — em Navegantes (Bram) e Itajaí (Starnav) — e devem ser incorporadas às operações logísticas de E&P da Petrobras até 2028.
Além disso, a estatal também afretou quatro barcos do tipo ROV Support Vessel (RSV), de apoio a operações submarinas à Bram Offshore, em contratos que somam mais R$ 10,2 bilhões.
Os navios também serão construídas no estaleiro Navship em Navegantes (SC), com previsão de entrega entre 2029 e 2030. O projeto requer no mínimo 40% de conteúdo local na fase de construção e 60% na operação.
As unidades terão tecnologia de geração híbrida e soluções inovadoras nos sistemas de propulsão, além da possibilidade de operar com etanol.
Samsung Heavy Industries — Coreia do Sul
A Transpetro contratou em março deste ano nove navios de posicionamento dinâmico da classe Suezmax DP2, que vão dobrar a capacidade de alívio de plataformas da companhia de 700 mil para 1,35 milhão de toneladas de porte bruto (TPB).
As embarcações, com 150 mil TPB cada, serão construídas no estaleiro Samsung, na Coreia do Sul, com entregas previstas para 2027 e 2028. O contrato de US$ 2 bilhões terá duração de 15 anos.
Segundo a companhia, a expansão visa atender ao crescimento da produção de petróleo da Petrobras. Os novos navios incluem tecnologias como motores de baixa emissão de enxofre, preparação para combustíveis alternativos (metanol e etanol) e conexão com energia em terra (shore-power).
De acordo com a empresa, as inovações devem reduzir em até 30% as emissões de gases, alinhando-se às normas da Organização Marítima Internacional (IMO).
O que foi prometido?
Transpetro
O Programa de Renovação e Ampliação da Frota do Sistema Petrobras (TP 25) foi anunciado pelo presidente da Transpetro, Sergio Bacci, em maio de 2023, e teve a primeira licitação lançada em julho de 2014, para quatro embarcações.
Segundo Sérgio Bacci, o programa vai ampliar em pelo menos 25% a capacidade logística de cabotagem da companhia até 2030.
“As futuras licitações previstas no TP 25 vão garantir uma demanda perene, que irá incentivar a retomada da indústria naval no país. Essa é uma determinação do governo e estamos cumprindo de maneira efetiva e atendendo todos os interesses de negócio do sistema Petrobras”, disse em nota.
Bacci lembrou que a retomada dos investimentos no setor foi uma promessa de mandato de Lula.
“Desde que Lula assumiu o 3º mandato, começamos a retomada da indústria naval. As encomendas da Transpetro superam R$ 23 bilhões, aquecendo a indústria naval”.
Em fevereiro de 2025, a Transpetro lançou licitação para oito gaseiros, com capacidades de 7 mil, 10 mil e 14 mil m³, passando a carregar amônia, e permitindo triplicar o transporte de GLP e derivados.
A licitação foi dividida em dois lotes, que não podem ser vencidos pelo mesmo estaleiro ou consórcio. O primeiro prevê cinco navios pressurizados — três de 7 mil e dois de 14 mil m³ — para transporte de GLP e derivados.
Já o segundo inclui três semirrefrigerados de 10 mil m³ para amônia.
De acordo com a Agência Petrobras, as propostas comercias abertas em 22 de setembro estão em avaliação e as novas embarcações serão até 20% mais eficientes em combustível e emitirão 30% menos gases de efeito estufa, podendo operar em portos eletrificados.
Em seguida, em maio, a Transpetro lançou licitação para quatro barcaças de 3 mil toneladas, quatro empurradores e um rebocador, marcando sua entrada neste modal logístico.
Em outubro, a subsidiária abriu uma nova concorrência, agora prevendo a aquisição de 18 barcaças e 18 empurradores — número que já inclui as oito embarcações previstas no edital de maio.
No começo de novembro, a Transpetro lançou a terceira licitação para contratar os quatro navios MR1 de 40 mil toneladas.
A disputa, em lote único, exige fornecimento por um único proponente e está aberta a estaleiros que atendam aos requisitos técnicos e econômicos, com prazo de 90 dias para envio de propostas. O cronograma prevê a entrega das quatro embarcações no primeiro trimestre de 2026, com o primeiro navio lançado até 33 meses após a assinatura do contrato.
Ao todo, a empresa planeja contratar, até 2026, 20 barcaças, 20 empurradores e quatro rebocadores, tornando-se uma das maiores operadoras do país nesse segmento.
Após a encomenda dos quatro handysize — firmada em fevereiro — e a abertura da licitação dos oito gaseiros — atualmente com propostas em avaliação —, a empresa iniciou também a concorrência para quatro navios de médio porte (MR1) e agora avalia incluir quatro Panamax (PMax) no ciclo de negócios 2026–2030.
Segundo Bacci, os estudos para os PMax devem integrar o novo plano estratégico da Petrobras, que vai ser divulgado até o final do mês.
Petrobras
A previsão total é contratar 20 novas embarcações: dez de apoio e resposta a emergências (OSRVs), oito para inspeção e intervenções em sistemas submarinos, usadas em operações remotas (RSVs), e duas para manuseio de âncoras e transporte de suprimentos (AHTS).
Segundo a diretora de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Renata Baruzzi, as licitações fazem parte da estratégia de renovação da frota, com foco em eficiência e redução de emissões.
“A especificação técnica também impõe que as embarcações atendam a padrões avançados de eficiência operacional, segurança e redução das emissões de gases do efeito estufa”, explicou.
Segundo a presidente da Petrobras, as 44 embarcações que estão sendo contratadas pela companhia vão requerer investimentos de R$ 58 bilhões e podem gerar 60 mil novos postos de trabalho.
Chambriard tem ressaltado que mecanismos como a depreciação acelerada de navios-tanque e o Fundo da Marinha Mercante permitem a construção de embarcações no país, fortalecendo estaleiros nacionais.
“É esse tipo de política pública que permite que esses navios sejam feitos no Brasil e não em outros países do mundo”, disse durante a visita ao estaleiro Enseada. Assista ao evento na íntegra no canal da agência eixos.
O que o Planalto tem feito para impulsionar a indústria naval?
O governo federal avançou em medidas legislativas. Em dezembro, Lula sancionou sem vetos a lei 15.075/2024, que permite a transferência de excedentes de conteúdo local em contratos de exploração e produção de gás natural. A norma incorporou a MP 1255/24, que definiu a depreciação acelerada para navios-tanque produzidos no país.
O benefício da depreciação acelerada permite reduzir o prazo de amortização de 20 para dois anos, com efeito contábil imediato, aumentando a competitividade dos projetos e o valor presente líquido (VPL).
O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabeleceu índice mínimo de 50% de conteúdo local para navios-tanque novos, exigência para usufruir do benefício fiscal. Estima-se que a medida resulte em R$ 1,6 bilhão de renúncia fiscal entre 2027 e 2031.
Posteriormente, o benefício da depreciação acelerada também foi estendido a barcos de apoio marítimo usados no suporte logístico e na prestação de serviços às instalações e plataformas offshore.
Essas embarcações deverão ter, no mínimo, 60% de índice de conteúdo local global, com um mínimo de 50%, pelo menos, para dois dos três grupos de investimentos (engenharia; máquinas, equipamentos e materiais; construção e montagem).
Financiamento
O BNDES também reforça o setor com linhas de crédito do FMM e o programa “BNDES Azul”, com R$ 6 bilhões aprovados em 2024 para a construção e modernização de navios, incluindo unidades movidas a combustíveis sustentáveis, como etanol, metanol, amônia e hidrogênio verdes.
Apesar do impulso, especialistas alertam que a continuidade das encomendas é crucial para manter a curva de aprendizado do setor, competir com estaleiros asiáticos e viabilizar novos projetos, incluindo FPSOs e plataformas de grande porte.
Estaleiros nacionais enfrentam desafios financeiros e exigem recapacitação para atender às demandas de eficiência energética e redução de emissões.
O Sinaval e interlocutores do setor defendem maior previsibilidade nas licitações da Petrobras, criação de índices mínimos de conteúdo local, proteção à frota nacional e incentivos fiscais, buscando garantir sustentabilidade econômica e competitividade global.
Novo ciclo ou velhos erros?
O histórico recente do setor mostra altos investimentos seguidos de crises profundas. Nos dois primeiros mandatos de Lula, o país viveu um “renascimento” da construção naval, com novos estaleiros e geração de dezenas de milhares de empregos.
Mas deu errado. O ciclo foi interrompido pelos impactos da Operação Lava Jato, que expôs esquemas de corrupção e cartel de empreiteiras instalado na Petrobras entre 2003 e 2014 — como a Odebrecht (que quase faliu e hoje se chama Novonor).
Como desdobramento dos processos na Justiça, encomendas da Petrobras foram canceladas e alguns estaleiros entraram em recuperação judicial.
Gigantes da indústria naval foram, inclusive, acusadas na Lava Jato de distribuir propinas a políticos e dirigentes da Petrobras entre 2007 e 2014.
Durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), os investimentos no setor naval caíram significativamente, com foco em privatizações e parcerias com empresas estrangeiras.
Um dos fatores que agravou a crise foi a dependência da Petrobras como principal contratante, o que tornou o setor vulnerável a flutuações políticas e econômicas.
Especialistas apontam que a dependência de uma única empresa representa um alto risco.
Segundo agentes setoriais, é essencial diversificar contratos, atrair outras petroleiras e ampliar a participação de empresas estrangeiras, além de estabelecer políticas de longo prazo que incentivem inovação, sustentabilidade e competitividade internacional.
