BRASÍLIA – A falta de consenso entre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a Petrobras quanto ao abandono de poços órfãos pode levar o caso para a Justiça Federal.
A agência retomou com mais afinco este ano processos internos para dar destinação e responsabilidades ao que, na prática, são milhares de poços perfurados pela Petrobras há décadas, até mesmo antes da abertura do mercado e criação da ANP. É o que a companhia chama de “poços abdicados”.
As discussões se deram este ano sobre casos concretos e, diante de uma resistência inicial da companhia em assumir a responsabilidade, chegou à Procuradoria Federal junto à ANP, que concorda com a viabilidade de uma ação judicial de obrigação de fazer.
Em um dos casos, a Petrobras propôs assumir o abandono permanente de poços, mediante ressarcimento, o que foi rejeitado pela agência.
O parecer da PF/ANP, obtido pela eixos, menciona que, caso a empresa continue resistente a arcar com os custos do abandono e recuperação ambiental dos poços, são cabíveis medidas judiciais, incluindo ações civis públicas e acionamento do Ministério Público.
Os procuradores ponderam, no entanto, que o recurso judiciário deve ser tomado como “último caso”, tanto pelos custos do processo quanto pela demora do litígio e risco de decisão contrária aos interesses da agência.
O entendimento da ANP é de que a Petrobras é responsável pelo abandono de poços em contratos que ainda estejam ativos ou não. Conta para isso o princípio da legislação brasileira de poluidor-pagador. Independe de culpa ou dolo.
Isto é, o agente responsável pelo impacto ambiental, independente de se tratar de um acidente ou não, fica responsável pela restauração do dano, ainda que ele seja compatível com a atividade econômica.
“(…) Há responsabilidade objetiva e solidária de todos aqueles que de alguma forma obtiveram proveito da atividade econômica que ocasionou dano ambiental”, conclui a PF/ANP.
Registra ainda que há jurisprudência no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para contrapor um argumento da Petrobras que a “abdicação” dos poços, feita no passado, é um ato juridicamente perfeito.
“(…) o meio ambiente é um direito fundamental, supraindividual, indisponível e baseado nos princípios da solidariedade entre as presentes e futuras gerações”, diz o documento.
A solução negociada, contudo, é preferível e possível na visão da PF/ANP: “tanto diante dos seus custos [de uma ação judicial], como sua conhecida demora na resolução definitiva do litígio, além do risco de prevalecimento de tese distinta da defendida pela agência”.
Procurada, a Petrobras afirmou no fim de outubro que “realiza análise de todos os processos enviados pela agência, inclusive dos “poços abdicados”, e responderá à ANP dentro dos processos administrativos”.
A ANP, por sua vez, confirmou em nota que encontra-se com a procuradoria um dos casos com decisão definitiva, mas sem cumprimento pela Petrobras, “para que sejam tomadas as medidas judiciais cabíveis de modo que a decisão da agência seja cumprida”.
“Existem milhares de poços perfurados no país antes da Rodada Zero (1998). Não necessariamente todos os poços demandam intervenção para realização de abandono ou para recuperação ambiental”, diz a ANP.
Petrobras entende que abdicou dos poços
A Petrobras diferencia os termos “órfãos” e “abdicados”, alegando se tratar de poços que não tiveram intervenção destinada a E&P ou foram devolvidos à União à época da Rodada Zero.
Segundo os documentos internos da agência, a Superintendência de Segurança Operacional (SSO) considerou não haver amparo para o uso do termo “poço abdicado” e que a Petrobras não era mero “órgão de execução” do governo, mas uma empresa responsável pelas suas atividades.
Diz ainda que a Petrobras teve vantagens decorrentes da perfuração dos poços, seja pela produção ou obtenção de informações sobre as bacias sedimentares brasileiras, ”com a intenção de obter somente o bônus da atividade e transferir o ônus a terceiros”.
Os campos que a Petrobras escolheu continuar explorando tiveram seus direitos e obrigações ratificados por meio dos chamados “contratos da Rodada Zero”. Os que são questionados junto à ANP não tiveram essa ratificação, o que não configura, segundo a agência, isenção de responsabilidade.
Impasse começou com poços em terra
A Petrobras reiterou o posicionamento de que os poços 1-PBA-1-AL, 3-PIA-23-AL e 1-RSL-1-AL, objeto de um dos processos, nunca foram objeto de contrato de concessão, de modo que não haveria responsabilidade contratual ou regulatória de realizar o abandono das instalações.
A companhia pediu para a agência reconsiderar a posição em poços nos estados de Alagoas, São Paulo e no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Em um outro processo, que diz respeito a contratos na Bahia, Petrobras e ANP têm a mesma divergência quanto à responsabilidade.
Nos Lençóis Maranhenses, a companhia quer o ressarcimento de R$ 506 mil, referente aos serviços de coleta, remoção, armazenamento temporário e destinação final de resíduos sólidos no entorno dos poços e da zona de amortecimento.
Nesse caso, a empresa cumpriu a notificação voluntariamente e sem questionar junto ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental que faz a gestão dos parques nacionais.
De acordo com a ANP, a agência só foi comunicada após a questão ter sido solucionada com o ICMBio. Só então, houve o pedido de ressarcimento.
Documento da SSO/ANP ainda levanta a possibilidade de a real pretensão da Petrobras ser firmar o entendimento quanto ao abandono de poços, uma vez que o valor da operação não representa gasto significativo para a empresa.
Poço cedido para novos operadores
Em um dos contratos, do campo de Piaçabuçu, em Alagoas, os poços foram cedidos ao consórcio formado pelas empresas Perícia Engenharia e Construção e Andorinha Petróleo, que se propôs a fazer o abandono, mediante ressarcimento dos custos envolvidos na operação. Na prática, a exigência é a mesma feita pela Petrobras, o que é rejeitado pela ANP.
A Petrobras foi notificada pela agência a apresentar o Programa de Descomissionamento de Instalações (PDI) para análise da SSO, mas respondeu alegando não ser responsável pelo PDI do campo.
A empresa informou que dois poços em Alagoas estavam em condições seguras e não demandavam intervenção imediata. Quanto ao poço 3-PIA-23-AL, reforçou a necessidade de formalizar junto à ANP o ressarcimento do ônus à Petrobras.
Ressaltou, ainda, que o abandono está vinculado à garantia do ressarcimento, uma vez que os poços nunca estiveram sob contrato de concessão celebrado pela Petrobras.
Segundo a Petrobras, o abandono dos poços 1-RSF-1-AL e 1-PBA-1-AL ocorreu em 1960 e em 1987, enquanto o poço 3-PIA-23-AL está abandonado temporariamente e sem registro de produção desde 1998. A companhia argumentou que, quando exercia atividades de exploração e produção (E&P) em regime de monopólio, era “órgão de execução” da União.