BRASÍLIA e RIO – Há um otimismo na Petrobras e em estados favoráveis à abertura da Margem Equatorial para exploração de petróleo e gás esse ano. O marco esperado é a aprovação da licença ambiental para a perfuração na Foz do Amazonas, sucedida da autorização do Ibama para as bacias adjacentes.
Essa Margem Equatorial visada pelo setor de petróleo – não apenas a Petrobras – é uma nova fronteira, praticamente intocada. A indústria tenta convencer a sociedade de que, sem novas reservas, o Brasil voltará a ser importador de petróleo, sacrificando a autossuficiência conquistada com o pré-sal.
Na Foz do Amazonas, os prospectos mapeados pela companhia têm um volume inicial estimado em mais de 6 bilhões de barris, que ainda precisam ser validados pelos poços.
Salvo na Bacia Potiguar, um projeto antigo e com características próprias, não foram perfurados poços nas regiões licitadas há mais de dez anos com a intenção de empurrar a exploração para águas profundas.
Por lá, a Petrobras conseguiu a licença no ano passado, como o Ibama já havia concedido nas primeiras fases da exploração no Rio Grande do Norte, mas a companhia ainda não divulgou o resultado do poço, isto é, se encontrou a extensão da descoberta original ou não.
Sem essas descobertas, o Brasil vai chegar a 2050 produzindo menos de 1 milhão de barris/dia de petróleo, reforçou o diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Joelson Mendes, em entrevista ao estúdio epbr, em março.
Essa foi uma das mensagens levada pelo mercado global de petróleo para a CERAWeek: a transição energética deve ser feita sem choque na oferta de energia.
O otimismo é contido em setores do governo federal, até mesmo entre os que defendem a exploração. Há uma resistência na área ambiental, simbolizada pela ministra Marina Silva (Rede) com uma matriz energética (e econômica) que se apoie no crescimento da produção de óleo nos nossos cenários domésticos de descarbonização até 2050, o almejado net-zero.
“Peguem os números e façam as contas. Qual é a decisão que o Brasil quer ter? O Brasil quer ser importador de petróleo daqui a 15 anos? Quer ser muito importador de petróleo daqui a 25 anos? Ou quer pelo menos equilibrar o jogo? A gente realmente precisa de novas descobertas”, afirmou Joelson Mendes.
Mendes cita as projeções que apontam que o consumo global de petróleo ainda pode ser de 55 milhões de boe/dia em 2050, mesmo num cenário de emissões compatível com o Acordo de Paris. O consumo atual é de cerca de 100 mil boe/dia.
“Mesmo nessa projeção conservadora, a gente percebe um espaço grande para o Brasil ocupar”, disse.
Na prática, o conflito é sobre permanecer na mesa dos grandes produtores globais, onde o Brasil chegou com a capacidade do pré-sal.
Segundo o diretor da Petrobras, hoje o Brasil atende a cerca de 3% da demanda global de petróleo, a partir de uma produção de 4,3 milhões de boe/dia em 2023.
Assista na íntegra a entrevista de Joelson Mendes
Estimativas apontam que o país poderia suprir 5% do consumo global em 2050, mas para isso a produção nacional precisa estar em pelo menos 2,8 milhões de boe/dia.
“Nós não temos reservas para chegar em 2050 produzindo isso. [A produção] vai cair porque é o ciclo natural do petróleo. Nós precisaremos incorporar reservas para que o Brasil consiga fazer parte desse clube que vai estar fornecendo petróleo em 2050”, disse.
Com os projetos em implantação atualmente no Brasil, a produção nacional vai entrar em declínio a partir de 2032 e o país voltará a ser importador líquido de petróleo na década de 2040, quando Mendes prevê que a extração vai cair para 2,5 milhões de boe/dia.
A tendência é corroborada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“A gente insiste muito na Margem Equatorial, que não é uma coisa pequena, são cinco bacias sedimentares. E por que fomos para Pelotas agora? Porque fizemos as contas. É necessário que a classe política brasileira, que as cabeças pensantes do Brasil, façam as contas”, afirmou Mendes.
Ano passado, Petrobras, Shell e Chevron contrataram 44 blocos na bacia de Pelotas, no primeiro leilão de petróleo do governo Lula 3.
“Acho que o que está por trás [das discussões sobre a Margem Equatorial] não é nenhuma questão ligada à exploração e produção em si. Me parece muito mais uma questão ideológica de não querer que o Brasil vá para novas fronteiras por conta do aquecimento global”, critica o executivo.
A recente agenda do presidente francês, Emmanuel Macron, levou a uma especulação no Amapá de que o governo brasileiro estaria inclinado a desistir do projeto. Nos bastidores, a Petrobras assegurou aos políticos da região que não há nenhuma determinação de Lula nesse sentido.
A visita de Macron foi marcada pela viagem com Lula a Belém, sede da COP30 de 2025, quando os países assinaram um compromisso para perseguir um total de € 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) em quatro anos para um programa de investimentos públicos e privados em projetos de bioeconomia para a Amazônia, tanto do Brasil como da Guiana Francesa.
A bioeconomia é um contraponto ambiental à indústria fóssil: seria capaz de levar desenvolvimento, com emprego e renda, deixando de lado uma indústria do passado, responsável pela emergência climática.
Nas declarações conjuntas (veja a íntegra), Lula e Macron reafirmam compromissos da COP28, o que inclui a retirada gradual dos combustíveis fósseis das matriz de ambos, combinado com as responsabilidades “diferenciadas e respectivas capacidades” e o combate à pobreza.
Politicamente, há uma visão no governo Amapá que o país já é cumpridor de metas internacionais de descarbonização, isto é, “está no lucro”, principalmente em comparação a outros players mundiais.
Por esse motivo, o governo não teria que ficar acanhado em relação ao avanço sobre a Bacia da Foz do Amazonas, pois o dever de casa estaria feito.
Além disso, segundo tese de um interlocutor do governo amapaense, criar condições favoráveis à empreitada petrolífera significa também deixar de explorar a floresta.
Com a injeção de recursos provenientes de royalties e participações, os entes federados da região amazônica podem reinvestir em uma política de desenvolvimento, com sustentabilidade.
Há discussões sobre criar um fundo soberano no estado, a exemplo do que foi feito em Maricá (RJ), estrela mais recente dos municípios beneficiados com royalties.
Além do Amapá, um dos estados hoje mais empenhados em viabilizar a campanha exploratória é o Maranhão, que vislumbra a possibilidade de uma perfuração em Barreirinhas, região tida como a “jóia da coroa” na chamada Margem Equatorial.
Após a crise aberta em 2023 com a ministra Marina Silva, a estratégia é demonstrar que o projeto na Foz é seguro, apoiado por um governo que reconhece a defesa da legalidade ambiental – em contraposição com uma Petrobras sob o comando de Jair Bolsonaro (PL), ex-presidente que enfrentou publicamente o Ibama.
Os governadores Carlos Brandão (PSB), sucessor de Flávio Dino no Maranhão, e Clécio Luís (Solidariedade), com apoio do senador Davi Alcolumbre (União/AP), têm usado sua influência política para capitanear esforços, diferentemente do Pará, de Helder Barbalho (MDB), que tem focado no conceito de transição energética mirando a COP 30.
Aliás, há de fato uma questão internacional: os próprios modelos da Petrobras indicam que diante de um cenário extremo de vazamento, o óleo pode atingir os países vizinhos, em direção ao Suriname, Guiana Francesa e a própria Guiana, que já produz mais de 300 mil barris por dia.
Em janeiro, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou à Veja que encara as pressões pelo projeto com “naturalidade”.
“O empreendedor tem prazo, tem orçamento, quer executar a obra no menor tempo possível, mas o Ibama continua fazendo o trabalho técnico”, disse. “O Ibama é rigoroso porque temos uma legislação ambiental que precisa ser cumprida”.
Em que pé está o licenciamento da Foz?
Estrito ao licenciamento no Ibama, há uma perplexidade na Petrobras: o projeto de exploração no Amapá tem a estrutura de resposta ambiental mais robusta da história da companhia para a perfuração de um primeiro poço.
Ela aguarda a análise do pedido de reconsideração feito ao órgão ambiental, para realizar a chamada APO (avaliação de pré-operacional). Trata-se de uma simulação da resposta a incidentes, típica do setor óleo e gás, e uma das fases conclusivas dos licenciamentos.
A negativa do Ibama pode completar um ano em maio. De lá para cá, a companhia ampliou a estrutura na região, que envolve a contratação de embarcações, bases de apoio e de resposta a eventuais danos à fauna, além de uma reforma no aeroporto local.
Recentemente, concluiu uma sondagem empírica, com equipamentos chamados de derivadores, sondas para atestar o movimento marítimo e corroborar com a modelagem estatística, entregue ano passado ao Ibama, e que indicou probabilidade zero de o óleo atingir a costa.
Agostinho afirmou na época, que mesmo com o estudo, a premissa da companhia estava equivocada e o projeto deveria prever essa possibilidade.
Em outubro, o Ibama consultou a Funai para prosseguir com a análise.
O Conselho de Caciques dos Povos Indígenas de Oiapoque elaborou um plano de consulta sobre a exploração do bloco FZA-M-59, enviado para análise da Petrobras em dezembro. O cronograma proposto prevê que as reuniões ocorram até abril de 2025.
A estatal afirma que o plano de consulta não se aplica à fase de perfuração de poços para identificação da existência de petróleo e gás na região.
“O momento adequado para realização de consulta prévia às comunidades tradicionais é após as descobertas, na fase de desenvolvimento da produção, caso a atividade for afetá-las diretamente”, afirmou em nota à epbr.
A empresa destaca que realizou, voluntariamente, 67 reuniões e audiências públicas com as comunidades da região. E no momento, aguarda a resposta ao pedido de reconsideração do Ibama para avaliar os próximos passos.
“A Petrobras aguarda a resposta ao pedido de reconsideração do Ibama para avaliar os próximos passos”.
Em meio aos trâmites, os servidores do Ibama realizam uma operação-padrão desde janeiro, enquanto aguardam revisão das carreiras ambientais, preteridas pelo governo nos reajustes aprovados até aqui. Uma greve, de fato, não é descartada no órgão, dada a insatisfação com as propostas feitas.
Recentemente, o órgão recebeu apoio da ABPIP, que representa produtores independentes e de menor porte.
“Temos percebido que, ao longo dos tempos, a falta de investimento na sua estrutura, deixou o órgão com desafios crescentes para cumprir suas atribuições. Nesse sentido, apelamos para que, com diálogo e elevado espírito público, seja encontrada uma solução de equilíbrio para esse momento tão importante para o Brasil”, afirmou a entidade, em nota.
Com edição adicional de Gustavo Gaudarde